sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Suprema Corte não tem o direito de errar por último

Enviado por luisnassif, seg, 24/12/2012 - 12:28
Por Diogo Costa

Um pouco de luz no fim do túnel da insanidade.

Do Consultor Jurídico




O primeiro julgamento
Registro inicial 1: O título heterodoxo deste artigo por certo prenderá o leitor. Para saber o que quer dizer, terá que ler até o final.

Registro inicial 2. Decisões judiciais são feitas para serem cumpridas, mas também para serem criticadas. Não penso que a Suprema Corte tem o direito de errar por último. Ao contrário: um colegiado, a partir da contemporânea Teoria do Direito, tem o dever de buscar a melhor resposta ou a resposta adequada à Constituição. Não me parece que ainda dê para pensar que os tempos de Rui Barbosa são os nossos tempos. Aliás, crítica por crítica, estamos todos autorizados a discutir a decisão do julgamento da AP 470. A começar pelo fato de o principal crítico do julgamento ser o próprio presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa. Segundo a ConJur, de 21 de dezembro de 2012 (clique aqui para ler), “O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, disse, nesta quinta-feira (20/12) que uma leitura errônea feita por alguns de seus colegas no Plenário levou ao estabelecimento de penas muito baixas para os réus condenados no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão”.

Pronto. E nós vamos em frente.

Com efeito. O primeiro julgamento da história é contado por Ésquilo, na Orestéia. Foi tão importante e tão emblemático, que estabeleceu padrões que ainda vigoram, tais como o número de jurados, o voto de Minerva, a ordem das falas, privilegiando-se o direito de defesa, o in dubio pro reo, dentre tantos outros.

O julgamento da AP 470 também foi importante e emblemático, só que não pelos mesmos motivos. Não se criou um novo modo de julgar nem se aperfeiçoou o vigente. Nem haveria de ser, eis que as amarras democráticas vedam que isso que se configuraria em efeito surpresa. Depois que o jogo começa (essa nossa mania de analogias com o futebol...), mudar as regras significa mudar o jogo. Embora, em alguns momentos, houvesse alguns gols em off side (quando garoto, impedimento se chamava de off side).

De se ressaltar, contudo, que a publicidade do case e as suas particularidades envolvendo “gente do andar de cima” fizeram com que cada passo do julgamento fosse acompanhado em tempo real, comentado por gente que sabe muito, sabe pouco ou nada sabe daquela “arte”, expondo um problema que há anos denuncio (dentre tantos): estamos mal e precisamos repensar como se lida com o direito em terrae brasilis. Nada como o caso concreto para denunciar a importância de uma teoria adequada que dê suporte ao intérprete... Em tempos de simplificações e esquematizações, o déficit teórico gritou a plenos pulmões nossas limitações, revelando o que andamos fazendo e anunciando como seguiremos fazendo justiça (sic)... E isso também foi transmitido em tempo real!

A doutrina e a cultura manualesca
Está registrado nos anais da casa, constará nos votos que serão divulgados na íntegra no site do Supremo e, inclusive, pode ser visto pelo YouTube, que, dentre os penalistas (e processualistas penais) pátrios mais citados, estão Damásio de Jesus, Mirabete, Heleno Fragoso, Nelson Hungria, Guilherme Nucci.

Claro que eles não foram os únicos citados. Eu mesmo fui referido, bem como ilustres juristas que trabalham o Direito e o Processo Penal na atualidade, v.g. Aury Lopes Jr., André Callegari etc. Mas os efeitos desse protagonismo do “fantasma do natal passado” podem ser claramente sentidos.

Vale destacar que minha coluna aqui na ConJur foi o espaço que elegi para trabalhar todas essas questões que se desenvolviam ao longo do julgamento, tais como “Direito AM-DM” (clique aqui para ler), “O Fator Júlia Roberts” (clique aqui para ler) e “Aqui se faz, aqui se paga ou o que atesta o malatesta?” (clique aqui para ler) e outras que referirei, mas como esse é um comentário sobre o julgamento como um todo, faz-se importante retomar tais pontos para demonstrar como o descompasso teórico gera efeitos danosos.

Houve recorrência à citação de alguns manuais de baixa densidade teórica. Isto porque um manual — regra geral — é algo simplificador (cada um com seus propósitos, que devem ser respeitados). Efetivamente, no mundo do realjuridik, manuais (algo como “Comentários ao Código Penal”, recheado de verbetes — coisa muito comum na realjuridik), por vezes, são caminhos possíveis para se introduzir de forma leve um determinado debate complexo. Mas é certo que nenhuma discussão jurídica de nível profundo pode se resumir a um instrumento que deveria ser meramente introdutório (sim, eu esperode um julgamento na Corte Suprema uma maior sofisticação; o STF é, sim, um espaço de discussão de grandes teses, a despeito de quem pense o contrário).

De todo modo, não parece ser a pretensão dos autores que se dedicam aos manuais ou compêndios com verbetes prê-à-porters. Esse material se destina, stricto sensu, a graduandos e cursos/escolas de preparação para concursos. Mas, no julgamento do mensalão, viraram argumento de autoridade. Sem dúvida, é um sintoma da crise do Direito. Com relação a Hungria, dá a impressão que nada foi produzido depois dos anos 50 no Brasil... Vendo o julgamento da AP 470, dá a impressão que a doutrina é “singelíssima”, porque “cabe nos mais singelos manuais”. Na maioria dos manuais que foram citados pelo STF no julgamento da AP 470, há uma baixa densidade constitucional, na medida em que não há grandes referências — na verdade, raras — à Constituição (ou à necessidade de uma filtragem dos Códigos em face do advento da CF/88). E assim por diante.

Outra questão é a relação do discurso jurídico com a Teoria do Direito. O trato da “questão da verdade” se mostrou extremamente precário. No julgamento da AP 470, ouvi vários causídicos falarem na e sobre a verdade. Ouvi um deles dizer que a verdade “estava nos autos” e que “as provas fala(ri)am por si” (sic) (ao que entendi, o processo revelaria uma verdade intrínseca, é isso?); outro foi para a outra “ponta” da filosofia, ao verberar, com incrível convicção, que “a verdade não existe; que é relativa”. Como assim, Doutor? Se ela não existe... então, é por isso mesmo que o que Vossa Excelência acabou de dizer não é verdadeiro. Bingo! Vossa Excelência caiu em um paradoxo. Um pequeno registro, a latere: vários ministros do STF também falaram em verdade real (isso será assunto de uma Coluna Senso Incomum).

Domínio do Fato, Mal-Atesta etc.
O julgamento também desnudou a falta de tato que temos com a doutrina penal especializada, principalmente com a estrangeira. Raramente as lemos no original. Normalmente, ocupamo-nos de referências de referências (ou referências de referências de outras referências). Por exemplo, a teoria do domínio do fato foi posta pelo PGR de forma muito singela e recebida como algo inovador que viria para responder ao caso concreto. Não parece que a teoria do domínio do fato seja algo novo...! O que foi feito — ou tem sido feito — é uma transposição acrítica e desfocalizada de algo complexo, da mesma forma como fizemos com o ativismo, o realismo, a ponderação[1] etc. (somos “bons” nisso). No fundo, o domínio do fato se transformou em um álibi teórico para justificar um conceito previamente formulado. Trabalhei a questão aqui na ConJur, no artigo “Domínio do fato tipo ponderação” (clique aqui para ler), enquanto assistia aos comentários desnorteados que eram feitos nas grandes emissoras de televisão.

Pior do que isso foi a ressurreição do velho Malatesta, autor do século XIX muito citado e pouco lido (pouco mesmo). Eu tive a pachorra de ver o que ele “mal-atesta”. Pois com Malatesta, disse-se no julgamento da AP 470 que “o ordinário se presume; só o extraordinário se prova”. Ora, digo eu, o-ordinário-que-se-presume-é-o-estado- de-inocência, garantia essencial ao Estado Democrático de Direito, que, por mais de uma vez (e pela boca de mais de um ministro), foi tratada como passível de relativização (essa posição, aliás, foi muito elogiada na imprensa, mormente pelo Imortal Merval Pereira, que se mostrou um bom torcedor contra os réus, deixando de lado a imparcialidade que se exige de um jornalista que ocupa um espaço como o dele).

Fico a imaginar se o advogado da causa — tivesse ele lido Malatesta — levantasse um “pela ordem, Excelências” para mostrar que o festejado Dr. Nicola (esse é nome do Malatesta), duas páginas depois, não dizia exatamente isso. E se o STF não lhe concedesse a questão de ordem, sob o pretexto de que somente poderia levantar “questão de fato”, o Doutor — que, ao que consta, foi escolhido como um dos 100 maiores líderes do país — sic, conforme a Revista Época (com direito a um longo elogio da lavra do Dr. Kakay, que, de forma lapidar, disse já ter previsto em 2005 que a “causa do mensalão estava perdida” — sic e mais um sic)[2] — poderia redarguir: “mas, Excelências, falar da história é, também, uma questão de fato; e fatos são eventos; e eventos são textos”. Pois é. No caso, a interpretação equivocada de Malatesta não fazia justiça aos fatos históricos... (se compreendem o que quero dizer). Exatamente por isso era cabível o “pela ordem”! Já pensaram o furdunço que isso poderia dar?

