sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O que é o PIG?

"Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PIG, Partido da Imprensa Golpista." Paulo Henrique Amorim.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O irresponsável envolvimento de meu nome em escândalos

Blog do Zé Dirceu
Publicado em 28-Nov-2012

Por várias vezes em anos recentes, a imprensa vinculou-me a escândalos que, depois de concluídas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nada tinha a ver com tais episódios. Meu nome nem sequer figurou como testemunha nestes processos.

Foi assim pelo menos seis vezes: nos casos Celso Daniel; MSI-Corinthians; Eletronet; Operação Satiagraha; Carlos Alberto Bejani, ex-prefeito de Juiz de Fora (MG), do PTB; e Alberto Mourão, ex-prefeito de Praia Grande (SP), do PSDB.

Em alguns desses casos – como Bejani, Eletronet e Satiagraha –, meu nome foi parar no noticiário das TVs. Repito: encerradas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nunca tive ligações com nada disso.

Agora, a história se repete

A partir de declarações de Cyonil Borges, ex-auditor do TCU sob investigação da Polícia Federal na Operação Porto Seguro, que apura denúncias relacionadas a Paulo Vieira (ex-diretor da Agência Nacional de Águas-ANA), de novo sou envolvido. Gratuitamente. Irresponsavelmente, como das outras vezes. As investigações ainda estão em curso e meu nome já é escandalosamente noticiado como relacionado ao caso.

Não custa recordar que Francisco Daniel, irmão do ex-prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, fez o mesmo: acusou-me de beneficiário de esquema de corrupção que teria havido em Santo André. Quando o processei por calúnia, ele afirmou em juízo que ouvira de terceiros que eu era o destinatário de recursos financeiros ilegais para campanhas eleitorais do PT.

Francisco Daniel retratou-se, de forma cabal e indiscutível na Justiça. Mas isso praticamente não foi noticiado pela imprensa. E continua sem ser noticiado quando a mídia com frequência volta ao caso Celso Daniel. Ela repete a acusação que me foi feita por Francisco, sem registrar – ou fazendo-o sem o menor destaque – que ele se retratou.

Assim foi em todos os demais casos que lembrei. Envolvem meu nome no noticiário com o maior estardalhaço, mas encerrados a "temporada" e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim – pelo contrário, as investigações terem concluído que eu não tive o menor envolvimento com o caso em pauta.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Collor chama presidente da Abril de chefe de tentáculo de rede criminosa

Publicado em Terça, 27 Novembro 2012 23:50 Escrito por Daniel Pearl


Reproduzido R7: O senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL) protocolou nesta segunda-feira (26) um pedido para que o relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Cachoeira, o deputado Odair Cunha (PT/MG), recomende o indiciamento de mais seis pessoas ligadas ao grupo Abril pelo crime de formação de quadrilha. Entre elas está o presidente do conglomerado de mídia, Roberto Civita.

Em um dos trechos do pedido, Collor chega a chamar o empresário de "chefe maior desse tentáculo da rede criminosa", em alusão ao envolvimento e troca de favores relatados pelos parlamentares entre a equipe do semanário e Carlinhos Cachoeira.
Os dirigentes e jornalistas ligados à revista Veja que estão na requisição ampliam o rol de profissionais que teriam ligação com o bando de Cachoeira. São eles Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração da Editora Abril, Eurípedes Alcântara, diretor de redação da revista Veja, Lauro Jardim, redator-chefe da revista, Hugo Marques, jornalista de política da publicação, Rodrigo Rangel, jornalista ligado a Policarpo Júnior, e Gustavo Ribeiro, repórter da área de política da publicação.
O material ainda deve ser apreciado por outros parlamentares, e sua requisição tem de ser votada pelos políticos para que os nomes sejam incluídos no relatório final da CPI. O texto também recomenda que sejam incluídos na lista de pedidos de indiciamentos pessoas ligadas à Procuradoria-Geral da República.

O desafio da inclusão das periferias

Por Assis Ribeiro
Da Carta Maior

Periferias: um desafio para as cidades

Roberto Ghione

A falta de dignificação das periferias, a ausência do poder público democrático e organizado, o tratamento dos moradores como cidadãos de segunda abrem o caminho para o crime organizado e alteram o normal desenvolvimento urbano. As cidades brasileiras só terão um nível de desenvolvimento consistente com a implementação de ações estratégicas orientadas a valorizar e dignificar as periferias, áreas carentes e degradadas. O artigo é de Roberto Ghione.

As cidades brasileiras só terão um nível de desenvolvimento consistente com a implementação de ações estratégicas orientadas a valorizar e dignificar as periferias, áreas carentes e degradadas. Colocar as periferias no centro de uma gestão urbana é um dos pilares para o desenvolvimento com inclusão social, integração urbana e o início da solução para a violência que as atormenta.

Enquanto o crescimento persistir atrelado aos empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais excludentes, fechados ao espaço público e ao convívio cidadão, as cidades continuarão afundando no atual clima de violência e desintegração social, ao mesmo tempo que incentivam o colapso da imobilidade, por se tratarem de intervenções totalmente dependentes do uso do automóvel.

A falta de dignificação das periferias, a ausência do poder público democrático e organizado, o tratamento dos moradores como cidadãos de segunda abrem o caminho para o crime organizado e alteram o normal desenvolvimento urbano.

O urbanismo tem muito para contribuir, quando implementado com inteligência, sensibilidade social, criatividade, participação e decisão política comprometida com a defesa do interesse geral da sociedade.

Obras públicas de qualidade - concebidas democrática e participativamente mediante concursos públicos -, saneamento e infraestrutura, mobiliário urbano digno, calçadas transitáveis, arborização, redes de ciclovias, estímulos para a melhoria das condições de moradia, transporte público eficiente e qualificado, restrições ao uso do automóvel, revitalização das áreas centrais, promoção dos usos mistos e da apropriação dos espaços públicos pelas pessoas, valorização do patrimônio arquitetônico, cultural e ambiental são ações de rigor para qualquer planificação de desenvolvimento social e urbano assumida com o real interesse e compromisso de promover uma efetiva melhoria nas cidades.

Cabe ao poder público, conjuntamente com a sociedade organizada, a inteligência necessária para enxergar no urbanismo grande parte das soluções. Cabe aos urbanistas fazermos ouvir nossa voz com propostas estratégicas de desenvolvimento urbano inclusivo, estimulante do convívio cidadão e da apropriação das cidades por pedestres, como acontece no mundo civilizado.

Cabe à sociedade pensante e formadora de opinião colocarmos no centro do problema urbanístico brasileiro, se queremos deixar de ser periferia do mundo civilizado. No momento em que o Brasil apresenta indicadores significativos de crescimento econômico no mundo globalizado, resulta prioritário considerar o desenvolvimento urbano e social inclusivo, prestigiando os setores mais carentes, em um caminho que vai da periferia ao centro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Un ejemplo de líder y de país

Do El País

Bruno Ayllón Pino

Fui uno de los afortunados que participó en el seminario Brasil, por la senda del crecimientoorganizado por EL PAÍS en el contexto de la visita de la presidenta Dilma Rousseff.

Me considero una persona racional y científica, pero no pude contener la emoción al escuchar el discurso de la presidenta y al procesar mentalmente todos los avances de aquel país que pisé por primera vez hace más de 25 años.

Y sentí también una envidia sana. De una presidenta con visión estratégica, con personalidad, afirmativa y altanera sin pretenciosidad. De un país pujante, que confía en sus capacidades y recursos, que planifica elementos centrales del crecimiento económico, la inclusión social y la proyección exterior. Toda una experiencia de desarrollo y de presencia soberana en el mundo que nuestra pobre España debería conocer y aplicar.

