terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Moro e Dallagnol pesam mais na Justiça que os 11 do STF



De Kennedy Alencar, em seu blog:

Parece que alguém esqueceu de avisar à ministra Cármen Lúcia que o Supremo Tribunal Federal se apequenou faz tempo. Durante encontro ontem em Brasília com jornalistas e empresários, ela disse que o tribunal correria esse risco caso viesse a rediscutir a prisão após condenação em segunda instância em função do caso do ex-presidente Lula.

O STF já se apequenou em outros episódios. Por exemplo, decidiu que medidas cautelares contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG), como prisão e afastamento do mandato, deveriam passar pelo crivo do Congresso.

A medida, impopular, foi acertada. Mas, logo depois, o mesmo STF decidiu que esse entendimento não valia para três deputados estaduais do PMDB presos no Rio de Janeiro. Ou seja, a corte julgou de acordo com o nome na capa do processo. Julgou casos iguais de forma diferente.

No caso de Aécio, havia um detalhe que agravava a situação. As provas, inclusive produzidas pelo senador na conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, eram bem mais consistentes do que as usadas pelo TRF-4 para confirmar a sentença do juiz Sergio Moro contra Lula no processo do apartamento no Guarujá.

Até hoje o Supremo não julgou um recurso final da defesa da ex-presidente Dilma Rousseff contra o impeachment, apesar de frequentemente levar ao exame do plenário assuntos que têm imediata e grave repercussão política. Difícil imaginar algo mais importante do que um impeachment.

O privilégio do auxílio-moradia se ampara numa liminar do ministro do STF Luiz Fux, que criou uma verdadeira farra no Judiciário com a sua decisão. O Supremo vem empurrando com a barriga uma decisão sobre essa liminar há cerca de quatro anos. Preferiu não mexer com a mordomia de juízes e procuradores.

Enfim, sobram exemplos de medidas diferentes adotadas pelo Supremo em situações similares, quiça exatamente iguais. Mais um exemplo: o mesmo STF impediu a posse de Lula na Casa Civil e confirmou a de Moreira Franco na Secretaria Geral.

Ora, o tribunal mostra dureza em relação a alguns. Ora, moderação no que se refere outros. Está difícil encontrar um paralelo histórico para um Supremo tão apequenado como o atual. Aliás, é duro lembrar quando foi que a atual composição da corte se agigantou. Sergio Moro e Deltan Dallagnol têm mais influência no Judiciário do que os 11 ministros do STF somados.
30/01/2018

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A trajetória de um Samurai

(Eduardo Suplicy, Senado Federal, 10/09/2013)

Nos últimos dias visitei um amigo querido. Não apenas meu, mas de muita gente. Gente que se fez na luta pela restauração das liberdades no Brasil. Fui ao encontro de Luiz Gushiken no Hospital Sírio Libanês e testemunhei o que o poder de uma coragem indomável e de uma fé inquebrantável é capaz de fazer.

Vi Gushiken travando mais uma longa batalha pela vida. E com aquele mesmo espírito sereno, desarmado, melhor, armado como sempre de seus nobres predicados éticos, morais, espirituais.

Senti que aqueles preciosos momentos não deveriam ficar trancafiados apenas no quadro de minha memória. Senti que deveria compartilhar. E, por isso venho a esta tribuna.

Não por acaso, a tribuna foi um dos mais formidáveis instrumentos usados por Gushiken em suas muitas lutas, ora por democracia, ora por justiça social, ora por melhores salários para os trabalhadores. Tribuna, no caso do Gushiken, tanto poderia ser um prosaico caixote na frente de agências bancárias lutando por direitos políticos, econômicos e sociais, quanto poderia ser a tribuna da Câmara dos Deputados ou a quadra do Sindicato dos Bancários.

Desejo traçar em breves pinceladas o painel humano desse filho de imigrantes japoneses. Quem sabe, com esses pálidos contornos, possa alcançar meu objetivo neste momento: homenagear quem, antes de ser engrandecido pelos cargos que ocupou, engrandece o tempo em que vive.

Luiz Gushiken nasceu em 1950, na pequena cidade de , interior de São Paulo. Era o primeiro de uma família de sete filhos. Seu lar era uma construção muito simples e muito pobre, feita de ripas entrelaçadas ao barro. Certamente, símbolo ainda de muitas humildes casas nesse nosso Brasil profundo.

Ainda rapazote, contando apenas 12 anos, imberbe, começa a trabalhar como ajudante em uma pequena fabrica local. E desse suor juvenil, provinha parte da renda familiar necessária a ajudar a criação dos irmãos mais novos. Eram tempos difíceis. Tempos em que o Brasil era o país eternamente localizado no futuro, um Brasil arcaico, rural e gigantesco tanto em suas riquezas quanto em suas mazelas.

Em 1968, Gushiken muda-se para São Paulo. Segue a tradição de sua geração: despede-se da cidade do interior para estudar e trabalhar no grande centro urbano. Logo inicia os estudos de administração na Fundação Getúlio Vargas pela manhã e à noite, Filosofia na USP.

Ainda com 19 anos, presta concurso público e passa a integrar os quadros do Banespa. Em pouco tempo de banco, já mergulhado na lide sindical, passa a integrar a diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Tem início um tempo de luta hercúlea.

Ainda na década de 70 trava a primeira luta pela saúde ao retirar um testículo cancerígeno, sendo submetido a um pesado tratamento radioterápico.

Os anos 1980 farão de Gushiken um personagem emblemático. Ele está na vanguarda de todas as lutas pelas quais valem a pena dedicar a vida: muito atuante nas principais atividades sindicais do País, é um dos fundadores e construtores do PT e da CUT.

Aos 35 anos, em 1985, Luiz torna-se presidente do Sindicato dos Bancários de SP e comanda a primeira grande greve nacional dos bancários.