Mas, sigo. Quando se fala em “flexibilização de garantias”, é porque nem o básico anda sendo bem feito. O professor Joaquim Falcão — procurando salvar essa “flexibilização” — ainda afirmou: “A terceira conclusão é que a doutrina não pode exigir uma prova legal impossível, para punir um crime. Não é apenas a ordem escrita e gravada da autoridade, seu próprio suicídio legal que pode ser admitida em juízo. Há múltiplos indícios convergentes. Há o conjunto probatório dos fatos, repetia Joaquim Barbosa. Exigir a prova impossível é querer absolver o réu, sem julgá-lo. Se no futuro juízes condenarem sem provas ou indícios, apenas pelo cargo que o réu ocupa, o Supremo controlará o excesso”. Ou seja, para o Dr. Joaquim Falcão, isso estaria correto...! Como assim, Professor?

Imagino como ficariam os já abarrotados escaninhos da corte constitucional... Imagino também o trabalho da Defensoria Pública ao manejar tantos REs. Ou só devem “subir-os-recursos-de-quem-tiver-bons-(e caros)-advogados”? O professor Joaquim Falcão não levou em consideração isso? Em que país estamos? Quer dizer que podemos flexibilizar as provas e depois confiar que o STF faça a correção? Confesso que não entendi. E quem corrige o Supremo, Professor Falcão? O Supremo tem o direito de errar por último? Minhas perguntas são apenas retóricas. Já sei a resposta!

Veja-se, em linha similar, o modo como a possibilidade de condenação com base em indícios-não-judicializados (e crivados pelo contraditório) foi posta em plenário (em que pese o zelo em não dizer expressamente o que se estava a defender, tamanho o problema que isso simbolizava), verbis:

“A prova há de ser considerada no julgamento criminal, sem dúvida, quando realizada sob o contraditório, conforme estabelecido expressamente no art. 155 do CPP. Isso não significa, porém, que o juiz não possa considerar para a formação de sua livre convicção, elementos informativos colhidos na fase de inquérito.”

Ainda:

“Essa função persuasiva da prova é a que mais bem se coaduna com o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia livremente os elementos probatórios colhidos na instrução, mas tem a obrigação de fundamentar sua decisão, indicando expressamente suas razões de decidir.” (ministro Luiz Fux).

Desfiei tais questões em “Direito AM-DM” (leia aqui), mas a doutrina (em geral) assistiu calada! Dia desses, li uma entrevista de um jovem penalista, que fez uma aguda e, digamos assim, animada crítica à questão da interpretação do crime de lavagem de dinheiro e ao uso da teoria do domínio do fato pelo STF. Gostei... Só lamento que tenha sido um discurso sobre um cadáver. A crítica do jovem causídico chegou tarde. Inês é morta. Aliás, terminado o julgamento, muitos haverão de aparecer com discursos do mesmo jaez. Vigorosos. Duros. Implacáveis... dizendo o que já foi dito. E sem citar fontes, é claro (aliás, quem cita fontes no Brasil é garrafa de água mineral!). Discursos sobre cadáveres, sim. Mais ou menos nos moldes como faz um famoso senador gaúcho nos seus discursos no Senado: depois que o fato está consumado, muito brilho na fala (já falada)! Mas ele é duro. Incisivo!

O senso comum doutrinário
O que restou claro? Sem dúvida, o julgamento do mensalão representou um reforço do protagonismo judicial. Bem ao gosto de boa parte dos processualistas de terrae brasilis. Em vários momentos o STF falou desse protagonismo, do papel quase heroico que assumia a Suprema Corte no combate à corrupção. Também isso ficou patente quando se invocou a “livre apreciação da prova” e/ou o “livre convencimento”. Aliás, gostaria de ver a crítica da comunidade jurídica sobre isso, mesmo que agora Inês esteja morta.

Relembro — e não me canso de relembrar isso — que a aposta no protagonismo judicial é produto de um resquício (ainda forte) das teses do realismo jurídico. Nesse sentido, isso é bem detectado e denunciado pelo jusfilósofo e constitucionalista espanhol Alfonso Garcia Figueroa, quando faz uma crítica a várias categorias centrais da motivação judicial, mostrando que existe um certo realismo (jurídico) inconsciente em alguns juristas. Há pouco, fiz uma coluna (“O passado, o presente e o futuro do STF em três atos”), analisando a forte presença das teses realistas no seio da nossa Suprema Corte (leia aqui).

Na verdade, repristinam-se, de forma descontextualizada e incompatíveis com o atual contexto jurídico, velhas teses voluntaristas de um momento de fragilidade do Direito, em que esse tipo de postura (Jurisprudência dos Interesses, Escola do Direito Livre, Realismo Jurídico) ganhavam espaço em face do enfrentamento necessário ao velho positivismo. No Direito processual, por exemplo, é nesse momento (final do século XIX e início do século XX) que surgem as teses de autores como Anton Menger e Franz Klein, que apostam no poder de juiz para superar a “frieza do Direito”, que se esgotava no texto legal.

Na doutrina processualista, por exemplo, vemos sendo citados frequentemente as figuras de Carnelutti e Chiovenda, este último sendo utilizado pelo ministro Luiz Fux para dizer que “o juiz tem o direito de fazer coisa julgada, e sua palavra é a norma, ainda que haja divergências dentro do plenário”, ressuscitando um velho álibi teórico que legitima o “livre” convencimento do juiz. Sim, isso também fez parte do julgamento da AP 470.

Aliás, com o livre convencimento vem a livre apreciação da prova, lugar comum na AP 470, e que agora surge sob uma nova feição: “livre convencimento motivado”. Criticados pelo uso da prova indiciária (produzida sem contraditório) durante o julgamento, os ministros vale(ra)m-se do livre convencimento motivado como argumento, pois agora — e estou repetindo ipsis literis o que foi dito — “a prova indiciária pode ser utilizada, mas não pode ser a única fonte para a formação do livre convencimento do juiz”.

Como assim — “livre convencimento motivado”? Quer dizer que o juiz pode analisar a prova como quer e decidir como bem entende, bastando que haja qualquer tipo de prova, ou, pior ainda, indícios de autoria ou materialidade? Ora, Otelo tinha motivação para matar Desdêmona; entretanto, essa motivação não tinha justificativa. Todos nós temos motivos para fazer algo; daí a estarem tais motivos justificados a distância é grande.

Portanto — e agora que estamos em véspera de aprovação de novos Códigos Processuais — está na hora de definirmos o que é efetivamente “a fundamentação” de uma decisão. E, mais ainda, chegou a hora de decidirmos se, efetivamente, queremos tratar o processo à luz dos paradigmas filosóficos ou se queremos “fazer” processo a latere daquilo que é condição de possibilidade, isto é, a filosofia.

Outro ponto foi o silêncio — ou apoio — de parte da doutrina dita mais progressista (seja o que isso queira dizer) em relação à tese da Folha de S.Paulo, encampada, por exemplo, pelo ministro Dias Toffoli, de que prisão, agora, é “só para quem precisa”.

Veja-se: meses antes, o próprio ministro Toffoli, sem pestanejar, condenara a 13 anos, 4 meses e 10 dias o deputado Natan Donadon (PMDB-RO), primeiro parlamentar a ser condenado pelo STF em matéria criminal. Paradoxalmente, em um segundo momento, manifesta-se como-opositor-ao-cárcere-enquanto-instrumento-punitivo, relacionando-o “com o período medieval” (ao mesmo tempo em que o ministro da Justiça disse que se mataria, caso fosse preso). Também, no momento oportuno, não me furtei a esse debate, conforme se pode ler no artigo “Como Assim — Prisão só para quem precisa?” (leia aqui).

É esse tipo de confusão teórica que pode — mediante discurso sedutor e aparentemente libertário — legitimar que sejam tomadas medidas que reproduzem uma lógica de direito legitimador do “establishment” que não se admite desde 1988.

Outro claro exemplo se vê a partir de considerações acerca do regime de cumprimento. Falo da hipótese de encaminhamento para a prisão domiciliar daqueles que deveriam iniciar a pena em regime semiaberto em virtude da inexistência de vagas. Bom argumento. Entretanto, não seria bom se, primeiramente, fosse questionada a possibilidade de uma “reforma de fato” na lei penal a ser perpetrada via decisão da Corte? A propósito desse assunto, ver artigo de André Karam Trindade (leia aqui).

Em um segundo momento, partindo do pressuposto que tal ato fosse constitucional, a benesse deveria ser universalizada. Com efeito, se é assim, proponho isonomia. Igualdade de tratamento. Ou seja, todo preso que faça jus à progressão de regime e não tenha recebido o benefício em virtude da ausência de vagas deverá ser tratado de igual maneira. Do contrário, temos a clara confissão de que tratamos ricos e pobres de forma distinta, legando à isonomia o papel de mero figurante em nosso sistema jurídico.