Nos faltan gobernantes con grandeza de miras, sin complejos ni ambigüedades, que lideren un proceso de reflexión y acción participativa para pensarnos estratégicamente como ciudadanos españoles en este siglo XXI en el que no sabemos como sociedad hacia dónde queremos caminar. Sin rumbo y sin planificación, cualquier camino nos conducirá a ningún lugar. Necesitamos “empaparnos” del ejemplo brasileño y de sus políticas y experiencias.— Bruno Ayllón Pino.

sábado, 24 de novembro de 2012

Ação penal 470: sem provas e sem teoria

LUIZ MOREIRA,
na Folha de S. Paulo

Judiciário em democracia tem de ser garantista. O STF ignorou essa tradição. Direito penal com deduções não deve existir, por mais clamor popular que exista

Em 11 de novembro, a Folha publicou entrevista com o jurista Claus Roxin em que são estabelecidas duas premissas para a atuação do Judiciário em matéria penal. Uma é a comprovação da autoria para designar o dolo. A outra é e que o Judiciário, nas democracias, é garantista.

Roxin consubstancia essas premissas nas seguintes afirmações:

1) "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados."

2) "É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito".

Na seara penal, portanto, o Judiciário age como a instância que garante as liberdades dos cidadãos, exigindo que o acusador demonstre de forma inequívoca o que alega.

Assim, atribui-se ao Judiciário o desempenho de um papel previamente estabelecido, pelo qual "fazer justiça" significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Com Roxin, sustento que cabe ao Judiciário se circunscrever ao cumprimento de seu papel constitucional, de se distanciar da tentativa de se submeter ao clamor popular e de aplicar aos jurisdicionados os direitos e as garantias fundamentais.

Nesse sentido, penso que, durante o julgamento da ação penal 470, o STF se distanciou do papel que lhe foi confiado pela Constituição de 1988, optando em adotar uma posição não garantista, contornando uma tradição liberal que remonta à Revolução Francesa.

Esses equívocos conceituais transformaram, no meu entender, a ação penal 470 num processo altamente sujeito a contestações várias, pois o STF não adotou corretamente nem sequer o domínio do fato como fundamento teórico apropriado. Tais vícios, conceitual e metodológico, se efetivaram do seguinte modo:

1) O relator criou um paralelo entre seu voto e um silogismo, utilizando-se do mesmo método da acusação. O relator vinculou o consequente ao antecedente, presumindo-se assim a culpabilidade dos réus.

2) Em muitas ocasiões no julgamento, foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou em que prova o dolo foi demonstrado.

Por isso, partiu-se para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Foi substituída a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, em que não se delineia a acusação a cada um dos réus nem as provas, limitando-se a inseri-los numa narrativa para chegar à conclusão de suas condenações em blocos.

3) Por fim, como demonstrado na entrevista de Roxin, como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil.

A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo realmente acontecera. Ocorre que essas deduções são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, inaplicável ao direto penal.

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LUIZ MOREIRA, 43, doutor em direito e mestre em filosofia pela UFMG, é diretor acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Presidenta Dilma nomeia, para a Marinha, a primeira mulher oficial-general


Presidenta assina promoção da primeira mulher almirante. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidenta Dilma Rousseff assinou nesta sexta-feira (23) a promoção da primeira mulher a ocupar a patente de oficial general da história das Forças Armadas. Dalva Maria Carvalho Mendes, oficial da Marinha, foi promovida do posto de capitão-de-mar e guerra (equivalente a coronel, no Exército), para o de contra-almirante (equivalente a general de duas estrelas).

A nova oficial-general receberá a platina correspondente a seu novo posto na próxima segunda-feira (26), em cerimônia no Rio de Janeiro, quando sairão publicadas no Diário Oficial da União as promoções dos novos oficiais graduados da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Contra-almirante Dalva Maria. Foto: Divulgação/ Marinha

Nascida no Rio de Janeiro, em março de 1956, Dalva ingressou na Marinha em 1981, na primeira turma do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha. A oficial trabalhou de 1981 até 2009 no Hospital Marcílio Dias, chegando ao cargo de vice-diretora.

Atualmente, ela exerce a função de diretora da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória. Dalva ainda possui o Título Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia, e as condecorações Ordem do Mérito Naval, Medalha Mérito Tamandaré e Medalha Militar com Passador de Ouro.

Participação feminina nas Forças Armadas

Desde 1980, quando foi iniciada a participação feminina na Marinha, diversos dispositivos legais ampliaram a atuação na Força. Hoje, chegam a 5.815 mulheres, que podem participar do Corpo de Engenheiros, do Corpo de Saúde, de Intendentes, dos Quadros Técnicos, Auxiliar da Armada do Corpo Auxiliar, do Corpo Auxiliar de Praças e do Quadro de Músicos do Corpo de Praças de Fuzileiros Navais.

No Exército, atuam hoje 6.700 mulheres. E a participação deve aumentar com a sanção pela presidenta Dilma Rousseff, em agosto deste ano, da Lei nº 12.705, que permite o ingresso de militares do sexo feminino na linha bélica do Exército.O ingresso acontece desde a década de 90, com profissionais das áreas de administração, saúde e engenharia. A Escola de Administração da Força, em Salvador (BA), formou em 1992 a primeira turma de oficiais. Quatro anos depois, foi instituído o Serviço Militar Feminino Voluntário para médicas, farmacêuticas, dentistas, veterinárias e enfermeiras que ampliou espaço para a atuação feminina. Em 1996, o Instituto Militar de Engenharia (IME) recebeu as primeiras mulheres no quadro de engenheiros militares.

A Aeronáutica comemora 30 anos do ingresso das primeiras mulheres na instituição, chegando a 9.927 hoje. A tenente-aviadora Carla Alexandre Borges se tornou, em 2011, a primeira aviadora a assumir o comando de uma aeronave de caça de primeira linha da Força Aérea, o modelo A-1 (AMX); e a tenente Juliana Barcellos Silva, da primeira turma de aviadoras da Academia da Força Aérea (AFA), foi a primeira a assumir a função de instrutora. O ingresso feminino no Quadro de Oficiais Intendentes foi autorizado em 1995, e, em 2003, a academia recebeu as primeiras mulheres para o Curso de Formação de Oficiais Aviadores.

Lula com blogueiros no final de seu governo

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Joaquim Barbosa determina oitiva de testemunhas do 'Mensalão do PSDB"

Do UOL, em Brasília

O ministro Joaquim Barbosa, presidente interino do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que as testemunhas do mensalão do PSDB, o chamado "Mensalão do PSDB", comecem a ser ouvidas. A informação havia sido antecipada pela colunista Monica Bergamo, da "Folha de S.Paulo" e foi confirmada na tarde desta quarta-feira pelo STF.

Ao todo, oito testemunhas serão ouvidas por juízes federais, sendo seis em Belo Horizonte (MG), uma em Jaboatão dos Guararapes (PE) e uma em Fortaleza (CE). As testemunhas de acusação já foram ouvidas.
No Supremo o processo é conhecido como ação penal 536. Joaquim Barbosa, relator do mensalão, relata também este processo, mas deve deixar o processo para o magistrado que assumirá no lugar do ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou ao completar 70 anos.

De acordo com Barbosa, o juízo de Belo Horizonte deverá ouvir as seis testemunhas no prazo de 40 dias, contados a partir do dia do recebimento da carta de ordem. No segundo dia subsequente à oitiva da última testemunha em Belo Horizonte ou dois dias depois do prazo de 40 dias, o juízo de Jaboatão dos Guararapes deverá iniciar a oitiva da testemunha. Em seguida, o mesmo ocorrerá em Fortaleza, para o depoimento também de uma testemunha.

O relator destacou que, de acordo a jurisprudência do Supremo, a defesa será considerada intimada no momento da publicação do despacho, “a partir do qual caberá exclusivamente às partes acompanhar o andamento e as datas das oitivas junto aos competentes juízos delegatários, sem necessidade de outras intimações”. Assim que forem agendadas, as oitivas deverão ser comunicadas ao gabinete do relator.

