terça-feira, 16 de julho de 2013

UMA MENSAGEM AOS JOVENS

LULA NO NY TIMES

São Paulo – 

Os jovens, dedos rápidos nos celulares, tomaram as ruas ao redor do mundo. 

Seria mais fácil explicar esses protestos quando ocorrem em países não-democráticos, como no Egito e na Tunísia em 2011, ou em países onde a crise econômica aumentou o número de jovens e trabalhadores desempregados a níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, do que quando surgem em países com governos democráticos populares – como o Brasil, onde nos beneficiamos atualmente de uma das mais baixas taxas de desemprego de nossa História e uma expansão sem paralelo dos direitos econômicos e sociais.

Muitos analistas atribuem os protestos recentes a uma rejeição da política. Eu acho que é precisamente o oposto: eles apontam no sentido de ampliar o alcance da democracia e incentivar as pessoas a tomar parte mais plenamente (da democracia).

Eu só posso falar com autoridade sobre o meu país, Brasil, onde eu acho que as manifestações são em grande parte o resultado de sucessos sociais, econômicos e políticos. Na última década, o Brasil duplicou o número de estudantes universitários, muitos vindos de famílias pobres. Nós reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. Estas são conquistas importantes; no entanto, é perfeitamente natural que os jovens, especialmente aqueles que obtiveram o que seus pais nunca tiveram, desejem mais.

Esses jovens não viveram a repressão da ditadura militar de 1960 e 1970. Eles não viveram a inflação da década de 1980, quando a primeira coisa que fazíamos quando recebíamos o nosso contracheques era correr para o supermercado e comprar o que fosse possível, antes que os preços subissem novamente no dia seguinte. Eles se lembram muito pouco da década de 1990, quando estagnação e o desemprego deprimiam nosso país. Eles querem mais.

É compreensível que seja assim. Eles querem serviços públicos de melhor qualidade. Milhões de brasileiros, incluindo os da classe média emergente, compraram seu primeiro carro e começaram a viajar de avião. Agora, o transporte público tem que ser eficiente, para tornar a vida nas grandes cidades menos difícil.

As preocupações dos jovens não são apenas materiais. Eles querem mais acesso ao lazer e a atividades culturais. Acima de tudo, eles exigem instituições políticas mais limpas e mais transparentes, sem as distorções do sistema político e eleitoral anacrônico do Brasil, que, recentemente, se mostraram incapazes de se reformar. Não se pode negar a legitimidade dessas demandas, mesmo que seja impossível alcançá-las rapidamente. É necessário, primeiro, encontrar fundos, fixar objetivos e estabelecer prazos. 

Democracia não faz acordo com o silencio. Uma sociedade democrática está sempre em fluxo, a debater e definir prioridades e desafios, em constante busca de novas conquistas. Só numa democracia um índio poderia ser eleito presidente da Bolívia, um afro-americano ser eleito presidente dos Estados Unidos. Só numa democracia, pela primeira vez, um metalúrgico e, em seguida, uma mulher poderiam ser eleitos presidente do Brasil.

A História mostra que, quando os partidos políticos são silenciados e as soluções são impostas pela força, os resultados são desastrosos: guerras, ditaduras e a perseguição das minorias. Sem partidos políticos não pode haver nenhuma democracia verdadeira. Mas as pessoas não desejam simplesmente votar a cada quatro anos. Elas querem interação diária com os governos locais e nacionais, e participar da definição de políticas públicas, oferecer opiniões sobre as decisões que as afetam no dia a dia.

Em resumo, elas querem ser ouvidas. Isso é um enorme desafio para os líderes políticos. Isso requer melhores formas de participação, através dos meios de comunicação social, no local de trabalho e nas universidades, para reforçar a interação com trabalhadores e líderes comunitários, mas, também, com os chamados setores desorganizadas, cujos desejos e necessidades não devem ser menos respeitados porque não tem organização.

Diz-se, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas utilizassem as novas tecnologias de comunicação como instrumento de diálogo e não, apenas, para propaganda, elas passariam a respirar ar mais fresco. E com isso estariam mais em sintonia com toda a sociedade.