Aliás, por falar em isonomia, nosso sistema penal “pródigo” em conspurcar a isonomia, para o bem e para o mal (aliás, na entrevista do jovem penalista que falei anteriormente, há elogios ao Código Penal; ele diz que não necessitamos de um novo Código; claro, sem dúvida — do mesmo modo como em 1890 se dizia que não era necessário alterar o Código Criminal do Império, que substituiu o livro V das Ordenações Filipinas...!). Sendo mais claro: para o sonegador de impostos, nosso sistema concede a benesse que é negada a quem furta... Para o traficante primário, dois terços de desconto na pena; já para o furto, nem falar em descontar a pena... (não vi uma linha até hoje sobre essa falta de isonomia...; ou isso não seria inconstitucional?). E esse é um bom Código... Vamos mais adiante ou paramos por aqui?

O ônus da prova
Na AP 470, debateu-se, por horas, quem tinha o ônus de provar o quê. Se era o Ministério Publico ou a defesa. Também comentei na ConJur a questão, mas repito a reflexão: quase 25 anos de CF e ainda não sabemos quem deve provar o que em processo penal? E a dificuldade em realizar a dosimetria da pena? Em delimitar os marcos ou qual seria a lei aplicável?

Ainda: a possibilidade de incorrer em prescrição deve influenciar o magistrado a avaliar aquela conduta praticada anos antes como merecedora de punição maior? A pena a ser aplicada pela infração de determinada regra deve ser diferente a depender de quanto tempo se passou entre a conduta delitiva e o julgamento? Veja-se que, neste ponto, os manuais poderiam ajudar no esclarecimento da matéria (não há qualquer ironia nessa minha afirmação, uma vez que, efetivamente, a maioria dos manuais trata adequadamente dessa temática). PS: considere-se, ademais, que o STF aceitou a tese de que no crime de quadrilha ou bando, morrendo um dos quadrilheiros — se ele for o quarto membro — desaparece a tipificação.

D’outra banda, como pensar nos dias de hoje que as circunstancias do artigo 59 são compatíveis com a Constituição? Num Direito Penal do fato, a personalidade do agente deve entrar no computo da pena?[3]

Estamos punindo alguém pelo que ele fez ou por ele ser quem é? Isso parece ser bem velho, pois não? E o que é “personalidade do agente”?[4] Ferrajoli já há muito tempo fala do princípio da secularização do Direito. Vamos acreditar em Ferrajoli. Ele tem razão. O Direito Penal não deve punir vícios e comportamentos do indivíduo.[5] Nem sua conduta deve servir para agravar a pena. Além de que “a personalidade” é algo bem difícil de “sacar”, pois não?

E ainda faltam os embargos?
Não se sabe se o julgamento terminou depois de 138 dias. Segundo leio na Folha de S.Paulo por um de seus comentaristas especiais sobre o mensalão, ex-integrante do governo, “agora vem os embargos infringentes” (o comentarista sequer discute se cabem ou não cabem). Pois é. Em artigo na aurora do julgamento, sustentei aqui o não cabimento dos embargos infringentes. Não vou repetir agora os argumentos. Mas o Supremo Tribunal terá que decidir essa preliminar antes de examinar os tais embargos, que inexoravelmente acontecerão. Veremos o que dirá a Suprema Corte, nesse resto de julgamento. Trata-se de interpretar o Regimento Interno de acordo com a Constituição ou a Constituição de acordo com o Regimento Interno. Qual será o resultado? Aposto aqui na tese do ministro Gilmar Mendes, que entende não estar recepcionado o artigo 333 do RISTF.

A prisão dos réus
A jurisprudência do Supremo Tribunal foi construída nos últimos anos no sentido de que a prisão se justifica apenas nos casos de sentença condenatória transitada em julgado. O STF vem julgando assim. O ministro Joaquim Barbosa diz que, no caso do mensalão, está-se diante de uma coisa nova, porque é última instância. Confesso que não entendi as razões pelas quais o STF não estaria vinculado à sua própria jurisprudência. Por que o DNA do “assunto prisão” não se aplicaria em julgamentos originários?

Advirto que escrevo este artigo antes de o ministro Joaquim Barbosa decidir acerca do pedido feito pelo procurador-geral da República, que quer ver os réus atrás das grades já durante o Natal. Arrisco um palpite: Há dois motivos para o ministro negar o pedido de prisão: Primeiro, os limites semânticos do texto Constitucional (como sabemos, embora um texto não contenha a sua própria norma, ou seja, o texto não trás em si-mesmo-o-seu-sentido, não se pode atribuir “qualquer norma ao texto”; eis porque existe aquilo que podemos chamar de limites semânticos no plano da hermenêutica). Se, por exemplo, um deputado só pode ser preso em flagrante e depois de sentença transitada em julgado — e como a decisão do STF que cassou os mandatos não transitou — então um parlamentar não pode ser preso (porque ainda é parlamentar, formalmente); não consigo atribuir outra norma ao texto constitucional, por mais que me esforce; segundo, a jurisprudência do STF aponta em sentido contrário. Acertarei na minha previsão?

A derrota da dogmática
Por essas e outras é que afirmei (e afirmo) que a dogmática jurídica foi a maior derrotada no julgamento do mensalão. Dogmática jurídica: Leia-se “imaginário jurídico dominante”. O pensamento dogmático mostrou e provou (não com base em indícios, frise-se — não resisto à ironia) seu grau de defasagem face à Constituição e os efeitos deletérios disso. De todo modo, olhando o que estão ensinando nas Faculdades de Direito e o tipo de literatura mais utilizada, não há muito espaço para dizer “céus, que surpresa!”. É inexorável que os livros usados nas faculdades e nos cursinhos de preparação acabem nas mesas de juízes e promotores (e de advogados; e de ministros). Parafraseando Vargas Llosa, em seu recente A Civilização do Espetáculo, vivemos uma dogmática do espetáculo, porque o nosso “mercado jurídico” criou os mecanismos de difusão que nos permitem assistir a esse “excesso de espetáculo”. Nessa “dogmática do espetáculo”, tudo é “relativo”. Pode tudo. Escreve-se de e sobre tudo, de qualquer modo. Resultado: se tudo é, nada é...!

E falta também coerência. Os mesmos que sempre aplaudiram um suposto livre convencimento, transformaram o ministro Lewandowski em inimigo número 1 no julgamento, quando divergiu (acertadamente em alguns momentos; em outros não) do voto proferido pelo ministro relator. É bem verdade que o trabalho minucioso realizado pelo ministro Joaquim Barbosa foi indispensável para que se pudesse julgar o caso (registro minhas homenagens), mas essa idolatria que se tem feito aos ministros da Suprema Corte em certas ocasiões de comoção nacional (v.g. julgamento das uniões homossexuais, células tronco, cotas raciais etc.) constituem-se em verdadeiro indicador de nossa pouca familiaridade com as instituições num Estado Democrático de Direito, além de incorrer no sério risco de passar a ideia de que o papel do STF é concordar com o clamor das maiorias. Veja-se que o atual presidente da Suprema Corte, fosse hoje candidato a presidente da República, teria mais votos que um figurão como Aécio Neves, que está há anos na política, tendo sido governador e atual senador... Isso não é pouca coisa. O que se passa na República?

Parece que estamos pagando as contas do passado de impunidade do andar de cima. Uma espécie de catarse. Agora, quando o Supremo Tribunal aplica penas pesadas a um grupo que tem o perfil daqueles que sempre usaram botas (faço a alusão a um dos meus bordões que busquei em La Torre Rangel: La ley es como la serpiente; sólo pica a los descalzos), não pode surpreender que o principal protagonista, o ministro relator, seja transformado em herói, com direito à máscaras estilizadas de carnaval e passeatas no Rio de Janeiro. É o imaginário social se pronunciando. Dia destes, no Rio de Janeiro, na praia, um amigo meu, procurador de República, acompanhado de seu pai, viram um vendedor de bijuterias dizendo em voz alta, exultante: “Aí mermão; esse Joaquim Cruz é sinistro; tá enjaulando os bacana.” Claro que confundia o nome do ministro relator com o atleta olímpico. Mas, com certeza, tinha tudo a ver.

Qual é o papel da Suprema Corte? Penso que podemos apreender muito com a leitura da Odisséia. E nos abeberarmos dos ensinamentos de Ulisses, que pede para os seus grumetes para que o amarrem no mastro e, sob hipótese alguma, obedeçam qualquer ordem (dele, Ulisses), em sentido contrário. Os grumetes deveriam obedecer apenas a primeira ordem. A sobrevivência de Ulisses depende disso. Porque ele sabe que, sem as amarras, não resistirá ao canto das sereias. Ele tinha convicção de que a única maneira de sobreviver era ser amarrado ao mastro, para, assim, não sucumbir ao canto das sereias.