Elege-se Deputado Federal em 1986 e passa integrar a tão sonhada Assembléia Nacional Constituinte, aquela que irá outorgar ao Brasil a sua Constituição Cidadã.

Em 1989, já presidente do PT Nacional, passa a ser o coordenador da campanha presidencial de Lula e no ano seguinte, em 1990, é reeleito Deputado Federal.

Estudioso das religiões, Gushiken se destaca por seu estilo “zen” e pela incansável busca do sentido da vida. Em 29 de maio de 1992, ele principiou assim seu discurso sobre a Fé Bahá´í na Câmara dos Deputados:

“Há muitos anos, sr. presidente, venho dedicando-me ao estudo das religiões, motivos por interesse intelectual e também espiritual. Conhecer um Baghavad-Gita, o Velho e o Novo Testamento, bem como o Alcorão e os vários textos búdicos, tem fortalecido em mim a convicção de que os impulsos provocados por estas revelações, ditas sagradas, constituem as raízes mais fortes dos processos verdadeiramente civilizatórios da humanidade.

E eis, senhor presidente, que deparo, perplexo, com a mais colossal obra religiosa escrita pela pena de um só homem, elaborada em condições inimagináveis, e capaz de concentrar em um só tempo vigor estilístico, autoridade majestática, força moral incomparável, generosidade abundante, admoestação severa, beleza artística e tom profético. Bahá’u’lláh, senhor presidente, é o nome do autor desta obra!”

Gushiken já naquele tempo ele pregava a necessidade de uma governança supranacional através de uma federação democrática mundial como forma de soluções globais, alegando que as instituições política concebidas no plano das unidades nacionais não acompanhariam os problemas atuais. Naquele momento a globalização era uma força bárbara e uma incógnita ainda a se desenhar. Entretanto, nos dias atuais, este instrumento se faz completamente necessário.

Sobre as lições ensinadas por seu pai, o imigrante okinawano, Gushiken guarda sólidas lições:

“A influencia de meu pai sobre meu caráter é total. Foi ele quem, através de sua rigidez moral e experiência de vida criou as bases para moldar os aspectos morais da minha personalidade. Meu pai prezava a honra e o nome da família como o maior valor. Sempre fez questão de frisar a importância do núcleo familiar e do apoio que recebeu de seus parentes em momentos difíceis de sua vida. Em vários momentos de penúria financeira, nunca permitiu que as preocupações contaminassem seus filhos. Sabia ocultar dignamente suas provações e dificuldades.”

Voltemos ao ano de 1994. Gushiken é reeleito para a Câmara dos Deputados. Este será seu último mandato parlamentar, quando desiste de uma nova eleição praticamente ganha em 1999.

Mesmo sendo um líder de sua geração e um parlamentar atuante, Gushiken conseguiu construir uma família pautada por valores morais elevados. Permitam-me compartilhar esse sentimento de seus queridos filhos Guilherme, Artur e Helena. Eles escreveram:

“Nosso pai nos ensinou que os grandes valores morais e éticos são as maiores riquezas que uma pessoa pode carregar. Estes, se consolidados não são destruídos por apegos materiais. A família, para ele, é como um punhado de pequenos gravetos; se separados, são facilmente quebrados; mas, unidos, não há força no mundo que faça com que eles se partam. Ah, como nos lembramos das inúmeras “reuniões dominicais familiares” onde, todo domingo pela manhã, tal como numa assembleia, deveríamos nos reunir, descrever a pauta da semana e as postulações de cada filho para que o assunto fosse discutido exaustivamente e, por fim, chegássemos a uma conclusão.”

Ou seja, a prática democrática de ouvir as demandas, de deliberar em grupo, não era praticada por Gushiken apenas nas assembleias sindicais ou nos corredores do Congresso. Não, ele as exercitava em casa, junto à esposa, junto aos filhos. Realmente, algo admirável. Vemos ser mínima a distância entre o discurso e a prática, a prática e o discurso.

Sofre um ataque cardíaco em 2001. É aberto, então, um novo campo de lutas. A luta pela saúde, a luta pela vida, ano a ano, mês a mês, e depois, dia a dia.

Em fevereiro de 2002, nova luta com a saúde: descobre novo câncer e faz a extração total do estomago. A cirurgia tem complicações e sofre uma septicemia, perdendo 20 kilos em 7 dias.

Em junho desse mesmo ano, porém, é coordenador-adjunto da vitoriosa campanha presidencial de Lula. Com efeito, Gushiken torna-se Ministro do Governo Lula em 2003 e, na condição, de Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação, lança a mais formidável campanha de resgate da autoestima jamais vista em um país. É a campanha: “O melhor do Brasil é o brasileiro”, “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Consegue a proeza de angariar apoio da classe empresarial, de suas instâncias econômicas, envolve a classe artística e dá vazão a esse sentimento há muito represado: ser brasileiro é ser feliz e é fonte de orgulho.

Em sua gestão à frente da SECOM, o guarda-chuva da comunicação oficial é tremendamente democratizado e centenas de veículos de comunicação, notadamente de cunho regional e mesmo local, sai de sua histórica invisibilidade.

É designado Ministro-Chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e pensa o Brasil até 2022.

Em 2005, durante as denúncias da crise do chamado “mensalão”, é acusado pela mídia de participar do suposto esquema. A mídia passa a acusá-lo semanalmente durante os seguintes 7 anos e veículos de imprensa sempre referem-se a ele como “condenado”. É um tempo de tristeza, amargura e muita dor. Seu nome é objeto de difamação reles, de calúnias baixas, nem sua esposa e seus três filhos são poupados.

Injustamente, Gushiken paga todo o preço. À vista. E à custa de sua saúde e à convivência com sua esposa Beth e seus filhos Guilherme, Artur e Helena. E pagou o preço integral, porque tinha a seu favor nada menos que a verdade. Sem mais, nem menos. A verdade.