Mesmo o Partido dos Trabalhadores, que eu ajudei a fundar, e que tem contribuído para modernizar e democratizar a política no Brasil, precisa aprofundar a renovação. Precisa recuperar suas ligações diárias com os movimentos sociais e oferecer novas soluções para novos problemas, e fazer as duas coisas sem tratar os jovens paternalisticamente.

A boa notícia é que os jovens não são conformistas, apáticos ou indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que pensam odiar a política estão começando a participar. Quando eu tinha a idade deles, eu nunca imaginei que iria me tornar um militante político. No entanto, criamos um partido político quando descobrimos que o Congresso Nacional praticamente não tinha representantes da classe trabalhadora. Através da política conseguimos restaurar a democracia, consolidar a estabilidade econômica e criar milhões de empregos.

Claramente ainda há muito a fazer. É uma boa notícia que os nossos os jovens queiram lutar para que a mudança social siga em um ritmo mais intenso.

A outra boa notícia é que o presidenta Dilma Rousseff propôs um plebiscito para promover as reformas políticas tão necessárias. Ela também propôs um compromisso nacional para a Educação, a Saúde e o Transporte Público, em que o Governo Federal dará apoio financeiro e técnico substancial a Estados e Municípios.

Quando falo com jovens líderes no Brasil e em outros lugares eu gosto de dizer: mesmo se você perder a esperança em tudo e em todos, não dê as costas à Política. Participe! Se você não encontrar nos outros o político que você procura, você pode encontrá-lo ou encontrá-la em você mesmo.

Luis Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil e agora trabalha em iniciativas globais, no Instituto Lula.

(Tradução de Murilo Silva e Paulo Henrique Amorim)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

2008 - STF reafirma que ministro de Estado não responde por improbidade

29abril2008

TROCA DE LEI

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, arquivou duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra os ex-ministros da Fazenda Pedro Malan e do Planejamento, Orçamento e Gestão José Serra e da Casa Civil Pedro Parente, além de ex-presidentes e diretores do Banco Central.

As ações questionavam assistência financeira no valor de R$ 2,9 bilhões pelo Banco Central ao Banco Econômico S.A., em dezembro de 1994, assim como outros atos decorrentes da criação, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).

A decisão foi tomada por Gilmar Mendes no último dia 22 na Reclamação 2.186, em que os ex-ministros do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso apontavam a usurpação da competência do STF pelos dois juízos federais em Brasília, onde as ações foram ajuizadas.

A defesa dos ministros se fundamentou no artigo 102, inciso I, letra C, da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao STF processar e julgar, originariamente, os ministros de Estado, “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade”.

A primeira ação, ajuizada na 22ª Vara Federal de Brasília sob o número 95.00.20884-9, ainda não havia sido julgada. Nela, o MPF pedia a condenação dos ex-ministros ao ressarcimento ao erário das verbas alocadas para pagamento de correntistas de bancos que sofreram intervenção na gestão deles (Econômico e Bamerindus), bem como à perda dos direitos políticos.

Na segunda ação, protocolada sob o número 96.00.01079-0 — que envolvia, além de Malan e Serra, Pedro Parente relativamente a período em que foi ministro interino da Fazenda, assim como os ex-presidentes do Banco Central Gustavo Loyola, Francisco Lopes e Gustavo Franco, e ex-diretores do BC —, o juiz da 20ª Vara Federal do Distrito Federal julgou o pedido do MPF parcialmente procedente.

Ele condenou os ex-ministros a devolverem ao erário “verbas alocadas para o pagamento dos correntistas dos bancos sob intervenção”. Porém, não acolheu o pedido de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, bem como de pagamento de multa civil e de proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Para o juiz, não ficou provado “que os réus, por estes atos, acresceram os valores atacados, ou parte deles, a seus patrimônios”.

Ao determinar o arquivamento dos dois processos, o ministro Gilmar Mendes observou que, conforme decisão tomada pelo STF no julgamento da Reclamação 2.138, a Corte deixou claro que os atos de improbidade descritos na Lei 8.429/1992 (dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional) “constituem autênticos crimes de responsabilidade", contendo, “além de forte conteúdo penal, a feição de autêntico mecanismo de responsabilização política”.