Sim, certas correntes nos salvam de nós mesmos!

Numa palavra final
Quando afirmo que a grande derrotada no julgamento do mensalão é a dogmática jurídica, estou me referindo ao modo como estamos “fazendo” o Direito. Não é implicância minha, não. Trata-se de uma crítica que procuro elaborar ao “imaginário prevalecente no mundo jurídico”, onde existe uma espécie de “discurso instituído”, em que os locutores desprovidos de “competência legítima” — e aqui recorro à clássica lição de Bourdieu (do livro Economia das Trocas Linguísticas) — se encontram de fato excluídos dos universos sociais onde ela é exigida, ou, então, veem-se condenados ao silêncio.

A dogmática jurídica, no modo como elabora o “discurso dominante”, “criminaliza”, por “porte ilegal da fala”, aqueles que não “falam a sua língua”. E qual é a sua língua? A língua do discurso pronto e acabado, da cumplicidade entre os partícipes do “butim”. Forma-se, assim, uma dominação simbólica, que não se mostra como tal por não implicar eventualmente algum “ato de intimidação”. E esse poder de violência simbólica só se realiza sobre alguém que esteja “predisposto a senti-la”.

É nesse mercado que a dogmática encontra o seu locus privilegiado, o mercado das trocas simbólicas de poder, onde o reconhecimento extorquido por esta violência, como acentua Bourdieu, é “tão-invisível-quanto-silenciosa”. O emissor não coage; é o receptor que reage. O discurso vem pronto, como “a casa tomada”, para lembrar Cortázar.

Quando lanço críticas a uma parte do julgamento — por exemplo, à absolvição de Duda Mendonça baseada equivocadamente em uma Circular do Banco Central, como se pudéssemos delegar ao Banco Central ou às Agências Reguladoras a tarefa de estabelecer descriminalizações de condutas —, estou tão-somente trazendo a lume certa tradição jurídico-crítica produzida nos últimos 30 anos, denunciando o senso comum teórico. Não falo apenas de uma crítica com raiz filosófica; falo, fundamentalmente, da matriz constitucional, da necessidade de uma nova teoria das fontes, de uma nova teoria da norma, de um novo modo de interpretar o Direito e, finalmente, de uma teoria da decisão que ainda não temos. O julgamento do mensalão claramente nos mostrou esses gaps.

Faço isso por amor ao debate e para fortalecer o espaço acadêmico na imbricação com as práticas judiciárias. É minha obrigação dizer que, quando um ministro diz que “a doutrina constitucional é pacífica. No âmbito da aplicação, a lei é que deve nortear a interpretação da Constituição”, é porque temos que falar muito sobre o direito, para imitar, aqui, o livro Precisamos falar sobre Kevin. Como assim, ministro? A lei deve nortear a interpretação da Constituição? Não seria o contrário? Quantos livros de direito constitucional foram escritos para demonstrar o contrário do que disse o ministro?

Viram como a doutrina não mais doutrina? Não me surpreenderei se, logo, logo, isso será indagado em concurso público. Sim, porque não faltará algum livro do tipo “Direito Constitucional simplificado” que, de forma acrítica, repita esse conceito.

Tenho, finalmente, a obrigação de dizer que o STF, ao definir a perda dos mandatos, inovou, indo além da Constituição. Por mais que houvesse um clamor público contra os réus — lembremos das correntes de Ulisses —, isso não justifica retirar do Parlamento a prerrogativa de caçar os mandatos.

Desde Friedrich Müller conhecemos o princípio da congruência prática. Se um dispositivo da Constituição diz, aparentemente, o contrário do que diz o outro, é porque devemos ir a fundo e ver as razões disso. Não seria porque, no caso do artigo 55, é possível que o Parlamento, examinando um determinado caso, resolva não cassar o mandato? Mas o mandato não é do povo? Não existem juízes e promotores (sem falar de advogados públicos) exercendo a função, mesmo que condenados por determinado crime? Isso que eles não são parlamentares. Não estou dizendo que, no caso concreto, os parlamentares condenados na AP 470 não merecessem ser cassados. O que quero dizer isso é uma questão de princípio e não uma questão de política ou de opinião pública. Em Victor Hugo há o exemplo mais perfeito do que seja um princípio. Em Os últimos Dias de um Condenado, Victor Hugo faz uma ode contra a pena de morte. Mas não diz se o réu é culpado ou inocente. E não conta qual é o crime. Ele, simplesmente, é contra a pena de morte “por princípio”. E sabem por que ele não contou no livro esses detalhes? Para que os leitores não se contaminassem com o caso concreto. Um princípio é isso.

Ah, mas se o Parlamento não fizer? Bom, isso é o custo da democracia. Nos Estados Unidos, os deputados-réus que não foram cassados não se reelegeram. O povo — poder soberano — puniu-os.

O que fica disso tudo? Várias lições. Para mim, a principal é que a doutrina tem que recuperar o seu poder de “constrangimento epistemológico”. Deve (voltar a) doutrinar (se é que um dia já o fez nos moldes do que ocorre em países adiantados). Se o STF julgou do modo como julgou, é (também) porque teve pouquíssima contestação. É que o imaginário jurídico, forjado pela nossa dogmática jurídica, foi acostumado a se acostumar com o adágio de que “o Direito é aquilo que o Judiciário diz que é”.

E o jurista “médio” foi perdendo a sua capacidade de contestação. Desacostumou-se a criticar. O imaginário jurídico parece que imita as máximas de Martín Fierro, de que no le des de qué quejarse; y cuando quiera enojarse vos te debés encoger… Assim funciona a dogmática jurídica ou mais ou menos assim... José Hernández, autor de Martim Fierro, pode explicar isso mejor!

Ou parece que o pensamento dogmático tradicional — que acaba sendo o dominante — repete os conselhos do personagem de Machado de Assis que, no aniversário de 21 anos de seu filho, explica-lhe a teoria pela qual este poderia se dar bem vida afora. Para o pai, o filho tinha os requisitos para ser um “medalhão”: “tens o valente recurso de mesclar-te aos pasmatórios, em que toda a poeira da solidão se dissipa. As livrarias, ou por causa da atmosfera do lugar ou por qualquer outra razão que me escapa, não são propícias ao nosso fim”. Observemos uma das máximas da teoria: “Longe de inventar um Tratado Científico da Criação de Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar...”. É bem fácil, útil e proveitoso... Outro conselho importante do pai para o filho-candidato-a-medalhão: “Deves reduzir o intelecto à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum... O vocabulário deve ser naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem notas vermelhas, sem cores de clarim... Eis a receita do sucesso”. Ao final do diálogo com o filho Janjão, o pai arremata: “Rumina bem o que eu te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Machiavel”.

E foi assim que fomos forjando esse imaginário. Fomos simplificando. E sem criticar, foi sendo formatado um discurso politicamente “correto” e “autoritário”, em que o crítico é tido como desviante.

“O jurista para se dar bem não deve criticar o Poder Judiciário” — talvez o personagem de Machado (pai de Janjão) assim aconselhasse o filho, acaso este fosse seguir a carreira de causídico. “Não faça crítica. Escreva simples. Sem notas vermelhas”. Eis a receita do sucesso. Enfim, no le des de qué quejarse…

[1] Particularmente, sou, digamos assim, invocado com a ponderação, acriticamente importada pela nossa comunidade jurídica. Na verdade, o que tem sido aplicado é uma vulgata do que disse seu criador. Estou falando de Robert Alexy e não de Philipp Heck (este quem, na verdade, iniciou a discussão no seio da Jurisprudência dos Interesses). Desafio que me mostrem uma decisão na qual tenha sido construída a famosa “regra da ponderação”. Todavia, há milhares de menções a esse enunciado performativo, como se fosse a pedra filosofal da interpretação. E mais nem precisa ser dito. Deixo para outros colunistas mais versados em literatura estrangeira para falar sobre a ponderação...!

[2] Mas, então, por que defenderam os réus, se sabiam que iriam perder?

[3] Não tenho encontrado – com raras exceções (p.ex., Salo de Carvalho e Fábio D’ávila) – penalistas que sustentem (denunciem) que, no Brasil, tem-se um direito penal do autor, mormente se examinarmos o conteúdo do art. 59 do CP, além da relevante circunstância de que a reincidência continua agravando a pena (peço perdão se estou esquecendo outros autores). Consegui, como Procurador de Justiça, a consolidação, por um período de mais de dez anos, da tese da inconstitucionalidade da reincidência junto à 5ª. Câmara do TJRS. Essa tese foi abandonada pela Câmara quando do advento da SV n. 10. Mas ainda continuo peleando, tentando convencer o órgão de que a SV n. 10 não se aplica a questões de não recepção (inconstitucionalidade superveniente).

[4] Eu não sabia o que era “personalidade”. Assistindo a uma entrevista de Guilherme Nucci na TV Cultura, dia desses, aprendi que é “nosso modo de ser”. Ah, bom.