Não se deixando intimidar, depõe à CPMI de maneira exemplar. O escritor Washington Araújo assim retrata o momento:

“Não foi nem apenas uma ou só duas vezes que, qual leão em posição de ataque, Gushiken exigiu de seus questionadores um mínimo de hombridade moral, decência e ética no trato da “res publica”.

Foi ali que vi Gushiken em um momento de fúria mitológica. Ele defendia não apenas sua honra, mas também a honra do presidente Lula. E não o fazia de forma emocional, com palavras vazias e prontas para gerar impacto midiático. Não! Ali Gushiken mostrava os materiais nobres com que era formado seu caráter como ser humano e seu patrimônio ético como homem público.”

Em 2008, Gushiken sofre novo princípio de infarto e realiza implante de 2 stents.

Em 2010, com a doença do câncer já em estado metastático, passa por nova cirurgia de 9 horas para retirada do baço, vesícula, raspagem do diafragma, parte do pâncreas e parte do intestino.

Em outubro de 2012, após 7 anos e 2 meses de incansáveis acusações públicas, é absolvido por unanimidade pelo STF de todas as acusações.

Descobre-se, entre outras evidencias jurídicas, que o Ministério Público negou acesso, durante o curso do processo, a documentos que atestavam sua inocência. Não há qualquer reparação pela mídia.

No voto que acompanha o ministro-relator Joaquim Barbosa e as alegações finais do MPF, o ministro-revisor Ricardo Lewandowski ressaltou que “o réu e sua família sofrem durante o processo penal e, se ele é inocente, o sofrimento é maior e indevido”. Ele finaliza o voto citando o poema Por Que Não, de José Saramago: “O tempo, ainda que os relógios queiram nos convencer do contrário, não é o mesmo para toda gente”.

Luiz Gushiken, acusado e julgado pela imprensa, é o cidadão inocente que tem sua honra pisoteada com requintes de crueldade por 3.285 dias.

Mesmo inocentado de forma cabal e irrefutável por nossa Corte Maior, Gushiken não receberá reparo algum.

No último mês de maio deste ano de 2013, passa por nova cirurgia, cirurgia de 8 horas. Procede-se à retirada de outras partes do intestino, consequência da luta contra o câncer, que ainda não acabou.

Enquanto lhes dirijo essas palavras, este querido amigo encontra-se pela enésima vez entre a vida e a morte.

Em um quarto de hospital, alternando momentos de lucidez com outros de letargia, Luiz Gushiken decidiu abraçar já o infinito. Numa tarde, se escutou essas suas palavras:

“De noite, ao adormecer, sigo para os infindáveis mundos de Deus… mas, pela manhã, acordo com barulho do hospital me trazendo de volta…”

Luiz Gushiken é a combinação do estóico – que não se deixa abater pela dor – com o hedonismo – que sabe sentir prazer em coisas mínimas. Um homem tão dedicado ao abstrato e ao espiritual e, ao mesmo tempo, tão objetivo e prático. Isso se completa e realmente o faz ser grande, talvez como aquela sabedoria bíblica de que existe hora para tudo; existe o tempo de chorar e o tempo de sorrir; o tempo de sonhar e o tempo de agir.

Lembro, por fim, a frase do poeta alemão Bertold Brecht que bem resume a trajetória do Samurai:

“Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Delator entrega Serra e mostra como ele mandava dinheiro da corrupção ao exterior

12/01/2018

O ex-diretor da Odebrecht, Luiz Eduardo Soares, disse em depoimento que ajudou a dar destino a R$ 4 milhões de reais do hoje senador José Serra, dinheiro vivo que o ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, escondia em casa.

O depoimento de Soares, dado no inquérito 4428, que corre no Supremo Tribunal Federal, coloca em dúvida a versão que circulou durante a campanha de 2010, quando José Serra enfrentou e foi derrotado por Dilma Rousseff.

Em debate na TV Bandeirantes, Dilma fez menção a Paulo Vieira, que segundo ela havia “fugido com R$ 4 milhões de sua [dele, Serra] campanha”.

Questionado sobre o personagem, até então desconhecido do grande público, Serra disse não conhecê-lo.

Num evento de campanha em Goiânia, afirmou: “Isso é pauta petista. Eu nunca ouvi falar”, para em seguida reforçar, sobre o suposto sumiço de dinheiro: “Nunca ouvi falar disso. Eles [da campanha de Dilma] falam isso para que vocês perguntem”

Foi então que Paulo Preto, entrevistado pela Folha, disparou: “Ele me conhece muito bem. Não se larga um líder ferido na estrada, a troco de nada. Não cometam esse erro”.

Serra, imediatamente, recuou.

No dia seguinte ao evento de Goiânia, já em Aparecida do Norte, disse: “Evidente que eu sabia do trabalho do Paulo Souza, que é considerado uma pessoa muito competente”.

Numa entrevista ao Jornal Nacional, defendeu a contratação da filha de Paulo Preto pelo governo paulista: “Essa menina foi contratada, não por mim, para trabalhar no cerimonial. Ela tinha currículo, sabe dois idiomas, sempre trabalhou corretamente. Só fui saber muito tempo depois que era filha de um diretor. E não é um cargo que tome decisões, como no caso dos filhos da Erenice [Guerra, ministra de Dilma]”.

A jornalista Tatiana Arana Souza Cremonini, filha do diretor da Dersa, foi contratada como assistente técnica de gabinete. O decreto foi assinado pelo governador José Serra em 29 de janeiro de 2007. O salário era de R$ 4.595, com gratificações.

Tatiana era casada com Fernando Cremonini, que em sociedade com a mãe de Paulo Preto, Maria Orminda Vieira de Souza, controlava a empresa Peso Positivo, sub-contratada pelo consórcio Andrade Gutierrez/Queiroz Galvão para obras do Rodoanel.

Outra filha de Paulo Preto, a advogada Priscila Arana, também foi envolvida em controvérsia.