No caso do mensalão do PSDB, o processo foi desmembrado. Apenas o atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), por terem foro privilegiado, são julgados pelo Supremo pela suposta prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

A denúncia foi recebida pelo Supremo em 3 de dezembro de 2009, momento em que o parlamentar passou da condição de investigado em inquérito à de réu na ação penal.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Poderosos e “poderosos” no mensalão

07:46, 16/11/2012
REVISTA ÉPOCA
PAULO MOREIRA LEITE

Num esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram condenados “poderosos…”

Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.

Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes.

Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.

“Poderosos?” Vai até o Butantã ver a casa do Genoíno…

Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas, com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo) e nada.

Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.

É da tradição. Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.

É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…

Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.

Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.

Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento?

Isso aconteceu com Dirceu em 1968.

Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.

Já viu poderoso entregar passaporte?

Já viu foto dele com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?

Poderoso? Se Dirceu fosse sem aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.

Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.

Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.

Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.

Poderoso é quem faz isso.

Escolhe quem vai para a forca.

“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.

Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.

O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.

Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…

Por isso fala-se em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.

Trocando votos por sapatos, dentadura…

Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.

Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.

Também diga quando ele vendeu e para que.

Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.

Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.

Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.

O Poder é capaz de malabarismos e disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…

Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.

Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores, o que já está ficando chato

Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.

Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…

Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…

Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…

Isso não se faz com poderosos.

Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.

Engano.

Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”

Bobagem pensar em justiça compensatória.

Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.

Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.

Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos? Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível, onipresente, assim deseja.

Sem ilusões.

Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.

Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.

E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…

E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Condenado sem domínio nem fato

PAULO MOREIRA LEITE,
Revista Época

O futuro dirá o que aconteceu hoje, no Supremo Tribunal Federal.

O primeiro cidadão brasileiro condenado por corrupção ativa num processo de repercussão nacional se chama José Dirceu de Oliveira.

Foi líder estudantil em 1968, combateu a ditadura militar, teve um papel importante na organização da campanha pelas diretas-já e foi um dos construtores do PT, partido que em 2010 conseguiu um terceiro mandato consecutivo para governar o país.

Pela decisão, irá cumprir um sexto da pena em regime fechado, em cela de presos comuns.

O sigilo fiscal e bancário de Dirceu foi quebrado várias vezes. Nada se encontrou de irregular, nem de suspeito.

Ficará numa cela em companhia de assaltantes, ladrões, traficantes de drogas.

Vamos raciocinar como cidadãos. Ninguém pode fazer o que quer só porque tem uma boa biografia.

Para entender o que aconteceu, vamos ouvir o que diz Claus Roxin, um dos criadores da teoria do domínio do fato – aquela que foi empregada pelo STF para condenar Dirceu. A Folha publicou, ontem, uma entrevista de Roxin.

Os trechos mais importantes você pode ler aqui:

É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?

Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.

O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?

A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori (Alberto Fujimori, presidente do Peru, condenado por tortura e execução de presos políticos ) por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.

A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?

Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.

Acho que não é preciso dizer muito mais, concorda?

Não há, no inquérito da Polícia Federal, nenhuma prova contra Dirceu. Roberto Jefferson acusou Dirceu na CPI, na entrevista para a Folha, na Comissão de Ética. Mas além de dizer que era o chefe, que comandava tudo, o que mais ele contou? Nenhum fato. Chato né?

Como disse Roxin, não basta. A “pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem.”

Chegaram a dizer – na base da conversa, do diz-que-diz — que Marcos Valério teria ajuda dele para levantar a intervenção num banco e assim ganhar milhões de reais. Seria a ordem? Falso. Valério foi 17 vezes ao Banco Central para tentar fazer o negócio e voltou de mãos vazias. Era assim “controle” de que fala Claus Roxin?

Também disseram que Dirceu mandou Valério para Portugal para negociar a venda da Telemig com a Portugal Telecom. Seria a “prova?”

O múltiplo Valério estava a serviço de Daniel Dantas, que sequer tornou-se réu no inquérito 470.

Repito: o passado não deve livrar a cara de ninguém. Todos tem deveres e obrigações com a lei, que deve ser igual para todos.

Acho que o procurador Roberto Gurgel tinha a obrigação de procurar provas e indícios contra cada um dos réus e assim apresentar sua denúncia. É este o seu dever. Acusar – as vezes exageradamente – para não descartar nenhuma possibilidade de crime e de erro.

Mas o que se vê, agora, é outra coisa.

A teoria do domínio do fato foi invocada quando se viu que não era possível encontrar provas contra determinados réus. Sem ela, o pessoal iria fazer a defesa na tribuna do Supremo e correr para o abraço.

Com a noção de domínio do fato, a situação se modificou. Abriu-se uma chance para a acusação provar seu ponto.

O problema: cadê a ordem de Dirceu? Quando ele a deu? Para quem?

Temos, uma denúncia sem nome, sem horário, sem data. Pode?

Provou-se o que se queria provar, desde o início. A tese de que os deputados foram comprados, subornados, alugados, para dar maioria ao governo no Congresso.

É como se, em Brasília, não houvesse acordo político, nem aliança – que sempre envolve partidos diferentes e até opostos.

Nessa visão, procura-se criminalizar a política, apresenta-la como atividade de quadrilhas e de bandidos.

É inacreditável.

Temos os governos mais populares da história e nossos ministros querem nos convencer de que tudo não passou de um caso de corrupção.

Chegam a sugerir que a suposta compra de votos representa um desvio na vontade do eleitor.

Precisam combinar com os russos – isto é, os eleitores, que não param de dizer que aprovam o governo.

Ninguém precisa se fazer de bobo, aqui. Dirceu era o alvo político.

O resultado do julgamento seria um com sua condenação. Seria outro, com sua absolvição.

Só não vale, no futuro, dizer que essa decisão se baseou no clamor público. Este argumento é ruim, lembra o mestre alemão, mas não se aplica no caso.

Tivemos um clamor publicado, em editoriais e artigos de boa parte da imprensa. Mas o público ignorou o espetáculo, solenemente.

Não tivemos nem passeatinha na Praça dos 3 Poderes – e olhe que não faltaram ensaios e sugestões, no início do julgamento…

Mesmo o esforço para combinar as primeiras condenações com as eleições não trouxe maiores efeitos.

Em sua infinita e muitas vezes incompreendida sabedoria, o eleitor aprendeu a separar uma coisa da outra.

A sentença de um julgamento insólito

Por Eric Nepomuceno*

Com isso, caso se confirme a pena, José Dirceu terá que cumprir pelo menos um ano e nove meses de prisão em regime fechado, antes que possa solicitar a passagem para o regime semiaberto. Existe a possibilidade, bastante remota, de uma revisão de sua pena no final do julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal em Brasília. Seus advogados certamente recorrerão da sentença, mas com probabilidades igualmente remotas.

A sentença foi ditada ontem. Sete integrantes da Corte Suprema optaram pela pena mais dura, um pediu uma pena mais branda e outros dois optaram pela absolvição. José Genoino, presidente do PT no momento da denúncia, foi condenado a uma pena menor, de seis anos e sete meses. De acordo com a legislação brasileira, penas inferiores a oito anos podem ser cumpridas em regime semiabierto.

As penas, após as condenações, não surpreenderam. Desde o principio desse julgamento ficou clara a sanha da maioria dos juízes em satisfazer uma opinião pública altamente contagiada pelos grandes meios de comunicação, que condenaram Dirceu e Genoino de antemão e que agora se lançam sobre Lula. Prevaleceram inovações jurídicas no mais alto tribunal brasileiro, começando por colocar o ônus da prova não apenas em quem acusa, como também na defesa. Insinuações, supostos indícios, ilações, tudo passou a ser tão importante como as provas dos delitos de que eram acusados, que nunca surgiram. Dirceu foi condenado com base em um argumento singular: ocupando o posto que ocupava e tendo a influência que tinha, é impossível que não tenha sido o criador de um esquema de corrupção.