Entretanto, segundo Gilmar Mendes, em se tratando de ministros de Estado, “é necessário enfatizar que os efeitos de tais sanções em muito ultrapassam o interesse individual dos ministros envolvidos”. Nesse sentido, ele chamou atenção para o valor da condenação imposta aos ex-ministros e ex-dirigentes do BC pelo juiz da 20ª Vara Federal do DF, de quase R$ 3 bilhões, salientando que este valor, “dividido entre os 10 réus, faz presumir condenação individual de quase R$ 300 milhões”. Segundo ele, “estes dados, por si mesmos, demonstram o absurdo do que se está a discutir”.

Gilmar Mendes observou, ainda, que esses valores “são tão estratosféricos” que, na sentença condenatória, os honorários advocatícios foram arbitrados em mais de R$ 200 milhões, sendo reduzidos pela metade, ou seja, quantia em torno de R$ 100 milhões.

Portanto, conforme o ministro Gilmar Mendes, os ministros de Estado não se sujeitam à disciplina de responsabilização de que trata a Lei 8.429/1992, mas sim à da Lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. E este julgamento, em grau originário, é de exclusiva competência do STF. Assim, à época em que os reclamantes eram ministros de Estado, não se sujeitavam à Lei 8.429/1992, pela qual foram processados e condenados.

Rcl 2.186

Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2008

Wikileaks: William Waack, da Globo, é citado três vezes como informante dos EUA

Jorge Lourenço

O jornalista William Waack, da Rede Globo, se tornou um dos assuntos mais discutidos no Twitter nesta quinta-feira graças a supostos documentos da Wikileaks que o apontariam como informante do governo americano. Apesar de vagas e desencontradas, algumas informações são verdadeiras. O Informe JB entrou em contato com a jornalista Natalia Viana, responsável pela Wikileaks no Brasil, que confirmou a história. Waack é citado não apenas uma, mas três vezes em reuniões com funcionários da Embaixada Americana. Dois dos documentos que o citam são considerados "confidenciais". 

Consulta sobre as eleições

Um dos arquivos é sobre a visita de um porta-aviões dos Estados Unidos em maio de 2008. Na ocasião, a Embaixada Americana classificou como positiva a repercussão na mídia do evento, citando William Waack diretamente por ter ajudado a mostrar o lado positivo das relações do Brasil com os Estados Unidos em reportagens para o jornal "O Globo". Os outros dois documentos são sobre informações repassadas por Waack a representantes americanos sobre as eleições presidenciais do ano passado. Documento relata reunião na qual Waack dá detalhes sobre os presidenciáveis em fevereiro

Dilma incoerente

Em um encontro informal, o jornalista da Rede Globo reportou aos americanos em fevereiro de 2010 que um fórum econômico em São Paulo deixou as seguintes impressões sobre os possíveis candidatos à presidência: Ciro Gomes era o mais preparado, Serra era "claramente competente" e Dilma era... incoerente.
 
William Waack errou previsão sobre união de Aécio Neves com José Serra

Bola fora

Em agosto de 2009, novamente Waack manteve contatos com funcionários americanos, mas passou uma informação errada. Ele apontou que Serra e Aécio Neves já haviam selado a paz para uma candidatura a presidente e vice, respectivamente, no ano seguinte. A profecia, como todos sabem, não se confirmou. Aécio tentou encabeçar a candidatura tucana à presidência, mas acabou tentando o Senado por Minas Gerais.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

DIREITOS AUTORAIS "Nosso modelo de arrecadação é o mais democrático"



"O modelo de arrecadação de direitos autorais no Brasil é o mais democrático e o mais puro que existe. A afirmação é de Roberto Corrêa de Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), a maior associação de arrecadação de direitos autorais do Brasil. “Temos um sistema de escuta que acompanha a execução das músicas em bares, restaurantes, casas noturnas. Na medida em que as rádios fornecem as suas planilha, a gente vai lá e confere se bate". O problema é que as informações prestadas por quem reproduz a música nunca batem, diz ele.