“Paulo Preto contratou a própria filha para defender a Dersa, ao mesmo tempo que advogava para as construtoras. É um aberração, já que era o engenheiro que liberava o dinheiro para as empresas clientes da filha e do governo”, denunciou na época o deputado federal José Mentor (PT-SP).

Para Serra, encerrar o assunto era do interesse de sua campanha.

O ARROGANTE SUPER-HOMEM

A importância de Paulo Preto nos bastidores era óbvia.

Tanto que, num e-mail endereçado a Serra e ao então secretário de Transportes, Mauro Arce, o vice-governador Alberto Goldman reclamou da arrogância de Paulo Preto, no contexto de um desabamento que aconteceu no Rodoanel, em 2009: “Parece que ninguém consegue controlá-lo. Julga-se o Super-Homem”.

Paulo Preto foi exonerado do cargo assim que Goldman assumiu o poder, quando Serra deixou o Palácio dos Bandeirantes para disputar o Planalto.

Ele comandou as principais obras dos tucanos em São Paulo: o trecho Sul do Rodoanel, a ampliação da marginal do Tietê, a construção do Complexo Viário Jacu-Pessego e de trecho da rodovia Carvalho Pinto.

Na campanha de 2010, foi a revista IstoÉ quem forneceu munição a Dilma Rousseff, noticiando o desvio de cerca R$ 4 milhões de dinheiro do PSDB, supostamente arrecadado “por fora” por Paulo Preto junto a empreiteiras.

A informação ganhou ares de veracidade, pois vinha acompanhada de uma declaração do tesoureiro-adjunto e ex-secretário-geral do PSDB, Evandro Losacco, que confirmou que Paulo Preto tinha poder suficiente para arrancar dinheiro de doadores: “Todo mundo já sabia disso há muito tempo. Essa arrecadação foi puramente pessoal, mas só faz isso quem tem poder de interferir em alguma coisa. Poder infelizmente ele tinha.”

Em abril do ano passado, a imprensa noticiou a delação de Luiz Eduardo Soares sem que a íntegra do vídeo que reproduzimos acima ganhasse toda uma edição do Jornal Nacional, como merecia.

No dia 17 de abril, o Jornal Nacional dedicou 6 minutos e 18 segundos às acusações contra Serra, mas não reproduziu o trecho em que o delator menciona as malas de dinheiro na casa de Paulo Preto.

É uma omissão surpreendente, já que malas de dinheiro vivo costumam chamar a atenção de repórteres e editores.

Na mesma edição, o JN dedicou 5’39” a supostas tentativas da Odebrecht de evitar o avanço da Lava Jato no governo Dilma, durante as quais a presidenta teria sido informada sobre doações por fora para o PT.

No trecho do vídeo que a Globo utilizou, Luiz Eduardo Soares conta que a contabilidade paralela da Odebrecht registrava os pagamentos a José Serra em nome de “Vizinho”, o codinome do ex-governador paulista, escolhido porque Serra foi vizinho de Pedro Novis, ex-presidente da empreiteira (cujo depoimento também foi utilizado pelo JN).

Luiz Soares descreve detalhadamente os pagamentos feitos a Serra, através de contas de empresas controladas pelo lobista José Amaro Pinto Ramos, amigo de José Serra, fora do Brasil.

Amaro Ramos atuou como lobista da Alstom, grande fornecedora de governos tucanos paulistas. Na Suiça, chegou a ser acusado de lavagem de dinheiro e corrupção de funcionários estrangeiros.

Em 21 de fevereiro de 2011, autoridades suiças encaminharam um dossiê sobre o caso ao Ministério Público Federal de São Paulo, com pedido de oitiva de Amaro Ramos.

Mas o dossiê ficou dormente dois anos e oito meses em alguma gaveta ou escaninho do MPF-SP, levando o caso a ser arquivado na Suiça — e a nunca ser apurado no Brasil.

PROVAS DOCUMENTAIS E ENCONTRO COM PAULO PRETO

Agora, Luiz Soares, o ex-diretor da Odebrecht, apresentou comprovantes das transferências eletrônicas que fez a Amaro Ramos, o amigo de Serra, além de uma planilha (ver abaixo) com os pagamentos relativos ao período de 2006 a 2009, totalizando o equivalente a mais de R$ 10 milhões, sempre em nome do “Vizinho”.

Seriam propinas relativas às obras do Rodoanel, linha 2 do Metrô e rodovia Carvalho Pinto.

A partir dos 8 minutos e 40 segundos do vídeo acima, trecho omitido pelo Jornal Nacional, Luiz Soares narra uma reunião que teve com Paulo Preto em 2010.

O objetivo era tirar das mãos do diretor da Dersa R$ 4 milhões que ele mantinha em casa, em malas.

O encontro foi na sede da Dersa, em São Paulo.

“Eu entendi que esse dinheiro não era dele e nós estavamos fazendo uma ajuda para alguém reaver o seu dinheiro e colocar num lugar mais seguro”, disse Soares.

O dinheiro foi retirado da casa de Paulo Preto pelo doleiro Álvaro José Galliez Novis, da Hoya Corretora de Valores e Câmbio.

Mais tarde, a Odebrecht depositou U$ 2 milhões numa conta da Suiça em nome de Jonas Barcellos, da Brasif, o que seria a contrapartida pelos R$ 4 milhões retirados em dinheiro da casa de Paulo Preto.

O que a Brasif fez com o dinheiro? Repassou a Serra? Ficou com o dinheiro por “serviços” anteriormente prestados? Pagou cala boca a alguém?

Isso ainda não foi esclarecido.

BRASIF, MIRIAM E FHC

Jonas Barcellos, da Brasif, é o mesmo homem que, em dezembro de 2002, fechou um contrato falso com a jornalista Miriam Dutra, permitindo a ela ganhar sem trabalhar no Exterior até 2006.

Foi mais uma etapa na compra do silêncio da ex-amante de FHC, que vinha desde os anos 90.