O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, primeiro negro a ocupar uma cadeira na máxima instância da Justiça brasileira, foi implacável em seu furor condenatório. De temperamento irascível, atropelando os colegas, exibindo um sarcasmo insólito, mencionou várias vezes a jurisprudência alemã, em especial o jurista Claus Roxin, de 81 anos, para justificar a aceitação de ausência de provas concretas ao se condenar mandantes de crimes.

No domingo passado, véspera da sentença, o mesmo Roxin se encarregou de esclarecer as coisas. Disse que sua teoria de “domínio do fato” havia sido mal interpretada por Barbosa. Para que a Justiça seja justa, é necessário sim, apresentar provas concretas.

A esta altura, esse esclarecimento é um pobre consolo para Dirceu e Genoino. O Supremo Tribunal Federal se prestou a um julgamento de exceção. Não houve nada que impedisse que esse rumo fosse traçado. Fora da Corte Suprema, pouca gente sabe quem é Claus Roxin. E dentro da Corte, talvez não importasse que seus ensinamentos fossem deturpados.

Ao fim e ao cabo, era necessário satisfazer uma opinião pública claramente manipulada. E, sobretudo, satisfazer seus próprios egos, que padecem de hipertrofia em estado terminal.

*Eric Nepomuceno é jornalista e colunista da Carta Maior.

Fonte: Blog de José Dirceu

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

TV com cara do Brasil

Por Rui Martins, de Genebra

A televisão públicaTV Brasil é um sucesso.Colunista, em férias no interior paulista, revela sua admiração pela TV Brasil, pelo nível superior dos programas que oferece aos telespectadores.

Não sou um maníaco da televisão. Ela entrou na minha vida aos 34 anos, no meu exílio em Paris, quando eu e minha companheira compramos um pequeno televisor, o tamanho menor e em preto-e-branco, para ver filmes nos canais estatais franceses. Havia três canais, e nenhum era privado.

Ainda hoje, na Suíça, me instalo diante do ecrã, colorido, grande, apenas para ver os telejornais francês e suíço. É raro optar por um filme, mais raro ainda um DVD. Se há visita, o aparelho permanece desligado.

A oferta atual de programas excede nossa capacidade visual e de tempo – são uns 150 canais, alguns pagos como os brasileiros Globo e Record, dos quais não sou assinante. Não me fazem falta.

Me surpreendo ao ver que aqui no Brasil a televisão tem lugar de honra nos lares e geralmente permanece ligada, mesmo quando há visitas. Os atores são ídolos e as telenovelas podem monopolizar a atenção das pessoas, embora eu tenha constatado um crescente desinteresse dos jovens pela televisão, atraídos pelas novas opções tecnológicas.

Aqui no interior paulista, sem estar monitorado para ver os canais que a maioria vê, descobri uma maneira inteligente de se ver televisão, dentro da minha habitual moderação.

Trata-se do canal público TVBrasil que ainda não pode ser visto na Europa, mas quando for, será gratuito para quem tiver antena parabólica.

A TVBrasil destoa no panorama televisivo brasileiro que, na busca de audiência, em vez de oferecer programas de bom nível decidiram se nivelar por baixo, impedindo ao telespectador nacional o acesso à cultura. No festival de programas de baixaria e telejornais tendenciosos, a TVBrasil é exceção.

É evidente que ela se integra num projeto cultural vasto para os brasileiros, oferecendo arte, bons filmes e não os enlatados americanos, já monopolizadores do mercado de distribuição nos cinemas. O telespectador aprende com os debates, as entrevistas e até mesmo uma telenovela trata da época da escravidão, vista de um ponto de vista político e social.

Para sintetizar minha impressão, depois de alguns programas vistos na TVBrasil, eu diria que ela busca ser autêntica e fiel à nossa cultura, ao nosso ideário brasileiro, à nossa criatividade latinoamericana e à nossa etnia tropical. Há muita brasilidade nos anúncios e nas chamadas, enfim alguma coisa nova e substancial na televisão brasileira.

Me tornei um assíduo telespectador do telejornal, Reporter Brasil, às 21h00. Para o público infantil me parece haver uma oferta de programas longe dos habituais desenhos animados de violência e dos lamentáveis programas infantis existentes nos outros canais.Publicado originalmente no site Direto da Redação

Rui Martins, correspondente em Genebra

"Contribuinte tinha mais segurança jurídica na ditadura"

Por Alessandro Cristo e Elton Bezerra


Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal mostram que a corte tem se preocupado com outros elementos além da Lei Maior do país. O guardião da Constituição também tem superprotegido as portas do erário quando as demandas judiciais opõem fisco e contribuintes e tem se deixado afetar pela exposição pública ao ter seus julgamentos transmitidos ao vivo pela televisão e comentados nas notícias dos jornais. São provas disso o número de vitórias da Fazenda Nacional nas disputas tributárias e os longos e redundantes votos dos ministros mesmo em decisões unânimes ou em que a frase “acompanho o relator” economizaria horas — dias, em alguns casos — de julgamento.

A opinião é de quem advoga há 50 anos no Supremo e viu sua composição — e sua jurisprudência — mudar incontáveis vezes ao longo do tempo. “Mas nunca antes como agora”, diz o tributarista e constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins. Desde sua primeira sustentação oral na corte, em 1962, Ives Gandra participou da elaboração de diversos projetos de lei no país, inclusive do trabalho da Assembleia Nacional Constituinte de 1986. Sozinho, escreveu 90 livros, além de 329 em coautoria. Pareceres foram mais de 550, com a ajuda de sua equipe, que hoje conta com oito advogados. É professor honorário das universidades San Martin de Porres, no Peru, e Austral, na Argentina. É ainda professor emérito da UniFMU e da UniFieo, e deu aulas de Direito Econômico e Constitucional durante 11 anos na Universidade Mackenzie.

No fim de outubro, o professor entregou à comissão especial do Senado encarregada de elaborar a reforma tributária seu texto de alterações necessárias. A principal preocupação foi com o ICMS e a guerra fiscal. Sua sugestão de reduzir a 4% o imposto nas operações interestaduais já foi acatada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que anunciou na última quarta-feira (7/11) ter chegado a acordo com os estados para que a redução seja gradual.

Crítico de decisões casuísticas, o advogado reconhece que a postura adotada pelo Supremo ao julgar os réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, pode não ser adotada em outros casos na corte. A interpretação que dá à tolerância dos ministros em relação a provas indiciárias para condenar 25 dos 38 réus do processo é de que eles preferiram analisar o crime como algo sistêmico, e não individual. Segundo o advogado, foi uma resposta satisfatória à sociedade.

Mas não foi a primeira vez que o tribunal driblou sua própria jurisprudência. Gandra lembra que, em 1992, às vésperas de seu processo de Impeachment no Congresso, o então presidente Fernando Collor de Mello pedia ao Supremo que suspendesse a apreciação na Câmara dos Deputados até que ele tivesse acesso aos documentos e pudesse se defender. A corte, no entanto, indo contra seus próprios julgados, negou a suspensão justificando que a votação na Câmara seria de mera admissibilidade do processo, uma vez que seria o Senado quem daria a palavra final. “O ministro Moreira Alves caiu em cima de todos os ministros dizendo: ‘Ele vai perder a Presidência da República e é só um julgamento de admissibilidade?’”, lembra Ives Gandra. O advogado conta que, mais tarde, o ministro Carlos Velloso lhe explicou a decisão: “Ives, o Brasil era ingovernável. Por isso nós decidimos contra a jurisprudência”, conta. O caso foi julgado em 23 de setembro de 1992 no Mandado de Segurança 21.564, cujo relator do acórdão foi o ministro Carlos Velloso, que liderou a divergência. Nas decisões seguintes, porém, o STF continuou exigindo que houvesse conhecimento das provas quando uma pessoa se defende.