O sistema de arrecadação dos direitos pela execução de músicas no Brasil está centralizado no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição e mais sete sociedades de arrecadação, entre as quais está a Abramus. Ao Ecad cabe arrecadar e distribuir, mas o órgão, que é privado, não tem poder de decisão. Quem delibera sobre o preço, por exemplo, a ser pago a compositores, produtores e músicos, saõ as associações. Que praticam um supostamente ilegal tabelamento de preços, segundo decisão recente do Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Para Roberto de Mello, contudo, essa prática de preços únicos é a ideal, pois estabelecer a concorrência de preços entre as associações levaria a uma "disputa absolutamente incoerente, insana e imoral para ver quem arrecada mais”. Segundo ele, não é possível determinar valores diferentes para titulares que participam de uma mesma obra “Quem fez a letra é mais importante do que quem fez a música?”, indaga.

Com 39 artistas associados, a Abramus é responsável por documentar a maior parte das titularidades de fonograma e obras dos associados nacionais e estrangeiros. O uso de obras só deve ser cobrado se houver a finalidade comercial como acontece, por exemplo, no rádio, televisão, cinema, hotéis, motéis, supermercados, shopping, restaurantes, enfim onde haja música ao vivo, ou sonorização ambiental.

Advogado, sócio do Mello Advogados Associados, Roberto de Mello, além de presidente da Abramus, integra o Comitê Técnico de Literatura, Dramaturgia e Audiovisual (CTDLV), e o Comitê Técnico de Artes Gráficas e Plásticas (CIAGP), ambos da CISAC. É diretor da Associação Brasileira de Direitos Autorais (ABDA). Em entrevista à ConJur, Roberto de Mello falou também sobre a Lei de Direitos Autorais, sobre as propostas para reformar a legislação e sobre a aplicação dos direitos autorais em tempos de internet e novas mídias.

Leia a entrevista:

ConJur — Como funciona o modelo de arrecadação de direito autoral brasileiro?
Roberto Corrêa de Mello — O sistema é baseado no Direito europeu, basicamente no Direito francês. Isso significa que o direito pertence ao autor. Nessa modalidade, o que o Brasil desenvolveu foi uma proteção dos titulares de direito autoral e dos direitos conexos. Não é a protetividade direta da obra. A obra é uma decorrência da protetividade que é dada aos titulares.

ConJur — Quem são os titulares?
Roberto Corrêa de Mello — Dos direitos autorais são os autores e as suas editoras na proporção de direitos que eles estabeleceram em contrato. E dos direitos conexos, os titulares são os produtores fonográficos, os intérpretes principais e os músicos acompanhantes.

ConJur — O que são direitos conexos?
Roberto Corrêa de Mello — O direito conexo é o direito do sujeito que imprime uma particularidade na obra. Cada interpretação, com a sua peculiaridade gera os seus respectivos direitos, que são conexos aos do autor, para aquele que interpretou e para todos aqueles partícipes da interpretação — para o intérprete, o produtor fonográfico e os músicos acompanhantes. Porque se não tivesse a obra, não teria a interpretação.

ConJur — Como é feita a distribuição de valores para titulares de direitos autorais e conexos?
Roberto Corrêa de Mello — Dois terços da distribuição é direito autoral puro: vai para os autores e para os editores na proporção do contrato. Um terço vai para os titulares de direitos conexos; 42,7% para o produtor fonográfico; 42,7% para o intérprete principal, e 16,6% para os músicos acompanhantes. Assim, todos recebem os seus quinhões. No Brasil é possível fazer isso porque a gestão coletiva, isso é de todos, é unificada — tanto de direito autoral, quanto de direito conexo —, existe um link no sistema para a documentação de obra e fonograma que é a fixação material da obra.

ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Roberto Corrêa de Mello — Veja o caso da música O Bêbado e a Equilibrista, do João Bosco, interpretada pela Elis Regina, com a produção da Fonogran, e acompanhamento dos músicos César Camargo Mariano e Luizão. A obra O Bêbado e a Equilibrista é do João Bosco e do Aldir Blanc. Posto isto, sabendo quem são os titulares da obra, e quem são os titulares do fonograma, e todos estão identificados pelo link de documentação que se faz de fonograma e de obra, é distribuído, exatamente, na proporção que cabe a cada um deles.