Dutra, repórter da TV Globo, foi para a Europa ao se ver grávida depois do affair extraconjugal com o então senador Fernando Henrique Cardoso que poderia, se exposto, retirá-lo da disputa pelo Planalto.

Segundo fontes de Brasília, José Serra teve participação no arranjo.

Em 1997, depois de desistir de retornar ao Brasil, “convencida” por políticos que pretendiam ver FHC reeleito, Miriam comprou um apartamento em Barcelona que precisava de reformas.

Segunda ela contou ao repórter Joaquim de Carvalho, em 2016, quem tratou da reforma foram José Serra e o ex-sócio dele, Gregório Marin Preciado, que é casado com uma prima de Serra.

Uma terceira pessoa com participação no esquema, definida por ela como “operador deles”, Miriam preferiu não identificar.

A essa altura, já se sabia que o filho de Dutra que FHC ajudou a manter fora do Brasil não era dele.

A irmã de Miriam, Margrit Dutra Schmidt, foi funcionária fantasma do gabinete de Serra no Senado.

PAULO PRETO ARRECADOU PARA SI OU PARA SERRA?

A gravação de Luiz Eduardo Soares, contextualizada, abre as portas para especulações interessantes: Paulo Preto arrecadou dinheiro para si junto a empreiteiras ou seu papel de “líder” incluía a tarefa de arrecadar em nome das campanhas do PSDB para em seguida desviar dinheiro para uso pessoal de José Serra no Exterior?

Vazamento recente da delação completa de Pedro Novis, o “vizinho” de José Serra, sugere que o atual senador do PSDB recebeu da Odebrecht mais de R$ 50 milhões entre 2002 e 2012, inclusive “milhões em espécie”.

O doleiro Adir Assad, que também fechou acordo de delação premiada, assumiu que montou um esquema através do qual as empreiteiras pagavam por serviços fictícios a empresas de fachada montadas por ele, que depois de descontar um “pedágio” devolviam o dinheiro.

As empreiteiras, então, usavam o dinheiro devidamente lavado para o pagamento de propinas.

Assad disse a investigadores que ouviu de Paulo Preto que o diretor da Dersa operava em nome de José Serra e do senador Aloysio Nunes Ferreira.

Foi Aloysio Nunes quem levou Paulo Preto a seu primeiro cargo em governos tucanos, como assessor especial da Presidência no segundo mandato de FHC (1998-2002).

A proximidade entre os dois foi escancarada quando se revelou que, em 2007, Paulo Preto emprestou 300 mil reais a Aloysio para que o então ex-deputado federal comprasse um apartamento no Higienópolis, bairro nobre de São Paulo.

Do total, 250 mil vieram da filha advogada de Paulo Preto, Priscila — ela mesma, a que trabalhou para empreiteiras enquanto elas construiam o Rodoanel sob o comando… do pai.

Aloysio diz que pagou tudo de volta, mas sem juros.

Segundo nota publicada na Folha de S. Paulo, Adir Assad chegou a dizer a investigadores que Paulo Preto mantinha um quarto de seu apartamento apenas para guardar dinheiro, à la preposto do ex-ministro Geddel Vieira Lima, em Salvador.

Adir Assad disse ter repassado R$ 100 milhões a Paulo Preto durante o governo Serra (2007-2010).

SILÊNCIO ENSURDECEDOR

Miriam Dutra abriu o bico em entrevistas, denunciando FHC. Prometia contar tudo.

Chegou a chamar o ex-presidente de velhaco, como relatou Joaquim de Carvalho, depois que um agente da Polícia Federal conseguiu ligar para marcar um depoimento dela, na Espanha:

Com certeza, foi aquele velhaco que deu o telefone do Tomás para a polícia, para que ele informasse o meu número. É assim que ele age. Ele tem meu número, mas prefere não se comprometer e pede que outros façam o serviço por ele. Envolve o meu filho nesses assuntos, e isso é difícil de perdoar. Velhaco!

De repente, numa viagem ao Brasil, Miriam atenuou seu discurso, mentiu numa entrevista televisiva e… se calou.

Paulo Preto, por sua vez, mandou o recado do “líder” caído na estrada e… desde então mantém o silêncio.

No final do ano passado, um advogado negou especulações de que o ex-diretor da Dersa faria acordo de delação.

“Esquecido” uma vez num escaninho do MPF, o que lhe garantiu impunidade, José Amaro Pinto Ramos não tem motivos para acreditar que agora será diferente.

José Serra e Aloysio Nunes negam todas as acusações.

FHC, como nunca deixou de fazer, pontifica sobre o futuro da Nação em generosos espaços da mídia.

Serra é senador da República e possível candidato a cargo majoritário em 2018.

Aloysio Nunes é ministro das Relações Exteriores.

Não há nada, absolutamente nada como ser tucano paulista no Brasil.

(…)

Jornalista diz que nem economizando todo salário, Bolsonaro teria esse patrimônio


Por: Reinaldo Azevedo

Publicada: 12/01/2018 - 8:33

Do ponto de vista político, a “Família Bolsonaro” só não é uma piada pronta porque ainda está em construção — embora a coisa já seja antiga. Ficou feio para a turma. A Folha fez um levantamento objetivo, sem juízo de valor, sobre o patrimônio dos valentes, que têm apenas uma atividade conhecida: a política. Do ponto de vista pessoal, os Bolsonaros não podem reclamar do Brasil… Integram a diminuta categoria dos multimilionários. Seu patrimônio em imóveis, em valores de mercado, chega a R$ 15 milhões. Veículos motorizados, para ser genérico, somam mais R$ 1,7 milhão, totalizando, então, R$ 16,7 milhões.

Tive a pachorra de fazer uma conta, que serve apenas como ilustração: se Jair e seus três filhos políticos — Flávio, Eduardo e Carlos — tivessem guardado CEM POR CENTO DO SALÁRIO LÍQUIDO RECEBIDO COM A ATIVIDADE POLÍTICA, TERIAM CONSEGUIDO JUNTAR POUCO MAIS DE…R$ 15 milhões! Vale dizer: menos do que seu patrimônio — já explico a conta e os critérios. Pergunta-se: quem consegue guardar a totalidade do que ganha?