[5] Para quem acha o Código Penal atual “bom”, necessitando apenas alguns ajustes, é bom perguntar sobre crimes como “casa de prostituição”, “dano” etc.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. 

Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

GILMAR, O ATOR DO MENSALÃO. O DINHEIRO NÃO SUMIU

Por que o MP tirou os tucanos da reta? Mas, sumiu como, se o dinheiro foi gasto?
"Do Ban-co do Bra-sil ! Do Ban-co do Bra-sil !"

Saiu na revista “Retrato do Brasil”:


Vale a pena ver de novo. Está no YouTube (http://youtu.be/-smLnl-CFJw), nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do dia 29 de agosto, no julgamento do mensalão. A sessão já tinha 47 minutos. Fala o ministro Gilmar Mendes. Ele esclarece que tratará da “transferência de recursos por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”. Diz, preliminarmente, que, a seu ver, “se cuidava” de recursos públicos. Faz, então, uma pausa. E adverte ao presidente da casa, ministro Ayres Britto, que fará um registro. De fato, é uma espécie de pronunciamento ao País.

Ele diz que todos que tivemos alguma relação com esta “notável instituição” que é o Banco do Brasil “certamente ficamos perplexos”. Lembra que o revisor, Ricardo Lewandowski, “destacou que reinava uma balbúrdia” na diretoria de marketing do banco e completa dizendo que parecia ser uma balbúrdia no próprio banco como um todo. A seguir, ergue a cabeça, tira os olhos do voto que lia meio apressadamente, encara seus pares. E diz cadenciadamente: “Quando eu vi os relatos se desenvolverem, eu me perguntava, presidente: o que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?”

Então, põe alguns dedos da mão esquerda sobre os lábios e explica: “Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum…” Neste ponto, parece tentar repetir o que disse e fala engolindo pedaços das palavras: “E se diz isso, inclus… [parece que ele quis dizer inclusive] não era para prestar servi [serviço, aparentemente].” E conclui, depois de pausa dramática, ao final separando as sílabas da palavra para destacá-la: “Eu fico a imaginar [...] como nós descemos na escala das de-gra-da-ções.”

RB vê a narrativa do ministro de outra forma. Foi um dramalhão, um mau teatro. Mas, a despeito do grotesco, a tese central do mensalão é exatamente a encenada pelo ministro Mendes. E só foi possível aos ministros do STF concordar com ela porque se tratou de um julgamento de exceção. Um julgamento excepcional, feito sob regras especiais, para condenar os réus.

Esta tese diz que, sob o comando de Henrique Pizzolato, o então diretor de marketing e comunicação do BB, foi possível tirar, graças a uma propina que ele teria recebido, 73,8 milhões de reais para que uma trinca de quadrilhas comandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, comprassem deputados.
Deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto. E os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor público, o ministro Joaquim Barbosa, brandindo a regra de condenar por indícios, e não por provas, réus a quem foi negado um dos princípios históricos do direito penal, o da presunção da inocência.

E deu no que deu. A tese central do mensalão é tão absurda que ainda se espera que o STF possa revogá-la. Ela diz que foram desviados para o PT os tais 73,8 milhões de recursos do BB para comprar sete deputados e aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência, que todo mundo sabe ter passado com apoio da direita não governista sem precisar de um tostão para ser aprovada.

Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem: em nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias, afirma-se que houve desvio de dinheiro do banco.

Nem o BB nem a Visanet processaram Pizzolato até agora. Simplesmente porque, até agora, não se propuseram a provar que ele comandou o desvio, nem mesmo se houve o desvio. E também porque está escrito explicitamente nos autos que não era ele quem ordenava os adiantamentos de recursos para a empresa de propaganda DNA, de Marcos Valério, fazer as promoções.

O adiantamento de recursos à DNA era feito não pela diretoria que ele comandava, a Dimac, mas por um funcionário da Direv, a diretoria de varejo. Esta diretoria era, com certeza, a grande interessada na venda dos cartões, o que, aliás, fez com raro brilho, visto que o BB desbancou o Bradesco, o sócio maior da CBMP, na venda de cartões de bandeira Visa.

Nesta edição, na matéria a seguir, “Um assassinato sem um morto”, Retrato do Brasil mostra um documento reservado da CBMP, preparado por um grande escritório de advocacia de São Paulo para ser encaminhado à Receita Federal, no qual a companhia lista todos esses trabalhos, que confirma informações constantes das outras três auditorias do BB. Porém, acrescenta um dado essencial: mostra que a empresa tem os recibos e todos os comprovantes — como fotos, vídeos, cartazes, testemunhos — atestando que os serviços de promoção para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foram realizados. Ou seja, que não houve o desvio.

A tese do grande desvio que criou o mensalão surgiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios já no início das investigações, em meados de 2005, quando se descobriu que Henrique Pizzolato estava envolvido no esquema do “valerioduto”. E ganhou forma acabada no relatório final desta comissão, entregue à Procuradoria da República em meados de abril de 2006.

O então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, menos de uma semana depois, encaminhou a denúncia ao STF, onde ela caiu sob os cuidados do ministro Joaquim Barbosa. O que Souza fez de destaque na denúncia foi tirar da lista de indiciados feita pela CPMI, na parte que apresentava os que operavam o FIV no BB ou que poderiam ser vistos como responsáveis pelo desvio, todos os que não eram petistas. Souza — não ingenuamente, deve-se supor — retirou da lista de indiciados todos os que vinham do governo anterior, do PSDB, entre os quais o diretor de varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou até mais alto, nível de responsabilidade de Pizzolato. E excluiu também o novo presidente do banco, Cássio Casseb, um homem do mercado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Decano do STF critica presidente da Câmara

Celso de Mello atacou “declarações irresponsáveis” sobre a cassação de mandato dos deputados condenados no mensalão. Marco Maia disse em outras oportunidades que decisão cabe aos parlamentares

POR MARIO COELHO | 17/12/2012 16:12


José Cruz/ABr

Para Celso de Mello, não cumprimento da decisão pode resultar em prevaricação. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, criticou nesta segunda-feira (17) as recentes declarações do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados no mensalão. Hoje, a mais alta corte do país decidiu, por maioria, decretar a perda do cargo dos três parlamentares envolvidos no caso. Para Maia, a decisão cabe à Casa.

Na visão do decano, uma reação corporativa da Câmara, associada a um “equivocado espírito de solidariedade”, não pode dar origem ao desrespeito a uma decisão da mais alta corte do país. Ele entende que ninguém pode contestar uma determinação do Supremo, que detém “monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição”. “A insubordinação legislativa ou executiva revela-se comportamento intolerável, inaceitável ou incompreensível”, disparou.

Para Celso de Mello, caso a Câmara resista a decretar a perda do mandato de João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), o presidente da Casa pode responder ao crime de prevaricação. Ele entende como uma “extrema gravidade da conduta de desobediência, que vem a estar anunciada por aí” as recentes declarações dadas por Maia. Em mais de uma oportunidade, o petista disse que a Câmara vai analisar e decidir o que fazer.

Para a Câmara, a cassação de João Paulo não é automática. Ela precisa passar pelo crivo de maioria absoluta do plenário, depois de uma análise feita pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O parágrafo segundo do artigo 55 da Constituição Federal estabelece que a cassação será decidida pela Casa, “por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”. A assessoria de Marco Maia disse que ele só chega à Câmara depois das 17h e que não sabe se ele vai comentar as declarações do decano.

Apesar de defender que só os deputados podem cassar os mandatos dos colegas, a decisão não estará nas mãos de Maia, mas sim do próximo presidente. O petista deixa o cargo em 2 de fevereiro. A expectativa é que Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) seja eleito para substituí-lo nos próximos dois anos. “A não observância da decisão desta corte diminui a força normativa da Constituição”, avaliou, acrescentando que não acatar decisão judicial é “esdrúxulo, arbitrário e inconstitucional”.

Colaborou Mariana Haubert

domingo, 16 de dezembro de 2012

(versão completa) Desmascarando a falsa imparcialidade da rede globo.

Corinthians guerreiro é campeão do mundo

Léo Rodrigues - Portal EBC16.12.2012 - 10h17 | Atualizado em 17.12.2012 - 13h24

Jogadores erguem a taça do Mundial de Clubes da Fifa (SC Corinthians Paulista/Divulgação)

Nenhuma palavra é melhor para classificar o time do Corinthians do que o nome do autor do gol. Aos 23 minutos do 2º tempo, o atacante peruano Guerrero aproveitou rebote em chute de Danilo e cabeceou para as redes, provocando a única alteração no placar do jogo. Ao vencer o Chelsea por 1x0, o time brasileiro se tornou campeão do Mundial de Clubes em 2012.

A tensão do jogo ficou evidente logo aos 10 minutos, quando Cahill quase marcou para o Chelsea, num chute defendido em grande estilo pelo goleiro Cássio, em cima da linha. O time inglês tentava tomar a iniciativa, mas aos poucos o Corinthians foi encaixando sua marcação e realizou boas jogadas no contra-ataque.