ConJur — Qual e o papel de associações como a Abramus?
Roberto Corrêa de Mello — O papel das associações é documentar todas as titularidades dos associados. Titularidades de fonogramas, de obras, de todas as músicas que estiverem em cue sheets, que é a ficha técnica musical dos audiovisuais. Como a Abramus é a maior associação brasileira, fazemos a maior parte dessa documentação. Não só dos nacionais como dos estrangeiros que nós representamos. A base integral de obras do Brasil é de 4,8 milhões. A base de fonogramas do Brasil é de 1,8 milhão de obras. E a base de Cue Sheets ainda não chegou a 80 mil, porque é o único dos documentos que não tem formato padrão e é feito à mão, um a um. Então, por exemplo a série Friends, é necessário descrever, capítulo por capítulo, todas as obras musicais, quem são os titulares e quanto tempo dura no audiovisual, para compor o audiovisual inteiro.

ConJur — Quem recebe o dinheiro da música que é usada em uma novela, por exemplo?
Roberto Corrêa de Mello — É o autor. O editor vai receber só a sua participação. Essa foi a forma para fazer o dinheiro chegar com mais brevidade a todos os titulares de direito autoral. A divisão é feita em períodos base. Existe um sistema rodando, dia e noite. Não dá para ficar escutando as 4,7 mil emissoras de rádio do Brasil o tempo todo. Então é feita uma amostragem daquilo que é executado rotativamente, secretamente, sem ninguém saber, para não poder interferir. É feito por amostragem também o que é tocado nos clubes noturnos, nas casas de música permanente: os bares, restaurantes, casas de música, que têm música ao vivo e que não são shows. E os shows são todos diretos. Porque ficam todos obrigados a fornecer, antes do show, todo o rol de músicas que serão apresentadas.

ConJur — A amostragem das rádios é feita de acordo com as informações que que as rádios fornecem?
Roberto Corrêa de Mello — No Brasil se sonega, se adultera e se extravia muita informação. Então a gente afere in loco. Temos um sistema de escuta que vai acompanhando isso e, na medida em que as rádios fornecem as suas planilhas a gente vai lá e confere se bate. Nunca bateu.

ConJur — Como que é feita a checagem nas casas noturnas?
Roberto Corrêa de Mello — Existem formas de dimensioná-las. Uma das formas é fazer pelo espaço que ela ocupa. Não dá pra ficar contando quantas pessoas vão por noite no local. Então a checagem é feita pelo espaço que ela ocupa e é verificado em cada prefeitura no Cadastro de Contribuintes Mobiliários (CCM), para saber qual é a metragem do estabelecimento e qual é o tamanho do local que realmente tem música. Em função disso, é estabelecido um valor do chamado usuário permanente. Para aferir, usamos um aparelho chamado Ecad Tec Móvel que é colocado, sempre que possível, nas casas noturnas, trios elétricos e bares do Brasil afora para ouvir o que está tocando. Só não precisa nas salas de espetáculos, porque essas são obrigadas a apresentar o set list.

ConJur — Esse modelo de arrecadação tem funcionado bem?
Roberto Corrêa de Mello — Sim. É o modelo mais democrático e mais puro que existe. Criamos esse modelo no Brasil há 36 anos quando teve a Constituinte de 1988. O doutor Ulysses Guimarães era o presidente da Assembleia Nacional Constituinte e o Bernardo Cabral era o relator. Eles chamaram cada seguimento da sociedade para perguntar o que eles queriam para a saúde, educação, cultura e pediram que nós escrevêssemos a matéria de direitos autorais. Já que esse direito é pessoal, ele ficou nos direitos e garantias individuais — artigo 5º, incisos XXVII e XVIII da Constituição. E o mesmo Artigo 5º da Constituição diz que ninguém é obrigado a associar-se ou a manter-se associado. Então, os artistas vão se movimentando em função da associação que melhor trabalhar para eles. Hoje temos 39 mil artistas associados.