“Ah, não trapaceie, Reinaldo, eles não têm R$ 15 milhões no banco, mas em patrimônio, sujeito a variações de mercado, como valorização e coisa e tal…” Eu sei. O que quero demonstrar é que os vencimentos do quarteto não justificam seu milagre imobiliário. Outra explicação há de haver.

Em abril do ano passado, o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) fizeram um levantamento e concluíram que, no mês anterior, só 15% dos consumidores guardaram parte do salário!!! Nada menos de 46% gastaram tudo o que receberam, e 32% viram sair mais dinheiro do que entrar: ficaram no vermelho.

Poupar não é um hábito nacional — a não ser, claro!, na família Bolsonaro. Estudo do economista José Roberto Afonso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), com base em dados coletados pelo Banco Mundial, aponta que, no Brasil, só 4,7% dos 60% mais ricos — camada em que se encontram Jair e seus filhos — guardam dinheiro. E, entre os 40% mais pobres, a participação cai a menos da metade: 2,1%.

Mais dados para provar que estamos diante do Milagre Bolsonaro da Multiplicação de Patrimônio? Pois não! Em 2014, a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida quis saber a percentagem de poupança naquela parcela diminuta da população que consegue guardar algum dinheiro. Atenção! 52% dos gatos pingados que conseguem reter uma graninha guardam até 10% do que recebem; outros 26%, entre 10% e 20%. O topo da poupança é de 40%: apenas 2% (ENTRE OS QUE POUPAM: 0,3%, pois) alcançam tal proeza.

Tão logo a Folha publicou as informações — e não as opiniões — sobre o patrimônio da Família Bolsonaro, sua turma na Internet se saiu com as grosserias de hábito. O jornal passou a ser chamado de “Foice de São Paulo” — porque seria comunista… Deus do Céu! Gritavam seus sectários: “Por que não fazer tal levantamento sobre outros presidenciáveis?” Não vejo por que o jornal não possa fazê-lo. Pergunto: eventual patrimônio inexplicável de adversários do deputado deve ser tomado como justificativa para o injustificável?

A conta
Os números a seguir, reitero, apenas ilustram o que não tem explicação. Quando entrou na política, Bolsonaro era um homem pobre. É deputado federal desde 1989. Só para facilitar o cálculo — e isso também dá a medida do absurdo! —, vou fazer de conta que ele recebeu, mensalmente, ao longo de 28 anos, R$ 25.010,69 (ganho líquido de hoje). Seus 336 salários teriam somado, pois, R$ 8.403.591,84. Eduardo está na Câmara desde 2015. Foram 36 salários, totalizando R$ 900.384,84. Carlos Bolsonaro é vereador na cidade do Rio faz tempo: desde 2000, o que totaliza 204 vencimentos, com valor líquido de R$14.266,40. No total, R$ 2.910.354,60. E ainda há Flávio, o deputado estadual (RJ), no posto desde 2003. Em 14 anos, foram 168 vencimentos líquidos de R$ 18.786,88: ou seja, R$ 3.156.195,84.

Tudo somado, chega-se a R$ 15.370.527,12, um valor inferior ao patrimônio de R$ 16,7 milhões!

Notem que tomo todos os salários a valor presente. Notem que, nessa hipótese, os Bolsonaros não moram, não comem, não vestem, não usam papel higiênico (alimentam-se de luz!). Notem que se trata de uma ordem de grandeza que apenas dá materialidade à espantosa evolução patrimonial do quarteto. Digamos que eles fizessem parte daqueles 2% dos 15% — ou 0,3%!!! — que conseguem guardar 40% do que recebem: estaríamos falando de R$ 6.148.210,84, não de mais de R$ 16 milhões. E se forem como os 52% dos 15% (7,8%) que conseguem poupar apenas 10% do que recebem? Bem, nesse caso, teriam guardado R$ 1.537.052,71. Convenham: o valor está um tantinho abaixo dos R$ 16,7 milhões, não é mesmo?

Violência retórica e falta de explicação
Bolsonaro concedeu uma entrevista à Folha, com a delicadeza habitual. Desqualifica o jornal e os jornalistas (farei um post a respeito).

O político que, segundo seus acólitos, desafia o “statu quo” acha ofensivo que alguém pergunte como conseguiu amealhar patrimônio tão vistoso.

Na condição de homem público, acha que não tem de dar explicações. E prefere o lucrativo — até agora ao menos — caminho da ofensa.

Como eles conseguiram um patrimônio de R$ 16,7 milhões? Não sei! Vai acima uma conta que serve de ilustração do espanto.

Para encerrar este post: ao longo de todos esses anos, quais foram mesmo as respectivas contribuições de Jair, Eduardo, Flávio e Carlos? A Família Bolsonaro se mostrou um prodígio em benefício da… Família Bolsonaro!

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Moro absolveu mulher de Cunha com mesmo argumento que usou para condenar Lula


O juiz de primeira instância Sérgio Moro absolveu Cláudia Cruz, mulher do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, porque diz que não ficou provado, não foi possível rastrear na conta que ela tinha na Suíça recursos oriundos da Petrobrás. Apesar de Moro admitir em embargos de declaração que não houve recursos da Petrobrás na reforma do tríplex no Guarujá, que ele também admite não ser propriedade de Lula, o juiz não só condenou o presidente como negou os pedidos de sua defesa de que fosse feito o rastreamento dos recursos usados na construção e reforma do imóvel do Guarujá, para que fosse analisado se tinham qualquer origem ilícita.

Ou seja: Moro absolveu a mulher de Cunha por uma conta ilegal com mais de 1 milhão de dólares que era comprovadamente dela na Suíça porque não conseguiu provar que esses recursos não explicados que ela tinha tenham vindo da Petrobrás. Mas condenou Lula por um apartamento que não é dele construído com recursos que sabidamente não vieram da Petrobrás.