Guerrero liderava o ataque corinthiano, e por duas vezes encontrou Emerson Sheik, que não finalizou bem.

Segundo tempo

No segundo tempo, o Corinthians voltou melhor, dominando o meio-campo e chegou ao gol aos 23 minutos. O Chelsea não teve outra opção a não ser sair para o jogo e colocou Oscar em campo.


Torcida do Corinthians lotou estádio no Japão. (Assessoria da CBF)

A pressão aconteceu até os minutos finais e teve seu auge no gol em impedimento assinalado por Fernando Torres aos 46 minutos. O mesmo jogador já havia perdido uma chance incrível aos 40, que parou nas mãos de Cássio, eleito melhor jogador da partida. Nervoso, o Chelsea ainda encontrou tempo para perder um jogador. Cahil foi expulso por entrada forte em Emerson Sheik.

Alívio

Antes do apito final, o time inglês ainda realizou um último lance e acertou a trave. O autor do gol, nitidamente aliviado, exaltou o papel da torcida, que adquiriu a maior parte dos 68 mil ingressos vendidos. "Esse título é para eles. Eles vieram e encheram o estádio e todos eles merecem. É um bando de loucos, e todo mundo está louco agora. Vamos comemorar", disse Guerrero.

Com o título, o Corinthians se torna bicampeão mundial, já que venceu a edição do torneio de 2000. A equipe jogou com Cássio; Alessandro, Chicão, Paulo André e Fábio Santos; Ralf, Paulinho e Danilo; Jorge Henrique, Emerson (Wallace) e Guerrero (Martínez).

Já o Chelsea teve Cech, Ivanovic (Azpilicueta), Cahill, David Luiz e Cole; Ramires, Lampard, Moses (Oscar) e Mata; Hazard (Marko Marin) e Torres.

sábado, 1 de dezembro de 2012

FHC, segundo Pereio

Twitter - leia do último para o primeiro

Pereio ‏@Pereio1

Antes que eu me esqueça: Fernando Henrique Cardoso é um pré-cadáver.

Nenê vai nanar. Vou para minha caminha e FHC para seu sarcófago no cemitério chique de Higienópolis.
O FHC é quem defende a liberação da maconha e a Soninha se abre toda é para o Serra. Que moça ingrata!

FHC, antes que eu me esqueça de você, recordo uma frase lapidar do Palmério Dória: "FHC não assume em pé o que fez deitado".

Essa turma que incensa o pavão FHC é Arruda Botelho Bueno Vidigal Matarazzo Bulhões Cunha Ulhôa Almeida Prado. PQP! Mas são todos quebrados!

Respeito até o mentiroso, o debiloide, um cretino com ideia fixa (tipo Serra). Mas não aceito cinismo. Nunca fui cínico e o FHC é um cínico.

Um sujeito que faz carreira como sociólogo de esquerda, respeitado e incensado, chega ao poder e pede "esqueçam o que eu escrevi", presta?

Só a elite paulistana, decadente, ridícula, quatrocentona de merda, pra achar que um presidente que quebrou o país vale alguma coisa, xxxxx!

FHC, o seu sepulcro é caiado.

E o avião presidencial, levando o Paulo Henrique Cardoso, mulher e filhas para passear em Punta del Este? Já se esqueceram dessa esbórnia?

Centenas de conversas telefônicas entre Eduardo Jorge, braço-direito de FHC, e o juiz Lalau, aquele corruptaço. Eram "republicanas"? Xxxxx!

Foi, também, no gov. FHC que um grampo mostrou conversas entre ele, André Lara Resende, Mendonção, direcionando a privatização da telefonia.

No governo do FHC um grampo pegou o embaixador Júlio César Santos, seu homem de confiança, se corrompendo. Foi na CPI do Sivam e caiu.

FHC, volta para o seu mausoléu de luxo, volta.

Entregar a guarda do filho não assumido e da amante fugitiva para empresas e empresários é que é confundir o público com o privado.

Governo FHC: a mulher, o filho, a filha e o genro. E quem confunde o público com o privado é o Lula, sem um parente no governo. Que cínico!

Recordar é viver: quem revelou as contas escandalosas da Comunidade Solidária, brinquedo da falecida Ruth, foi o tucano Álvaro Dias, xxxxx!

Luciana Cardoso, a mulher mais mal-educada da República, foi secretaria de qual presidente? Do Lula? Não! Do paizão FHC.E o Lula é o aético?

David Zulberstajn, um esperto que foi presidente-dono da Agência Nacional do Petróleo no governo de FHC, era genro do Lula? Não! Era de FHC!

FHC diz que Lula confunde o público com privado.Paulo Henrique Cardoso, que torrou + de US$ 20 milhões na Feira de Hannover é filho de Lula?

FHC, aquele senhor simpático que protagonizou três quebradeiras do Brasil, criticando o PIB da Dilma. Tá faltando espelho para o Narciso.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O que é o PIG?

"Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PIG, Partido da Imprensa Golpista." Paulo Henrique Amorim.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O irresponsável envolvimento de meu nome em escândalos

Blog do Zé Dirceu
Publicado em 28-Nov-2012

Por várias vezes em anos recentes, a imprensa vinculou-me a escândalos que, depois de concluídas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nada tinha a ver com tais episódios. Meu nome nem sequer figurou como testemunha nestes processos.

Foi assim pelo menos seis vezes: nos casos Celso Daniel; MSI-Corinthians; Eletronet; Operação Satiagraha; Carlos Alberto Bejani, ex-prefeito de Juiz de Fora (MG), do PTB; e Alberto Mourão, ex-prefeito de Praia Grande (SP), do PSDB.

Em alguns desses casos – como Bejani, Eletronet e Satiagraha –, meu nome foi parar no noticiário das TVs. Repito: encerradas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nunca tive ligações com nada disso.

Agora, a história se repete

A partir de declarações de Cyonil Borges, ex-auditor do TCU sob investigação da Polícia Federal na Operação Porto Seguro, que apura denúncias relacionadas a Paulo Vieira (ex-diretor da Agência Nacional de Águas-ANA), de novo sou envolvido. Gratuitamente. Irresponsavelmente, como das outras vezes. As investigações ainda estão em curso e meu nome já é escandalosamente noticiado como relacionado ao caso.

Não custa recordar que Francisco Daniel, irmão do ex-prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, fez o mesmo: acusou-me de beneficiário de esquema de corrupção que teria havido em Santo André. Quando o processei por calúnia, ele afirmou em juízo que ouvira de terceiros que eu era o destinatário de recursos financeiros ilegais para campanhas eleitorais do PT.

Francisco Daniel retratou-se, de forma cabal e indiscutível na Justiça. Mas isso praticamente não foi noticiado pela imprensa. E continua sem ser noticiado quando a mídia com frequência volta ao caso Celso Daniel. Ela repete a acusação que me foi feita por Francisco, sem registrar – ou fazendo-o sem o menor destaque – que ele se retratou.

Assim foi em todos os demais casos que lembrei. Envolvem meu nome no noticiário com o maior estardalhaço, mas encerrados a "temporada" e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim – pelo contrário, as investigações terem concluído que eu não tive o menor envolvimento com o caso em pauta.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Collor chama presidente da Abril de chefe de tentáculo de rede criminosa

Publicado em Terça, 27 Novembro 2012 23:50 Escrito por Daniel Pearl


Reproduzido R7: O senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL) protocolou nesta segunda-feira (26) um pedido para que o relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Cachoeira, o deputado Odair Cunha (PT/MG), recomende o indiciamento de mais seis pessoas ligadas ao grupo Abril pelo crime de formação de quadrilha. Entre elas está o presidente do conglomerado de mídia, Roberto Civita.

Em um dos trechos do pedido, Collor chega a chamar o empresário de "chefe maior desse tentáculo da rede criminosa", em alusão ao envolvimento e troca de favores relatados pelos parlamentares entre a equipe do semanário e Carlinhos Cachoeira.
Os dirigentes e jornalistas ligados à revista Veja que estão na requisição ampliam o rol de profissionais que teriam ligação com o bando de Cachoeira. São eles Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração da Editora Abril, Eurípedes Alcântara, diretor de redação da revista Veja, Lauro Jardim, redator-chefe da revista, Hugo Marques, jornalista de política da publicação, Rodrigo Rangel, jornalista ligado a Policarpo Júnior, e Gustavo Ribeiro, repórter da área de política da publicação.
O material ainda deve ser apreciado por outros parlamentares, e sua requisição tem de ser votada pelos políticos para que os nomes sejam incluídos no relatório final da CPI. O texto também recomenda que sejam incluídos na lista de pedidos de indiciamentos pessoas ligadas à Procuradoria-Geral da República.