Leia a entrevista:

ConJur — Como está o placar na Justiça entre contribuintes e fisco?
Ives Gandra da Silva Martins — Muito ruim para os contribuintes, por uma razão muito simples: os assessores dos ministros deveriam ser concursados, como os juízes. Participei das bancas de três concursos para a magistratura federal e estadual. Examinei 7 mil candidatos para ter menos de cem magistrados aprovados em três concursos. Sei o que um candidato passa para poder ser juiz. Mas quem decide a maior parte das questões nos tribunais superiores são os assessores. O assessor não é concursado. Não é justo que um juiz de primeira instância, cuja decisão vale menos que a decisão de um ministro, tenha um concurso duríssimo e o assessor de ministro seja apenas uma pessoa de confiança. Os ministros deveriam escolher seus assessores entre concursados.

ConJur — Mas boa parte dos assessores são procuradores, que também são concursados.
Ives Gandra — Mas são procuradores da Fazenda Nacional, cidadãos cuja função é defender a Fazenda. São licenciados, viram assessores de ministro e depois voltam a ser procuradores. Eles nunca vão perder a função de advogados da Fazenda. O resultado é que a esmagadora maioria das decisões nos tribunais superiores é contra os contribuintes. Com o acúmulo de processos, os ministros quase sempre são obrigados a seguir a opinião de seus assessores. Além disso, muitos que entram em concursos vêm das carreiras públicas. Até que se desvistam da sua roupagem anterior, sua tendência é continuar raciocinando com os mesmos padrões que tinham quando estavam nas funções. Nos concursos de que participei para a magistratura, o número de candidatos na segunda fase que vinham do serviço público era incomensuravelmente maior do que dos que vinham da advocacia. Percebia nas entrevistas que os vieses eram próprios de quem estava exercendo uma função. A grande maioria dos candidatos não tinha vocação para a magistratura. Todos eles tinham prestado concurso para procurador, delegado, membro do Ministério Público. O que o pessoal quer é segurança de que não terá mais problema até o fim da vida. Eu compreendo que, em um mundo competitivo, a advocacia tem altos e baixos. O poder público dá uma segurança econômica que não se tem na advocacia. Eu admiro os advogados porque eles não fizeram concurso público, resolveram enfrentar a vida com todos os riscos. Mas isso não é um desmerecimento a quem faz concurso, senão, não participaria de bancas. O problema é que, para ser assessor e decidir lá em cima, basta ser amigo do desembargador ou do ministro. Quem exerce uma função, não pode se licenciar para ser assessor. Eu já fui convidado para ser desembargador, na época em que era o tribunal quem convidava. Recusei, porque tenho vocação para ser advogado. Eu respeito a magistratura, mas eu seria um magistrado ruim.

ConJur — Ao julgar questões bilionárias, que colocam em lados opostos contribuintes e o fisco, os ministros se impressionam com o impacto de suas decisões no erário?
Ives Gandra — Pode ser que sim. No caso do crédito-prêmio do IPI, por exemplo, foi um escândalo. O governo orientou de uma forma e depois mudou para se beneficiar. O Supremo criou uma verdadeira “Guerra dos Emboabas” contra os contribuintes. Na Guerra dos Emboabas, os reinóis ofereceram aos paulistas a vida em troca da rendição. Eles se renderam e foram todos fuzilados. Então, o fisco diz: “Sigam essa orientação”. Todos seguiram. Daí o fisco diz: “Vocês, contribuintes brasileiros, não perceberam que o fisco não é confiável. Agora, terão de pagar aquilo que nós garantimos que vocês não deveriam pagar”. E o Supremo diz que o fisco tem razão. Em matéria tributária, a necessidade de recursos para o erário não conhece princípios.

ConJur — A Justiça não existe para tratar de modo desigual os desiguais? Ou seja, proteger os mais fracos?
Ives Gandra — Tenho uma profunda admiração pela ministra Ellen Grace [aposentada do Supremo]. Quando ela foi pedir aumento para o Judiciário, como presidente do Supremo, os jornais criticaram, a OAB criticou. Ela respondeu: “Mas nós garantimos ao erário R$ 13 bilhões”. A Ordem lembrou que isso não é garantir nada ao erário, é fazer justiça. Eu conheço a Ellen, é uma mulher excepcional, uma jurista, minha amiga pessoal. Mas o episódio mostra um pouco a mentalidade quando se trata de matéria tributária. Nesse particular, se nós analisarmos o que era o Supremo Tribunal Federal na década de 1980 e começo dos anos 1990, em comparação com esses últimos anos, vamos constatar que, no Supremo, o erário quase sempre tem razão. Excepcionalmente não tem. Mesmo na época do regime militar havia, em matéria tributária, mais segurança jurídica do que hoje.

ConJur — Quais foram as principais batalhas perdidas e vencidas?
Ives Gandra — O crédito-prêmio do IPI foi uma batalha inacreditável que se perdeu. A Cofins sobre o faturamento de profissionais liberais foi outra, assim como a isenção e a alíquota zero do IPI. O Supremo sempre declarou que a isenção gerava crédito, até que mudou. A questão da penhora online de contas bancárias para garantir execuções fiscais é outro problema. O Código de Processo Civil diz claramente que a cobrança deve ser feita da forma menos onerosa para o contribuinte. Ele cita bens como garantia. Mas a Justiça tem feito da forma mais fácil para o erário. A penhora online prevalece mesmo que arrebente a empresa, que a deixe sem dinheiro para pagar funcionários. Há ainda a questão do alcance da repetição de indébitos, que era de dez anos, mas que de repente se transformou em cinco. Se nós analisarmos, nenhum grande tema tributário teve vitória do contribuinte. Basta o valor ser grande que o contribuinte não ganha.

ConJur — Qual é a grande discussão tributária atualmente?
Ives Gandra — Uma delas trata do sigilo bancário. Sou advogado da CNC [Confederação Nacional do Comércio] no caso. O Vicente Greco Filho é advogado da CNI [Confederação Nacional da Indústria]. Nossa Ação Direta de Inconstitucionalidade é de 2001, com pedido de medida cautelar. Durante esses 11 anos, se quebrou o sigilo bancário de tudo quanto é forma. As teorias do fato consumado, que afirmam ter de se manter uma situação causada por um fato inconstitucional que perdurou durante muito tempo, terminam infelizmente impactando as decisões. Por isso, quando for sustentar, vou pedir efeitos prospectivos para a decisão.

ConJur — Existe sigilo fiscal de pessoa jurídica?
Ives Gandra — Não. A empresa tem que apresentar todas as suas operações. No balanço, tem que estar tudo lá. Pessoa física é diferente, o sigilo fala do direito à privacidade individual. Eu nunca defendo o sigilo da empresa, eu defendo o sigilo do cidadão. É o que está garantido na Constituição.

ConJur — A decisão do Supremo quanto à inconstitucionalidade de incentivos fiscais dados à margem do Confaz pelos estados tem preocupado empresas que se beneficiaram seguindo a lei...
Ives Gandra — ...com o conhecimento de que ela era inconstitucional.

ConJur — Com o conhecimento?
Ives Gandra — É claro. Porque se a lei tinha que ser aprovada com a autorização do Confaz e foi aprovada sem essa autorização, todos tinham o conhecimento. Não é possível uma grande empresa investir em um lugar sem estudar a lei, sem ter assessoria jurídica.

ConJur — Existia uma norma autorizadora. É justo que a empresa tenha que recolher retroativamente?
Ives Gandra — Não. O estado deu anistia. Mas continuar o regime é uma indecência. Tenho a impressão de que os efeitos prospectivos vão ser dados pelo Supremo. Estou na comissão do Senado que estuda a reforma tributária. Entregamos o texto no dia 30 de outubro. Nós trabalhamos na comissão do Senado como sendo isso mais viável. Não propusemos nada, porque o assunto está na órbita do STF.