Moro “não identificou dolo”na conduta de Cláudia Cruz, que comprou com os recursos da conta na Suíça alimentada por Eduardo Cunha produtos de luxo na Europa. Moro também não identificou na sua sentença nenhum ato de corrupção do ex-presidente Lula, mas mesmo assim o condenou por “atos indeterminados”.

O Ministério Público apelou da absolvição de Cláudia Cruz, pedindo sua condenação. Mas o processo de Lula passou na frente do dela na fila do TRF-4, o tribunal de apelação de segunda instância em Porto Alegre. A sentença de Cláudia Cruz saiu em maio de 2016, dois meses e meio antes da sentença de Lula, mas a do ex-presidente passou adiante do caso dela (com outros réus) na segunda instância. Não há previsão de quando será julgado pelos desembargadores de Porto Alegre para julgar o caso da esposa de Eduardo Cunha.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

VIVENDO O DIREITO

José Eduardo Martins Cardozo
Advogado, professor de Direito, ex-Ministro de Estado da Justiça e ex-Advogado-Geral da União, José Eduardo Martins Cardozo atuou como defensor da presidenta eleita no processo de impeachment, e vê semelhanças entre aquele julgamento e o julgamento de Lula, tese que desenvolve no artigo “Vivendo o Direito”, escrito para o livro “Comentários a uma sentença anunciada – o processo Lula”

Há muitos anos pensei em largar o estudo do direito. Corriam soltos os anos finais da década de 70. Vivíamos o período da ditadura militar, e eu jovem comecei a ver desmoronar um conjunto de crenças que haviam me motivado a ingressar na faculdade de direito. Na Constituição de 1967, estavam estabelecidos direitos que a realidade social e política negava de forma violenta. Na periferia da minha cidade, onde me engajei em um trabalho de atendimento jurídico voluntário da população carente, percebi que em relação aos mais pobres a isonomia não passava de um mito retoricamente ensinado nos nossos manuais. Como no mandamento expresso por Orwell, no seu Animal Farm, constatei que embora pela Constituição todos devam ser “iguais” perante a lei, na realidade da vida, alguns sempre eram considerados “mais iguais que os outros”.

A leitura de um texto que sustentava a tese de que era impossível ser jurista e contestador, desencadeou de vez a crise no jovem de quase vinte anos de idade. Vou ser um profissional que atua no mundo da farsa, da hipocrisia, do autoritarismo encoberto pela retórica? Vou ajudar na manutenção de um status quo que repudio, vendendo falsas ilusões de que pelo direito se faz justiça?

A angústia me fez devorar livros que pudessem me dar uma resposta definitiva sobre o que fazer da minha vida profissional. Provavelmente tenha sido aí que aprendi a gostar definitivamente de Filosofia do Direito, cadeira em que tive a oportunidade de lecionar anos depois na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E também foi a partir daí que decidi mergulhar de vez no mundo acadêmico e atuar profissionalmente na área do direito, como uma opção de fé e de vida. Percebi que um profissional do direito, se souber captar sem ingenuidade, dogmatismo, ou tecnicismo exacerbado, a dimensão histórica do fenômeno normativo, pode usar o direito para desmascarar a farsa jurídica, a injustiça, o autoritarismo, e ser uma importante linha auxiliar na construção da utopia em que acredita. Percebi que um advogado pode e deve falar alto quando o julgador não quer ouvi-lo, sem transgredir as regras processuais, para que a sociedade ouça, fora da sala de audiência, a injustiça ou o arbítrio que se comete. Percebi, finalmente, que é possível ser um operador do direito, e utilizar o próprio direito para colocar em cheque o status quo e as relações de poder existentes em uma sociedade injusta, arbitrária, intolerante e excludente.

Foi nos livros e na experiência cotidiana que aprendi também que o direito e o poder são realidades indissociáveis. Não existe direito sem um poder que o garanta, do mesmo modo que não existe poder duradouro sem um direito que de alguma forma o legitime. Também aprendi que tanto o cientista, como o operador do direito, jamais serão neutros. Seres humanos nunca são neutros. Pensam e agem, nas suas vidas cotidianas e no seu exercício profissional, de acordo com as suas paixões, sua psique, sua visão de mundo, suas concepções políticas, e a própria visão ideológica que envolve seu pensar. E por mais que alguns não queiram assumir essa condição amesquinhada e falível, por se julgarem habitantes do Olimpo, operadores do direito serão sempre seres humanos. A menos que algum dia, em uma sociedade autoritária, robôs os substituam.

Foi também nesse período que aprendi que embora não sendo neutros, juízes não podem ser parciais. “Neutralidade” e “parcialidade” são coisas distintas. O ser “neutro” equivale a ter uma forma de pensar asséptica do ponto de vista axiológico, o que é incompatível com a mente humana. O ser “parcial” é assumir um lado, uma bandeira. É ter uma posição estruturada e definida no campo em que se trava uma disputa.

Um advogado, por exemplo, será sempre “parcial”. A ele caberá assumir a defesa de uma parte em um conflito de interesses. Ele sempre terá “lado”. Naturalmente, a sua forma de ser, de ver o mundo, a sua não-neutralidade”, enfim, marcará a forma pela qual ele parcialmente defenderá os interesses da parte que representa. Já um juiz, embora não seja neutro, jamais poderá ser “parcial”. Ele não exerce a sua função em apoio a uma parte, para condenar ou absolver. Ele não deve buscar, com as suas decisões, os aplausos da multidão, ou a consagração pelos meios de comunicação. Com a sua “não-neutralidade” cognoscitiva, ele tem o dever funcional de examinar a realidade objetiva para “dizer o direito”, não de acordo com o que quer ou com o que o senso comum deseja, mas aplicando objetivamente aquilo que os representantes eleitos pelo povo aprovaram. É assim que deve ser nos Estados Democráticos de Direito.