ConJur — E isso não gera confusão?
Roberto Corrêa de Mello — Não, porque a base é comum. Existe uma base só da Abramus com 39 mil artistas. Ao todo, o Brasil tem cerca de 150 mil titulares distribuídos entre outras associações. Além da Abramus, tem a Amar Sombrás, a Socinpro, a UBC, a Sbacem, a Sicam e a Assim. São sete associações, mas todos os repertórios estão em um só banco de dados no Ecad.

ConJur — Mas então não tem como errar?
Roberto Corrêa de Mello — Claro que sim. Para isso existe um sistema de ocorrências. Por ano são cerca de 6 mil ocorrências, o que não é muito já que são milhões de execuções. Essa é a inteligência do sistema. Se tiver problema, aquilo fica apontado, fica provisionado, apura-se e distribui. Com toda a brevidade possível.

ConJur — Funciona esse modelo centralizador em que se paga primeiro o Ecad e depois o Ecad distribui?
Roberto Corrêa de Mello — Sim. Caso contrário seria uma disputa absolutamente incoerente, insana e imoral para ver quem arrecadava mais.

ConJur — Então não tem problema ter um poder centralizador?
Roberto Corrêa de Mello — Deve ter. Isso é um dos grandes embates. É necessário ter um interlocutor para falar com a Rede Globo, por exemplo. Mas esse interlocutor não tem capacidade de decisão. Ele só arrecada e distribui. Quem decide são as associações em assembleia geral. Então, as sete associações se reúnem e debatem tudo que está acontecendo no mercado.

ConJur — Não existe uma concorrência entre as associações?
Roberto Corrêa de Mello — Existe em relação aos titulares. Não em relação à arrecadação e nem à distribuição.

ConJur — O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entendeu que uma tabela distribuída pelo Ecad com os preços e a forma de cálculo da cobrança pelo uso de fonogramas configura prática de tabelamento de preços. Como é que funciona a concorrência entre as sociedades de arrecadação?
Roberto Corrêa de Mello — O que acontece é que o Cade não tem nenhum conhecimento do assunto e foi literalmente encomendado pela TV Globo para proferir aquela decisão. Os conselheiros fizeram propositadamente uma grande confusão, esqueceram ou fingiram desconhecer todo o acervo de documentos que nós apresentamos mostrando a inviabilidade de concorrência de fixação de preços de forma diferenciada. Não só pela imoralidade disso, pela falta de isonomia. Mas, principalmente, pela impraticabilidade.

ConJur — Como assim?
Roberto Corrêa de Mello — Por exemplo, o Vinícius de Moraes está em uma associação, o Tom Jobim em outra associação, os dois são parceiros em Garota de Ipanema, numa fixação do Jair Rodrigues, com o músico X. Depois, uma outra fixação do Frank Sinatra, com o músico Y. Como é que você vai diferenciar o valor que cabe ao Vinícius do valor que cabe ao Tom Jobim? Isso é imoral! Todos estão documentados no mesmo fonograma, em decorrência da mesma obra. Todos têm as suas participações. Por que é que o baixista de uma obra vai ganhar mais do que o baixista da outra? Quem fez a letra é mais importante do que quem fez a música? Na verdade, a TV Globo encomendou uma decisão ao Cade, que a proferiu com dois votos divergentes, extremamente brilhantes do Marcos Paulo Veríssimo e da Ana Frasão.

ConJur — O que diziam os votos?
Roberto Corrêa de Mello — Diziam que não existe formação de cartel. O máximo que poderia existir seria abuso de posição dominante. O que também é um absurdo. Eu acho que a Globo tem mais dinheiro do que a gente. Eu acho que eles têm mais poder de fixar valores...