ConJur — O fisco já teve uma grande vitória no caso da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins ao levar a discussão para a Ação Declaratória de Constitucionalidade 18, tirando o foco do recurso extraordinário que já tinha seis votos a favor dos contribuintes. Qual a probabilidade de os ministros que já votaram alterarem sua posição?
Ives Gandra — Tive um caso que discutia se um membro do Tribunal de Alçada oriundo do quinto constitucional concorria para o Tribunal de Justiça nas vagas do quinto ou da magistratura. O Supremo, por sete votos a quatro, decidiu que o empossado já era magistrado. Daí os magistrados de todo o Brasil foram ao Supremo, três meses depois. Fui chamado pelo presidente da OAB, José Roberto Batochio, para fazer a sustentação oral. Era o único advogado no Plenário. Só havia desembargadores. Senti-me como um torcedor do Santos na torcida do Corinthians. Fiz a sustentação, mas vi os ministros começarem a mudar seus votos. Perdi por sete a quatro. O ministro Moreira Alves votou a meu favor, na linha do que sustentei sobre segurança jurídica. Não era justo um tribunal mudar sua orientação, sendo que dois ou três meses antes havia decidido dois casos de outra forma, com a mesma composição. O Moreira Alves esbravejou: “Os senhores estão dando uma decisão corporativista”. Foi com violência. Mas eu perdi. Então, às vezes, as pressões fazem diferença.

ConJur — Como o senhor avalia as discussões tributárias em relação ao preço de transferência?
Ives Gandra — Os critérios adotados para se fazer a média de preços criam uma margem artificial. É como na substituição tributária do ICMS. Eu não ter direito a recuperar o valor recolhido no começo da cadeia se o meu preço de pauta inicial foi superior ao preço de venda final. Cria-se a pauta: seu produto vai valer 20. Então, você terá de pagar, por antecipação, 18% de ICMS sobre o valor. Mas eu não consigo vender senão por 17 ou 18. Brinquei até em um artigo meu, dizendo que o Supremo conseguiu a alíquota “mais ou menos”. É “mais ou menos” 18% na substituição tributária.

ConJur — Quais serão as mudanças propostas no texto da reforma tributária da comissão do Senado?
Ives Gandra — Nós definimos, em lei complementar, o que é benefício, o que é isenção, o que é incentivo fiscal. Definimos os três, porque está na Constituição que tem que ter uma definição. Quanto ao Confaz, mantivemos a unanimidade para aprovação de benefícios, mas abrimos uma única exceção, que será para incentivos de fábrica, que podem ser aprovados por dois terços do Conselho. Mas o incentivo mínimo nunca poderá ficar abaixo de 4% nas operações interestaduais e durar mais de oito anos. Na proposta de emenda constitucional, chegamos às alíquotas de ICMS em um regime de semidestino. Todas as alíquotas seriam uma única no Brasil inteiro, de 4%. Com isso, o estado que recebe a mercadoria vai receber 14% do imposto. Já vai haver um benefício natural, mas elimina-se a guerra fiscal. E criamos uma figura penal. Um governador que mandar um projeto de incentivo tributário sem aprovação do Confaz pode estar sujeito a reclusão de quatro anos.

ConJur — Os planejamentos tributários são as novas teses da moda?
Ives Gandra — São arriscados. Sempre trazem um risco que pode levar uma empresa, depois de quatro, cinco ou seis anos bem, de repente ficar inviabilizada. O que deveria se fazer é pressão sobre o Congresso Nacional por um sistema mais racional. Se nós simplificássemos o sistema tributário, não precisaríamos de planejamento tributário.

ConJur — É ilegítimo eu diminuir meu tributo como forma de melhorar meu resultado?
Ives Gandra — Eu não disse isso. Eu acho que é legitimo. Só que, com a mentalidade dominante hoje no Brasil, é arriscado.

ConJur — Uma lei antielisiva é necessária?
Ives Gandra — Sou contrário. Toda lei antielisiva dá um campo de arbítrio fiscal monumental. Por que não passou a Medida Provisória 66? Porque praticamente deixava o fiscal com direito de desconfiar e multar. Se eu tenho, no Direito Tributário, o princípio da tipicidade fechada, da estrita legalidade, da reserva absoluta de lei fiscal, como vou admitir o palpite fiscal para quebrar esses três princípios?

ConJur — Ter uma norma não daria um pouco mais de segurança em vez de deixar como está?
Ives Gandra — As autuações têm um campo grande de defesa, enquanto que as normas são taxativas.

ConJur — O que o senhor achou da decisão do Conselho Nacional de Justiça de anular um concurso para juízes em São Paulo devido à avaliação subjetiva dos candidatos?
Ives Gandra — Nós fazemos o exame da postura ética. Esse é um exame feito nas entrevistas pessoais, que ao contrário do que o CNJ disse, é importantíssimo para que o examinador perceba a estabilidade emocional do candidato. O CNJ diz que tem que ser público, mas digo que é preciso ser individual. Aquele cidadão, vitaliciado, vai ficar até os 70 anos no cargo e pode fazer um mal muito grande com suas decisões. A avaliação psíquica do candidato é fundamental para verificarmos sua estabilidade. No último exame da magistratura federal, examinamos cada candidato em entrevista pessoal por duas horas e meia.

ConJur — As mesmas perguntas eram feitas a todos?
Ives Gandra — Não. Variávamos sempre. Porque, senão, eles sairiam e falariam nos cursinhos. Todo o processo, a ficha corrida, tudo isso nós temos. Mas temos que fazer uma avaliação da estabilidade emocional daquele que vai ser julgador.

ConJur — Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2011, o senhor criticou a interpretação que hoje se dá a fatos ocorridos durante o regime militar, investigados pela Comissão da Verdade. Em sua opinião, a Lei de Anistia enterrou as situações para ambos os lados da luta até mesmo para a descoberta da verdade?
Ives Gandra — A Comissão da Verdade não se propôs a examinar os crimes praticados pelos terroristas contra os militares. No artigo da Folha, eu falo dos Borgs, um povo fictício da série Star Trek. Ele tinha um comando central, uma rainha, e todos os povos de outros planetas que eram conquistados se transformavam em metade humanos e metade máquinas, sob o comando dessa rainha. Ou seja, havia duas saídas para os derrotados: eram assimilados ou aniquilados. Típico das ditaduras. Em regimes totalitários não há direito de defesa. Quem não pensa igual é perseguido, pode ser morto. São exemplos o nazismo, o comunismo e o fascismo. A Comissão da Verdade só quer ver um lado, é uma teoria que não admite contestação. E as democracias só existem quando há contestação. Quando digo que a democracia precisa de oposições, falo de uma oposição forte, porque o poder tende a ultrapassar e superar todos aqueles que se opõem a ele. E só com posições fortes é que se pode ter aquilo que John Rawls chama de “teorias não abrangentes”. As teorias abrangentes não são democráticas. Quando digo: “A verdade está comigo e ninguém pode ter uma verdade”, minha intenção, se eu estiver no poder, é fazer com que ela prevaleça e ninguém adote. As teorias não abrangentes, aquelas que admitem o respeito com quem pensa diferentemente, são aquelas que permitem a democracia.