É claro que um juiz mais humanista tenderá a valorar, com tintas mais fortes, os direitos e as garantias dadas pela ordem jurídica. É evidente que um juiz de matizes ditatoriais e autoritárias pensará o direito sem tantas “garantias” e “direitos subjetivos” outorgados aos cidadãos. Isso é próprio dos seres humanos. O que não é próprio, todavia, de um juiz, é a imposição da sua concepção, com a negação de fatos e normas, como se a lei nada dissesse, e só a sua verdade pessoal devesse prevalecer. Interpretar valorativamente é próprio de quem não é neutro, por ser humano. Construir fatos e juízos de “dever ser” para além do que diz a lei, criando realidades que nenhuma interpretação valorativa justifica, é próprio de quem é arbitrário e abusa do seu poder.

Com esse aprendizado, me tornei advogado, professor e atuei na vida pública. Imaginei que com a Constituição de 1988, nosso país tinha atingido um outro patamar civilizatório. Embora a realidade precisasse sair do papel, imaginei que passaríamos a viver em um autêntico Estado Democrático de Direito, sem mais incorrer em retrocessos.

Por isso, talvez ainda por uma certa dose de ingenuidade histórica e política, me surpreendi com o impeachment de Dilma Rousseff e agora com a sentença condenatória do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No impeachment, vi um golpe de Estado, construído sem armas ou baionetas caladas, mas com uma retórica jurídica ridícula que uniu os neoliberais derrotados na eleição de 2014, aos que desejavam a qualquer preço a transgressão das leis e a violação de princípios jurídicos e éticos para evitar a “sangria da classe política brasileira”. No julgamento de Lula vi uma sentença condenatória dura, fundada em provas inexistentes, e ainda em uma retórica que procura encobrir o fato de que quem deveria julgar com imparcialidade, atuou como acusador. Uma sentença, enfim, em que as “convicções” substituíram as “provas”.

O impeachment de Dilma Rousseff e a sentença condenatória do ex-Presidente Lula tem, de fato, muita coisa em comum. Em ambos os processos, os julgadores ficaram surdos e já sabiam de antemão que iriam condenar, independentemente das provas que fossem produzidas. Em ambos os processos, os aplausos do senso comum, a intolerância ideológica incentivada por setores expressivos da mídia conservadora ou paga por conservadores, e o desapego a direitos consagrados na Constituição e nas leis foram uma realidade. Em ambos os processos, enfim, se vê a mão cinza e tortuosa de um Estado de Exceção lapidado por punhos de renda.

Muitas vezes, como advogado de Dilma Rousseff, no processo de impeachment, com a cabeça no travesseiro, voltei à mesma indagação que me fazia aos 20 anos. Agi certo ao escolher essa profissão e essa área acadêmica de estudos, onde reina a hipocrisia e a canonização de arbitrários que fazem da prepotência a sua virtude? O mesmo volto a pensar agora, ao ler a sentença condenatória do ex-Presidente Lula, no caso do apartamento “tríplex”.

É fato que desde a minha juventude Luiz Inácio Lula da Silva é um mito. Um mito que construiu um partido ao qual aderi desde a fundação, e que se revestiu da condição de ser o primeiro Presidente da República que encarnou, no exercício do poder, o respeito à democracia, a transformação social e o combate à exclusão social, como um ponto de partida e de chegada. Por isso, reconheço, não sou neutro em relação a ele e à sua história. Mas essa ausência de neutralidade não me distorce a visão, a ponto de fantasiar a realidade, ou de construir visões falsas sobre o que não existe. A sentença que o condenou é objetivamente infundada, e juridicamente construída com um evidente animus condenatório. Não existem provas suficientes para que um decisum condenatório seja afirmado nesse processo, apresentando-se a sentença desajustada à própria denúncia oferecida pelo Ministério Público. Os argumentos retóricos e infundados buscam dar uma aparência de “legitimidade” a uma condenação absolutamente arbitrária.

Mesmo uma pessoa que odeie o ex-Presidente Lula, e o execre com todas as forças da sua alma, poderá perceber isso se conseguir afastar do seu cérebro a paixão que turva a razão e adotar o bom-senso como parâmetro de reflexão.

Mais uma vez retorno à pergunta dos meus 20 anos, e chego, novamente, à mesma resposta. No momento em que vive hoje o Brasil, há um importante papel a ser cumprido, na defesa da democracia e do Estado de Direito. É indispensável que nós advogados, membros do Ministério Público, magistrados, defensores públicos, delegados de polícia, operadores do direito em geral, mostremos o nosso compromisso com a verdade e com a justiça, lutando por ele. Não se pode admitir que uma ex-Presidente da República seja afastada do seu cargo, pela acusação de crimes de responsabilidade inexistentes e invocados como pretextos retóricos para a consumação de um golpe de Estado. Não se pode admitir que um cidadão, ex-Presidente da República ou não, seja condenado sem provas, independentemente da razão que motiva o julgador, ou das suas “crenças” e “convicções”. É nosso papel desmascarar, com coragem e ousadia, os falsos argumentos jurídicos que recobrem intenções “não- jurídicas” descompassadas com os valores consagrados na nossa Constituição e que representam o nosso atual estágio de evolução humana e civilizatória. É nosso papel denunciar que, nas condenações criminais, convicções, paixões ou intenções, jamais poderão substituir o papel das provas.

Por isso, mais de 30 anos depois das dúvidas e da angústia que me assaltaram nos bancos universitários, olho para o passado, para o presente e para o futuro, e digo que não me arrependo da opção que fiz. Há muito ainda a fazer. Continuemos gritando forte, para que nossos gritos pelo Estado de Direito e pela justiça sejam ouvidos fora da sala de audiência, sempre que um julgador, parlamentar ou juiz, não queira nos ouvir. Continuemos a construir, com garra e perseverança, a nossa utopia.