ConJur — A tabela que estava sendo discutida não era, por exemplo, a Abramus fixando um preço...
Roberto Corrêa de Mello — Não. É o que eles querem! Porque aí eles montam uma “sociedadezinha” fantoche, colocam meia dúzia de gatos pingados, negociam por um valor ridículo, e aí querem jogar para as outras. Essa imoral decisão do Cade, como disse o ministro João Otávio Noronha [do Superior Tribunal de Justiça], é a maior excrescência jurídica que o Brasil já produziu. Porque é absolutamente ridícula. É um desconhecimento fático e jurídico absoluto. Ele falou que a decisão é tão absurda que todos vão para a que tem preço maior. Por que é que vai ficar na outra que está recebendo menos?

ConJur — A Lei de Direitos Autorais precisa ser reformada?
Roberto Corrêa de Mello — Demoramos 13 anos para aprovar a Lei dos Direitos Autorias (Lei 9.610/98) entre elaboração, emendas, estruturação e discussão. Eu fui um dos redatores da lei. Houve muito debate no Congresso Nacional. Até que nós tivemos a lucidez de encaminhar o projeto para o deputado federal Aluysio Nunes Ferreira Filho. Para sorte nossa, um ano depois ele foi nomeado ministro da Casa Civil e a lei foi aprovada. A Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA), da qual eu sou diretor, vai apresentar um projeto que traz temas que não foram tratados antes, como por exemplo a prescrição, direito de sequência para obras plásticas, quadros, esculturas.

ConJur — O que significa direito de sequência?
Roberto Corrêa de Mello — A cada venda, o autor teria direito a 4% do preço de venda com as negociações futuras que houver. Trata também da cópia privada, que é o direito do autor de ser remunerado por todos os suportes em branco que podem ser utilizados para copiagem.

ConJur — E qual é o prazo prescricional para reclamar sobre violação de direitos autorais?
Roberto Corrêa de Mello — Na Lei 5.988 o prazo prescricional para violação de direitos autorais era de cinco anos. Na lei atual não constou o prazo prescricional. Como a lei nova revogou a lei velha, durante um tempo foi utilizado dessa forma. E, em 2003, entrou em vigência o Código Civil que nos prazos de prescrição, estabelece que para esse tipo de violação de direito o prazo é de três anos. Portanto, o que era cinco virou três. Se possível, nós devíamos voltar para cinco. Isso para direito patrimonial. Para direito moral, que é o que o Brasil tem, que é o vínculo entre o autor e a obra, é de dez anos. Eram vinte, agora é de dez anos para reclamar.

ConJur — No Brasil não querem obedecer a regra dos 70 anos?
Roberto Corrêa de Mello — Não. Eles querem fazer uma revisão da lei absolutamente alucinada.

ConJur — Os projetos de revisão de lei então não são bons?
Roberto Corrêa de Mello — Os que eu vi, até agora, são de uma aberração de meter medo. Um dos dispositivos é: se o autor se negar a conceder autorização, o presidente da República concede por ele.

ConJur — E em relação a crítica de que os meios de financiamento cultural estariam caminhando para estatizar a cultura?
Roberto Corrêa de Mello — Repare a coincidência enorme entre o projeto dque reduz o poder de investigação do Ministério Público, o que estabelece o controle das decisões do Supremo Tribunal Federal pelo Congresso e o projeto da nova lei de direitos autorais: todos os projetos são do mesmo autor, o Nazareno Fonteles, do PT do Piauí. Todas estão no mesmo contexto, o mesmo peso: o controle social da mídia, a estatização do direito autoral, o enfraquecimento do Ministério Público, o enfraquecimento judicial...

ConJur — Vocês estão participando da reforma da Lei de Direito Autoral?
Roberto Corrêa de Mello — Nós nunca a vimos. Nós só vimos a do Nazareno Fonteles. Não conhecemos o projeto. Existe um Conselho Interministerial. Dependendo da matéria, são vários ministérios envolvidos. Neste projeto de Direito Autoral é o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação, o Ministério da Justiça, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério das Relações Exteriores e o último é a Casa Civil. Passou. Acontece que eles tiveram algumas surpresas porque, ao que tudo indica, houve pareceres de alguns dos ministérios que disseram que o projeto é inconstitucional.