O desafio da inclusão das periferias

Por Assis Ribeiro
Da Carta Maior

Periferias: um desafio para as cidades

Roberto Ghione

A falta de dignificação das periferias, a ausência do poder público democrático e organizado, o tratamento dos moradores como cidadãos de segunda abrem o caminho para o crime organizado e alteram o normal desenvolvimento urbano. As cidades brasileiras só terão um nível de desenvolvimento consistente com a implementação de ações estratégicas orientadas a valorizar e dignificar as periferias, áreas carentes e degradadas. O artigo é de Roberto Ghione.

As cidades brasileiras só terão um nível de desenvolvimento consistente com a implementação de ações estratégicas orientadas a valorizar e dignificar as periferias, áreas carentes e degradadas. Colocar as periferias no centro de uma gestão urbana é um dos pilares para o desenvolvimento com inclusão social, integração urbana e o início da solução para a violência que as atormenta.

Enquanto o crescimento persistir atrelado aos empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais excludentes, fechados ao espaço público e ao convívio cidadão, as cidades continuarão afundando no atual clima de violência e desintegração social, ao mesmo tempo que incentivam o colapso da imobilidade, por se tratarem de intervenções totalmente dependentes do uso do automóvel.

A falta de dignificação das periferias, a ausência do poder público democrático e organizado, o tratamento dos moradores como cidadãos de segunda abrem o caminho para o crime organizado e alteram o normal desenvolvimento urbano.

O urbanismo tem muito para contribuir, quando implementado com inteligência, sensibilidade social, criatividade, participação e decisão política comprometida com a defesa do interesse geral da sociedade.

Obras públicas de qualidade - concebidas democrática e participativamente mediante concursos públicos -, saneamento e infraestrutura, mobiliário urbano digno, calçadas transitáveis, arborização, redes de ciclovias, estímulos para a melhoria das condições de moradia, transporte público eficiente e qualificado, restrições ao uso do automóvel, revitalização das áreas centrais, promoção dos usos mistos e da apropriação dos espaços públicos pelas pessoas, valorização do patrimônio arquitetônico, cultural e ambiental são ações de rigor para qualquer planificação de desenvolvimento social e urbano assumida com o real interesse e compromisso de promover uma efetiva melhoria nas cidades.

Cabe ao poder público, conjuntamente com a sociedade organizada, a inteligência necessária para enxergar no urbanismo grande parte das soluções. Cabe aos urbanistas fazermos ouvir nossa voz com propostas estratégicas de desenvolvimento urbano inclusivo, estimulante do convívio cidadão e da apropriação das cidades por pedestres, como acontece no mundo civilizado.

Cabe à sociedade pensante e formadora de opinião colocarmos no centro do problema urbanístico brasileiro, se queremos deixar de ser periferia do mundo civilizado. No momento em que o Brasil apresenta indicadores significativos de crescimento econômico no mundo globalizado, resulta prioritário considerar o desenvolvimento urbano e social inclusivo, prestigiando os setores mais carentes, em um caminho que vai da periferia ao centro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Un ejemplo de líder y de país

Do El País

Bruno Ayllón Pino

Fui uno de los afortunados que participó en el seminario Brasil, por la senda del crecimientoorganizado por EL PAÍS en el contexto de la visita de la presidenta Dilma Rousseff.

Me considero una persona racional y científica, pero no pude contener la emoción al escuchar el discurso de la presidenta y al procesar mentalmente todos los avances de aquel país que pisé por primera vez hace más de 25 años.

Y sentí también una envidia sana. De una presidenta con visión estratégica, con personalidad, afirmativa y altanera sin pretenciosidad. De un país pujante, que confía en sus capacidades y recursos, que planifica elementos centrales del crecimiento económico, la inclusión social y la proyección exterior. Toda una experiencia de desarrollo y de presencia soberana en el mundo que nuestra pobre España debería conocer y aplicar.

Nos faltan gobernantes con grandeza de miras, sin complejos ni ambigüedades, que lideren un proceso de reflexión y acción participativa para pensarnos estratégicamente como ciudadanos españoles en este siglo XXI en el que no sabemos como sociedad hacia dónde queremos caminar. Sin rumbo y sin planificación, cualquier camino nos conducirá a ningún lugar. Necesitamos “empaparnos” del ejemplo brasileño y de sus políticas y experiencias.— Bruno Ayllón Pino.

sábado, 24 de novembro de 2012

Ação penal 470: sem provas e sem teoria

LUIZ MOREIRA,
na Folha de S. Paulo

Judiciário em democracia tem de ser garantista. O STF ignorou essa tradição. Direito penal com deduções não deve existir, por mais clamor popular que exista

Em 11 de novembro, a Folha publicou entrevista com o jurista Claus Roxin em que são estabelecidas duas premissas para a atuação do Judiciário em matéria penal. Uma é a comprovação da autoria para designar o dolo. A outra é e que o Judiciário, nas democracias, é garantista.

Roxin consubstancia essas premissas nas seguintes afirmações:

1) "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados."

2) "É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito".

Na seara penal, portanto, o Judiciário age como a instância que garante as liberdades dos cidadãos, exigindo que o acusador demonstre de forma inequívoca o que alega.

Assim, atribui-se ao Judiciário o desempenho de um papel previamente estabelecido, pelo qual "fazer justiça" significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Com Roxin, sustento que cabe ao Judiciário se circunscrever ao cumprimento de seu papel constitucional, de se distanciar da tentativa de se submeter ao clamor popular e de aplicar aos jurisdicionados os direitos e as garantias fundamentais.

Nesse sentido, penso que, durante o julgamento da ação penal 470, o STF se distanciou do papel que lhe foi confiado pela Constituição de 1988, optando em adotar uma posição não garantista, contornando uma tradição liberal que remonta à Revolução Francesa.

Esses equívocos conceituais transformaram, no meu entender, a ação penal 470 num processo altamente sujeito a contestações várias, pois o STF não adotou corretamente nem sequer o domínio do fato como fundamento teórico apropriado. Tais vícios, conceitual e metodológico, se efetivaram do seguinte modo:

1) O relator criou um paralelo entre seu voto e um silogismo, utilizando-se do mesmo método da acusação. O relator vinculou o consequente ao antecedente, presumindo-se assim a culpabilidade dos réus.

2) Em muitas ocasiões no julgamento, foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou em que prova o dolo foi demonstrado.

Por isso, partiu-se para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Foi substituída a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, em que não se delineia a acusação a cada um dos réus nem as provas, limitando-se a inseri-los numa narrativa para chegar à conclusão de suas condenações em blocos.

3) Por fim, como demonstrado na entrevista de Roxin, como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil.

A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo realmente acontecera. Ocorre que essas deduções são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, inaplicável ao direto penal.

-

LUIZ MOREIRA, 43, doutor em direito e mestre em filosofia pela UFMG, é diretor acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Presidenta Dilma nomeia, para a Marinha, a primeira mulher oficial-general


Presidenta assina promoção da primeira mulher almirante. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidenta Dilma Rousseff assinou nesta sexta-feira (23) a promoção da primeira mulher a ocupar a patente de oficial general da história das Forças Armadas. Dalva Maria Carvalho Mendes, oficial da Marinha, foi promovida do posto de capitão-de-mar e guerra (equivalente a coronel, no Exército), para o de contra-almirante (equivalente a general de duas estrelas).

A nova oficial-general receberá a platina correspondente a seu novo posto na próxima segunda-feira (26), em cerimônia no Rio de Janeiro, quando sairão publicadas no Diário Oficial da União as promoções dos novos oficiais graduados da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Contra-almirante Dalva Maria. Foto: Divulgação/ Marinha

Nascida no Rio de Janeiro, em março de 1956, Dalva ingressou na Marinha em 1981, na primeira turma do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha. A oficial trabalhou de 1981 até 2009 no Hospital Marcílio Dias, chegando ao cargo de vice-diretora.

Atualmente, ela exerce a função de diretora da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória. Dalva ainda possui o Título Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia, e as condecorações Ordem do Mérito Naval, Medalha Mérito Tamandaré e Medalha Militar com Passador de Ouro.

Participação feminina nas Forças Armadas

Desde 1980, quando foi iniciada a participação feminina na Marinha, diversos dispositivos legais ampliaram a atuação na Força. Hoje, chegam a 5.815 mulheres, que podem participar do Corpo de Engenheiros, do Corpo de Saúde, de Intendentes, dos Quadros Técnicos, Auxiliar da Armada do Corpo Auxiliar, do Corpo Auxiliar de Praças e do Quadro de Músicos do Corpo de Praças de Fuzileiros Navais.

No Exército, atuam hoje 6.700 mulheres. E a participação deve aumentar com a sanção pela presidenta Dilma Rousseff, em agosto deste ano, da Lei nº 12.705, que permite o ingresso de militares do sexo feminino na linha bélica do Exército.O ingresso acontece desde a década de 90, com profissionais das áreas de administração, saúde e engenharia. A Escola de Administração da Força, em Salvador (BA), formou em 1992 a primeira turma de oficiais. Quatro anos depois, foi instituído o Serviço Militar Feminino Voluntário para médicas, farmacêuticas, dentistas, veterinárias e enfermeiras que ampliou espaço para a atuação feminina. Em 1996, o Instituto Militar de Engenharia (IME) recebeu as primeiras mulheres no quadro de engenheiros militares.

