quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A medicina como arte de cuidar

Jandira Feghali

A Universidade Estadual do Rio de Janeiro me concedeu um dos conhecimentos mais profundos e universais que qualquer ser humano pode ter acesso, a medicina. Procuro rememorar isso na semana em que se comemora o Dia do Médico (18 de outubro). Em suas salas de aula enormes e recheadas de alunos ávidos, ali em Vila Isabel, assim como em seu hospital escola, recebi o conhecimento profissional que desempenhei até o início da década de 90, quando fui eleita para o Parlamento brasileiro.

Mudei meu jeito de ver a vida e ampliei minha capacidade de enfrentar as adversidades, mas foi a mais de 3 mil quilômetros de distância do Rio, no calorão da Amazônia, participando do Projeto Rondon, que esbarrei na realidade nua e crua da saúde pública brasileira. Em Parintins, no interior, cuidávamos de famílias inteiras. Tratávamos tudo que era possível. Mas o mais simples, como verminoses, eram recidivadas pela falta de água potável. O rio era a fonte das crianças para matar a sede.

No início do atendimento dos pacientes como médica, no Rio, aprendi que ninguém pode ser tratado sem que sua vida, seu contexto social e suas emoções sejam consideradas. Presenciei muitos com uma simples dor de cabeça, alguns já com crise hipertensiva e outros pela falta de alimento. Como também pude assistir muitos voltarem para o hospital por falta de dinheiro para comprar um remédio.

O médico deve ser tecnicamente competente, ter amplo acesso à tecnologia, mas também um ser socialmente sensível, sempre conectado com o ambiente e o cotidiano do povo. No juramento de Hipócrates, que diversos colegas meus e milhares de profissionais repetiram por aí, diz: "Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência". É o lema que rege a medicina, essa arte tão nobre.

A realidade da década de 80 é diferente hoje. Após a redemocratização e longo período do regime militar, passando pela década de 90 de duro governo neoliberal, o cenário avançou. Muitas carências foram solucionadas, como programas criados e mantidos pelos governos Lula e Dilma, a exemplo da Farmácia Popular, o Mais Médicos, o Mais Especialidades e a luta por melhor financiamento e gestão do Sistema Único de Saúde.

Acredito, no entanto, que é preciso valorizar a carreira pública do médico para fortalecer toda a estrutura do SUS. Que o médico, seja na carreira ou em sua formação, precisa ter capacitação e remuneração adequados com sua prática, ampliando desta forma a cobertura da Atenção Básica, e da média e alta complexidades em todo o país. Isso deve ser defendido por todos nós, profissionais de saúde.

Cuidar das pessoas é o objetivo daqueles que escolheram esta profissão. Difícil e emocionante estrada de vida, onde a luta é pela vida. Seja ela de qual religião, nacionalidade, raça ou posição social for. O médico é cidadão do mundo e dos outros, e para compreender toda a complexidade da existência "é preciso se sujar de mundo" (Eduardo Passos e Virgínia Kastrup). Esta é a nossa arte.

* Médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB

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