ConJur — Como é feito o controle das violações de direitos autorais na internet?
Roberto Corrêa de Mello — A internet, tal qual qualquer outra modalidade, só deve ser objeto de arrecadação daqueles que ganham dinheiro com isso que são os provedores e os distribuidores de conteúdos sejam eles musicais, literários, visuais, audiovisuais. Eu não preciso sequenciar cada ser humano, nem todos os telespectadores de televisão, ouvintes de rádio ou leitores de jornal.

ConJur — Mas por exemplo se eu comprar um CD e fizer uma festa na minha casa com 800 pessoas. Isso é cobrável?
Roberto Corrêa de Mello — Se você fizer uma festa na sua casa, para o seu grupo social não é cobrável, já que você não está tendo lucro nenhum. Se a execução da música tiver finalidade comercial, tem que pagar.

ConJur — Em empresas jornalísticas, quem é o dono do texto? O jornalista que escreve ou a empresa para quem o jornalista trabalha?
Roberto Corrêa de Mello — Existem duas formas de tratar isso. Uma das formas que a lei autoral trata é da obra por encomenda. Nesse caso, a obra encomendada para o jornalista, pertence ao encomendante e ao encomendado. Isso é, pertence ao jornal e pertence ao jornalista. A obra feita pelo jornalista e disponibilizada para os jornais pertence ao jornalista e não ao jornal.

ConJur — Se o jornalista sai daquela empresa, ele leva o texto consigo ou já é propriedade da empresa? Por quanto tempo dura esse vínculo?
Roberto Corrêa de Mello — Quando o jornalista entra na empresa ele assina um contratinho de trabalho dizendo que aquilo que ele produzir será da empresa. Então a matéria assinada para um jornal, por exemplo, pertence à empresa para sempre.

ConJur — Mas na imprensa o trabalho é autoral?
Roberto Corrêa de Mello — É autoral. O jornalista assina a matéria e faz a apuração jornalística. Mas, ele assina um contrato com a empresa submetendo o texto à empresa.

ConJur — Como é o sistema jurídico do e-book?
Roberto Corrêa de Mello — Quando o titular autoriza a modalidade de veiculação da obra dele, ele escolhe se pode fazer isso fisicamente, digitalmente, ou ambos. Há titulares que não autorizam o digital e autorizam só o físico.

ConJur — Se houver um rompimento na origem, por exemplo, autor e agência, o livro pode ser retirado de quem comprou o e-book?
Roberto Corrêa de Mello — Eu vejo uma irreversibilidade dessa questão. E o Brasil não fez e nunca fará a gestão coletiva de obra literária porque a relação entre o autor e a sua editora é muito pessoal. Eles decidem como será a forma de pagamento. Se, por exemplo, o autor pede 10% do preço da capa ou prefere receber um preço fechado independentemente de quantas obras vender. O Fernando Sabino era um dos escritores que mais sabia negociar livro. Ele fazia por preço fechado, a Lygia Fagundes Telles também. Evidentemente que a editora sabia quem estava contratando.

ConJur — Como é a gestão de direitos de livro?
Roberto Corrêa de Mello — Não tem. É do autor com a editora. O máximo que o autor pode reclamar é uma prestação de contas, um pagamento de direitos não havidos. Mas, coletivamente, não tem. Essa questão, para mim, é de irreversibilidade. Não tem como voltar.

ConJur — No caso de não ter sido assinado um contrato de cessão de direitos...
Roberto Corrêa de Mello — Segue a regra geral. Se encomendou, é dos dois. Se é do jornalista e ele disponibilizou para o jornal, é dele. Do empregado que fez uma matéria e assinou é encomenda. Então, é dos dois e a prescrição é de três anos, do Código Civil.

ConJur — Depois de quanto tempo a obra, seja música, livro, filme, cai em domínio público?
Roberto Corrêa de Mello — Essa é uma questão delicada. A proteção de obras artísticas, de produção intelectual, pela antiga Convenção de Berna, era de 50 anos depois da morte do autor, até a morte dos herdeiros diretos. Essa regra acabou. Foi revista a Convenção de Berna e hoje é 70 anos depois da morte do autor. Os herdeiros não têm mais nada a ver.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.

Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de junho de 2013