A Aeronáutica comemora 30 anos do ingresso das primeiras mulheres na instituição, chegando a 9.927 hoje. A tenente-aviadora Carla Alexandre Borges se tornou, em 2011, a primeira aviadora a assumir o comando de uma aeronave de caça de primeira linha da Força Aérea, o modelo A-1 (AMX); e a tenente Juliana Barcellos Silva, da primeira turma de aviadoras da Academia da Força Aérea (AFA), foi a primeira a assumir a função de instrutora. O ingresso feminino no Quadro de Oficiais Intendentes foi autorizado em 1995, e, em 2003, a academia recebeu as primeiras mulheres para o Curso de Formação de Oficiais Aviadores.

Lula com blogueiros no final de seu governo

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Joaquim Barbosa determina oitiva de testemunhas do 'Mensalão do PSDB"

Do UOL, em Brasília

O ministro Joaquim Barbosa, presidente interino do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que as testemunhas do mensalão do PSDB, o chamado "Mensalão do PSDB", comecem a ser ouvidas. A informação havia sido antecipada pela colunista Monica Bergamo, da "Folha de S.Paulo" e foi confirmada na tarde desta quarta-feira pelo STF.

Ao todo, oito testemunhas serão ouvidas por juízes federais, sendo seis em Belo Horizonte (MG), uma em Jaboatão dos Guararapes (PE) e uma em Fortaleza (CE). As testemunhas de acusação já foram ouvidas.
No Supremo o processo é conhecido como ação penal 536. Joaquim Barbosa, relator do mensalão, relata também este processo, mas deve deixar o processo para o magistrado que assumirá no lugar do ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou ao completar 70 anos.

De acordo com Barbosa, o juízo de Belo Horizonte deverá ouvir as seis testemunhas no prazo de 40 dias, contados a partir do dia do recebimento da carta de ordem. No segundo dia subsequente à oitiva da última testemunha em Belo Horizonte ou dois dias depois do prazo de 40 dias, o juízo de Jaboatão dos Guararapes deverá iniciar a oitiva da testemunha. Em seguida, o mesmo ocorrerá em Fortaleza, para o depoimento também de uma testemunha.

O relator destacou que, de acordo a jurisprudência do Supremo, a defesa será considerada intimada no momento da publicação do despacho, “a partir do qual caberá exclusivamente às partes acompanhar o andamento e as datas das oitivas junto aos competentes juízos delegatários, sem necessidade de outras intimações”. Assim que forem agendadas, as oitivas deverão ser comunicadas ao gabinete do relator.

No caso do mensalão do PSDB, o processo foi desmembrado. Apenas o atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), por terem foro privilegiado, são julgados pelo Supremo pela suposta prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

A denúncia foi recebida pelo Supremo em 3 de dezembro de 2009, momento em que o parlamentar passou da condição de investigado em inquérito à de réu na ação penal.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Poderosos e “poderosos” no mensalão

07:46, 16/11/2012
REVISTA ÉPOCA
PAULO MOREIRA LEITE

Num esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram condenados “poderosos…”

Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.

Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes.

Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.

“Poderosos?” Vai até o Butantã ver a casa do Genoíno…

Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas, com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo) e nada.

Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.

É da tradição. Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.

É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…

Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.

Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.

Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento?

Isso aconteceu com Dirceu em 1968.

Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.

Já viu poderoso entregar passaporte?

Já viu foto dele com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?

Poderoso? Se Dirceu fosse sem aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.

Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.

Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.

Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.

Poderoso é quem faz isso.

Escolhe quem vai para a forca.

“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.

Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.

O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.

Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…

Por isso fala-se em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.

Trocando votos por sapatos, dentadura…

Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.

Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.

Também diga quando ele vendeu e para que.

Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.

Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.

Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.

O Poder é capaz de malabarismos e disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…

Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.

Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores, o que já está ficando chato

Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.

Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…

Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…

Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…

Isso não se faz com poderosos.

Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.

Engano.

Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”

Bobagem pensar em justiça compensatória.

Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.

Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.

Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos? Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível, onipresente, assim deseja.

Sem ilusões.

Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.

Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.

E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…

E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Condenado sem domínio nem fato

PAULO MOREIRA LEITE,
Revista Época

O futuro dirá o que aconteceu hoje, no Supremo Tribunal Federal.

O primeiro cidadão brasileiro condenado por corrupção ativa num processo de repercussão nacional se chama José Dirceu de Oliveira.

Foi líder estudantil em 1968, combateu a ditadura militar, teve um papel importante na organização da campanha pelas diretas-já e foi um dos construtores do PT, partido que em 2010 conseguiu um terceiro mandato consecutivo para governar o país.

Pela decisão, irá cumprir um sexto da pena em regime fechado, em cela de presos comuns.

O sigilo fiscal e bancário de Dirceu foi quebrado várias vezes. Nada se encontrou de irregular, nem de suspeito.

Ficará numa cela em companhia de assaltantes, ladrões, traficantes de drogas.

Vamos raciocinar como cidadãos. Ninguém pode fazer o que quer só porque tem uma boa biografia.

Para entender o que aconteceu, vamos ouvir o que diz Claus Roxin, um dos criadores da teoria do domínio do fato – aquela que foi empregada pelo STF para condenar Dirceu. A Folha publicou, ontem, uma entrevista de Roxin.

Os trechos mais importantes você pode ler aqui:

É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?

Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.

O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?

A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori (Alberto Fujimori, presidente do Peru, condenado por tortura e execução de presos políticos ) por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.

A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?

Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.

Acho que não é preciso dizer muito mais, concorda?

Não há, no inquérito da Polícia Federal, nenhuma prova contra Dirceu. Roberto Jefferson acusou Dirceu na CPI, na entrevista para a Folha, na Comissão de Ética. Mas além de dizer que era o chefe, que comandava tudo, o que mais ele contou? Nenhum fato. Chato né?

Como disse Roxin, não basta. A “pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem.”

Chegaram a dizer – na base da conversa, do diz-que-diz — que Marcos Valério teria ajuda dele para levantar a intervenção num banco e assim ganhar milhões de reais. Seria a ordem? Falso. Valério foi 17 vezes ao Banco Central para tentar fazer o negócio e voltou de mãos vazias. Era assim “controle” de que fala Claus Roxin?

Também disseram que Dirceu mandou Valério para Portugal para negociar a venda da Telemig com a Portugal Telecom. Seria a “prova?”

O múltiplo Valério estava a serviço de Daniel Dantas, que sequer tornou-se réu no inquérito 470.

Repito: o passado não deve livrar a cara de ninguém. Todos tem deveres e obrigações com a lei, que deve ser igual para todos.

Acho que o procurador Roberto Gurgel tinha a obrigação de procurar provas e indícios contra cada um dos réus e assim apresentar sua denúncia. É este o seu dever. Acusar – as vezes exageradamente – para não descartar nenhuma possibilidade de crime e de erro.

Mas o que se vê, agora, é outra coisa.

A teoria do domínio do fato foi invocada quando se viu que não era possível encontrar provas contra determinados réus. Sem ela, o pessoal iria fazer a defesa na tribuna do Supremo e correr para o abraço.

Com a noção de domínio do fato, a situação se modificou. Abriu-se uma chance para a acusação provar seu ponto.

O problema: cadê a ordem de Dirceu? Quando ele a deu? Para quem?

Temos, uma denúncia sem nome, sem horário, sem data. Pode?

Provou-se o que se queria provar, desde o início. A tese de que os deputados foram comprados, subornados, alugados, para dar maioria ao governo no Congresso.

É como se, em Brasília, não houvesse acordo político, nem aliança – que sempre envolve partidos diferentes e até opostos.

Nessa visão, procura-se criminalizar a política, apresenta-la como atividade de quadrilhas e de bandidos.

É inacreditável.

Temos os governos mais populares da história e nossos ministros querem nos convencer de que tudo não passou de um caso de corrupção.

Chegam a sugerir que a suposta compra de votos representa um desvio na vontade do eleitor.

Precisam combinar com os russos – isto é, os eleitores, que não param de dizer que aprovam o governo.

Ninguém precisa se fazer de bobo, aqui. Dirceu era o alvo político.

O resultado do julgamento seria um com sua condenação. Seria outro, com sua absolvição.

Só não vale, no futuro, dizer que essa decisão se baseou no clamor público. Este argumento é ruim, lembra o mestre alemão, mas não se aplica no caso.

Tivemos um clamor publicado, em editoriais e artigos de boa parte da imprensa. Mas o público ignorou o espetáculo, solenemente.

Não tivemos nem passeatinha na Praça dos 3 Poderes – e olhe que não faltaram ensaios e sugestões, no início do julgamento…

Mesmo o esforço para combinar as primeiras condenações com as eleições não trouxe maiores efeitos.

Em sua infinita e muitas vezes incompreendida sabedoria, o eleitor aprendeu a separar uma coisa da outra.