ConJur — No julgamento do processo do mensalão, com alta exposição na mídia, os ministros se mostraram mais receptivos, para condenar, a elementos que não teriam o mesmo efeito em outros processos?
Ives Gandra — Houve duas teses que se chocaram. Uma delas é o in dubio pro reo. Nessa tese clássica, a segurança do processo penal não é uma segurança da sociedade, é uma segurança do criminoso. A ação penal não foi feita para proteger a sociedade, mas para proteger o acusado. Se o julgador não estiver convicto, não deve condenar. É a tese que todos os réus defenderam. De outro lado, temos a tese do crime externo. A nação, como sociedade, viu circular dinheiro que ninguém sabe para onde foi, com pessoas bem definidas, havendo nexo causal, ou seja, eu dei o dinheiro para você me fazer aquele favor. Mas a verdade é que esse dinheiro até hoje não foi explicado. De onde veio e onde foi parar? A tese que fragilizou o mensalão foi a do Caixa 2. Eles admitiram ter praticado um crime, mesmo que já prescrito. Oras, se eu recebo um dinheiro para fazer campanha eleitoral e vou pagar quem vai fazer minha campanha eleitoral, eu não sei a quem paguei? A tese do Caixa 2 teve um problema de não se saber para onde foi o dinheiro. Ela entrou como uma tentativa de fazer com que a prescrição eliminasse o processo, mas fragilizou como crime sistêmico. Principalmente porque o presidente Lula deu três versões diferentes. Na primeira, disse: “Fui traído.” Na segunda, disse: “Todo mundo faz.” Na terceira, disse que não houve mensalão. O próprio presidente auxiliou a não haver uma defesa consistente e começou a prevalecer a tese do crime sistêmico. A nação ficou estarrecida de ver tanta gente vinculada ao governo, a um partido político, e não se saber de onde veio e para onde foi o dinheiro. Evidentemente foi um choque entre a tese do crime individual e a do crime conjunto sistêmico contra a nação, contra a sociedade. O Supremo preferiu seguir por essa segunda linha, que traz um problema: se, no futuro, for aplicado o mesmo entendimento a todo crime contra a ordem pública, vamos ter uma insegurança maior no Direito. Vão mudar os costumes políticos no Brasil.

ConJur — O que o senhor acha da transmissão dos julgamentos pela TV Justiça?
Ives Gandra — Do ponto de vista de universalização do conhecimento, foi positivo. Fiz minha primeira sustentação no Supremo Tribunal Federal em 1962. Vi toda a evolução nesses 50 anos. Os julgamentos eram bastante rápidos. O ministro relatava e os outros ou estavam de acordo ou não. Ninguém precisava demonstrar conhecimento. A TV Justiça, tornando todos os ministros artistas de televisão, os obriga automaticamente a terem de justificar cada voto. Mesmo nos assuntos mais sem transcendência. Muitos deixaram de falar apenas nos autos e anteciparam votos. A própria imprensa constantemente diz que ministro tal não é competente e que foi indicado por amizade. O ministro quase tem obrigação de mostrar que merece estar ali.

ConJur — A decisão final no mensalão servirá para balizar outros casos?
Ives Gandra — Às vezes, alguns julgamentos podem não sinalizar uma jurisprudência. Não sei se isso vai acontecer. Mas pode ser que, nesse caso, aconteça algo semelhante ao que aconteceu com o presidente Fernando Collor. Quando Collor pediu adiamento da votação de seu Impeachment na Câmara dos Deputados, que ocorreria às vésperas de uma eleição, alegou não ter tido acesso aos documentos para formular sua defesa. O Supremo Tribunal Federal, contra toda a sua jurisprudência, com três votos contrários, dos ministros Ilmar Galvão, Moreira Alves e acho que Luiz Otávio Gallotti, declarou que ele poderia ser julgado pela Câmara dos Deputados sem o conhecimento dos documentos, porque aquilo era apenas um julgamento de admissibilidade, e que quem iria julgar definitivamente seria o Senado. Foi um absurdo. O ministro Moreira Alves caiu em cima de todos os ministros dizendo: “Ele vai perder a Presidência da República e é só um julgamento de admissibilidade?” Ele tem o direito de se defender conhecendo os termos da acusação. Mas o Supremo, contra toda a sua jurisprudência, permitiu que o Collor fosse afastado. O ministro Carlos Velloso, que votou a favor da continuidade do processo, disse: “Ives, o Brasil era ingovernável. Por isso nós decidimos contra a jurisprudência”. Nas decisões seguintes, porém, o STF continuou exigindo que houvesse conhecimento das provas para que a pessoa se defenda.

ConJur — Alguns réus do mensalão cogitaram recorrer da condenação no Supremo à OEA. Isso faz sentido?
Ives Gandra — Faz sentido para eles. Mas o resultado é nenhum. O que o Supremo decidir não pode ser mudado lá fora. Quanto a crimes praticados no Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem a última palavra.

ConJur — E quanto ao duplo grau de jurisdição?
Ives Gandra — Na prática, nós não temos duplo grau em tudo o que existe na Justiça. Nos Juizados Especiais, por exemplo, não temos duplo grau. Há o Supremo, mas é preciso haver uma boa justificativa para o recurso. O duplo grau de jurisdição é ter direito a um segundo julgamento. No Supremo, o duplo grau é admitido em Embargos Infringentes. Quer dizer, se eu tiver quatro votos, posso recorrer para o próprio tribunal, apresentando novos argumentos.

ConJur — A prerrogativa de foro causa essa distorção nas ações originárias no Supremo?
Ives Gandra — Não causa, porque cada sistema jurídico é adaptado à realidade do país. Não existe uma norma internacional que diga: “Os países que não adotarem o duplo grau de jurisdição nós vamos obrigar a fazê-lo”. No Brasil, não temos corte constitucional. Quando da Constituinte, fiz um roteiro para 66 deputados. Como sugestão, dividi o Poder Judiciário em três: um Poder Judiciário da administração de Justiça; um Poder Judiciário Constitucional, que seria uma corte constitucional com cortes de derivação, inclusive; e um Poder responsabilizador da administração pública, que seriam os Tribunais de Contas. Os Tribunais de Contas como um ramo do Judiciário e não do Legislativo. E todos com nomeações com o mesmo rigor do Poder Judiciário. Então, teríamos uma Corte Responsabilizadora, uma Corte de Administração de Justiça e uma Corte Constitucional. Não aceitaram. Preferiram uma corte que é constitucional de um lado e última instância da administração de Justiça de outro, além de instância primária originária de administração, quando julga senadores, deputados ou o presidente. O problema é que os ministros ficam com o trabalho acumuladíssimo. A Suprema Corte Americana tem 200, 300 ou 400 processos por ano. Aqui, temos 100 mil processos por ano.

ConJur — O Supremo Tribunal Federal tem usurpado a função do legislador?
Ives Gandra — Sim. A toda hora o Supremo muda as regras. Hoje nós temos insegurança jurídica. Sou contra o ativismo judicial. O Supremo diz que eles estão apenas interpretando o vácuo legislativo. Mas nos casos de fidelidade partidária, família homossexual, aborto de feto anencéfalo e uso de células embrionárias em pesquisas científicas eles inovaram em relação à lei e à Constituição. Antigamente, quando eu interpretava a lei, dizia que a jurisprudência do Supremo sobre o caso era tal e a lei diz tal coisa. Hoje, digo ao cliente: “A lei diz isso, mas eu não sei como o Supremo vai decidir”. Porque a corte pode fazer uma lei diferente. Por exemplo, o caso de candidato cassado. O manual da eleição diz que se isso ocorrer em até dois anos depois da eleição, o novo pleito é direto. Se depois desse prazo, é indireto. Onde é que está em qualquer Constituição que o candidato derrotado, aquele que o povo não quis, é quem vai assumir? Outro exemplo: a Constituição fala em família de homem e mulher. Onde é que está escrito dois homens? Ela diz que homem e mulher é que podem constituir uma unidade de Estado, e não homem, mulher e qualquer outro tipo. Se pessoas do mesmo sexo querem ter uma relação, podem ter. Mas não são uma família, não têm o status, o rótulo familiar. Mas podem ter garantias de qualquer espécie previdenciária. O conceito de família como base da sociedade para gerar prole e dar continuidade à sociedade foi o que se pretendeu na Constituição.

ConJur — E o que fazer diante da omissão do Legislativo?
Ives Gandra — Veja o artigo 103, parágrafo 2º, da Constituição. Nas ações diretas de inconstitucionalidades por omissão, quando o Congresso Nacional não faz a lei, cabe ao Supremo Tribunal Federal comunicar o Poder Legislativo que ele tem que fazer a lei, sem prazo e sem sanção. Quando o Supremo diz: “Eu vou fazer”, está incinerando o artigo 103, parágrafo 2º. Isso eu discuti com o Bernardo Cabral [senador relator da Constituinte] na hora de se escrever a Constituição. Eu queria inserir prazo. Mas ele disse: “Ives, você acha que eu teria condição de mandar prender 513 deputados e 81 senadores se eu desse um prazo e eles não fizessem a lei?” Quer dizer, no vácuo, cabe ao Supremo continuar pressionando para eles fazerem, mas ele mesmo não pode fazer.

ConJur — Isso não compromete a discricionariedade do magistrado?
Ives Gandra — O magistrado não tem discricionariedade. Ele é legislador negativo. Quem é legislador positivo é quem foi eleito pelo povo. Eu não posso substituir 130 milhões de eleitores por um eleitor. O Supremo tem um único eleitor, que é o presidente da República. O Congresso Nacional, por pior que seja, tem 130 milhões de eleitores. O pior intérprete do Direito é o que põe na lei o que ele gostaria que ela tivesse, e tira da lei o que está nela, porque não lhe agrada. Eu tenho criticado meus amigos do Supremo, que são grandes juristas, certamente muito melhores do que eu, exatamente por esse ativismo judicial. O ativismo gera insegurança jurídica. E esse ativismo judicial começou na era Lula. A mudança na composição foi muito rápida. Antigamente, as mudanças levavam dois, três anos, o que dava tempo de o novo ministro se adaptar à forma de pensar do Supremo. Quando você tem 12 ministros indicados como na era Lula, sendo que oito deles ainda estão na ativa, é um negócio complicado.

ConJur — Há problemas na indicação de ministros do Supremo?
Ives Gandra — Eu apresentei uma proposta na Constituinte que não foi aceita pelo Bernardo Cabral. Três instituições apresentariam seis nomes cada uma, e nós chegaríamos a 18 nomes. Seis seriam indicados pelos tribunais superiores — dois pelo TST, dois pelo STJ e dois pelo STF —; seis pelo Ministério Público; e seis pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Com o quinto constitucional, oito vindo da magistratura, isso seria muito mais justo. Porque o presidente teria o poder de escolha, mas entre 18 nomes de quem trabalha com Direito, para não acontecerem indicações políticas. Eu conheço, em 55 anos na advocacia, um único caso de rejeição, pelo Congresso, de um indicado para o Tribunal Superior do Trabalho pelo presidente Itamar Franco. É tudo formal.

ConJur — Como tributarista, o que o senhor achou da indicação do ministro Teori Zavascki para o Supremo?
Ives Gandra — Ele é um cidadão absolutamente contra os contribuintes. Mas é um bom jurista. Coerente.

ConJur — Qual é o papel da advocacia brasileira?
Ives Gandra — A advocacia é a instituição mais importante da democracia. Só na democracia existe o direito de defesa, que é o direito mais sagrado da advocacia. As outras instituições podem conviver com a ditadura, a advocacia não. Considero os delegados também muito importantes, porque dão início ao processo penal. Por isso tenho defendido a equiparação da carreira às demais carreiras jurídicas.

ConJur — Com a nova Lei de Lavagem de Dinheiro, o advogado tem a obrigação de entregar o cliente em caso de constatação de crime?
Ives Gandra — A nossa lei da Ordem é especial e essa nova Lei de Lavagem é uma lei geral. Lei especial não é revogada por lei geral. É só ler o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil. Nós temos uma lei que diz que o advogado, e os escritórios, são invioláveis no exercício de sua função, conforme o artigo 133 da Constituição.

ConJur — Boa parte dos seus poemas são para sua esposa, Ruth, também advogada. Ela o auxilia no trabalho?
Ives Gandra — Ela foi minha sócia. Agora não advoga, mas ainda revê meus pareceres. A parte gramatical, porque o pior revisor é o autor. Geralmente eu mando o parecer para o cliente e digo: “Depois mando a versão definitiva.” Ela faz a revisão final até hoje. Eu a conheci na faculdade. Fiz faculdade enquanto trabalhava com meu pai em uma perfumaria. No quinto ano, disse que não iria continuar. Foi meu irmão quem continuou o negócio do meu pai. Daí comecei a advogar e estou advogando até hoje. Advogado em tempo integral.

ConJur — Quem foi sua maior influência no Direito?
Ives Gandra — Na faculdade, fui aluno do Miguel Reale. Para mim, foi o maior jurista no Brasil, o maior filósofo. Tive alguns privilégios, como, por exemplo, ter fundado junto com ele a Academia Internacional de Direito e Economia. Eu o sucedi na Academia Brasileira de Filosofia. Ele votou em mim para entrar na Academia Paulista de Letras. Esteve também presente na minha entrada na Academia Paulista de História. E fizemos alguns livros juntos, quatro ou cinco livros. Ele era muito meu amigo e foi, de longe, o professor que mais me influenciou na vida, porque era filósofo e jurista.

ConJur — Quando se deu o interesse pelo Direito Tributário?
Ives Gandra — Quando comecei na advocacia. Houve a mudança da lei do imposto de consumo, com a introdução do princípio da não cumulatividade. Achava que todo mundo tinha que começar da estaca zero. Então, comecei nessa área, porque teve uma mudança total do sistema em 1951. Comecei na área tributária e fiquei nela até hoje. Tive bons amigos. Os nomes que me impressionaram foram Rubens Gomes de Souza, Gilberto de Ulhoa Canto e Carlos da Rocha Guimarães. Todos elaboraram o Código Tributário Nacional.

ConJur — O senhor é muito próximo do professor Paulo de Barros Carvalho, um dos maiores teóricos vivos do Direito no país. Mas ambos têm entendimentos diferentes sobre fatos e normas jurídicas. Quais são essas diferenças?
Ives Gandra — São as duas grandes vertentes do Direito. A teoria do Paulo consolida uma linha muito mais voltada à linguagem como expressão como diferenciadora dos sistemas jurídicos, o que vale dizer: a lógica jurídica é uma lógica que deve ser cristalina. Lourival Villanova foi a grande expressão desse pensamento e o Paulo hoje, indiscutivelmente, é a maior expressão no Brasil dessa linha. Há outra linha, que é a minha, a da tridimensionalidade, do Miguel Reale. Talvez por essa razão é que nós nos damos tão bem o Paulo e eu, porque temos essa, não divergência, mas, digamos, vertentes diferentes. Reale foi meu professor, escrevemos cinco livros juntos e diversos pareceres. Nós entendemos que o fato jurídico é que é o relevante. A norma é importante, porque representa a dicção, uma compreensão, mas o Direito é fundamentalmente o fato compreendido e transformado em norma. A teoria tridimensional do Direito parte do princípio, na formulação do Reale, de que os fatos em um determinado momentos são “jurisdicizados”. E nessa “jurisdiscização” dos fatos jurídicos há uma valoração por parte da autoridade que vai fazer o Direito, que cria a norma. Portanto, a dicção normativa é importante, mas apenas representa os fatos que foram gerados. Então, eu tenho fato, valor e norma. No momento em que surge uma nova norma, ela regulamenta um fato, que, em função das tensões das realidades humanas, provoca uma nova tensão, uma nova norma, que cria um novo fato, que cria uma nova norma e, por isso, o Direito é dinâmico.

ConJur — Há direitos sem normas, então?
Ives Gandra — Na prática, temos situações e sujeitos e relações entre eles. Há direitos que nascem com a própria pessoa, o que chamamos de direitos naturais. Não é o Estado quem cria esses direitos naturais. O direito à vida, por exemplo, é seu. Você nasceu com ele. O Estado pode deturpar o seu direito, retirá-lo, mas ele nasce com você. Na nossa linha jusnaturalista e tridimensionalista, damos muita importância ao fato sociológico e ao fato gerado.

ConJur — O que são direitos naturais?
Ives Gandra — A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita por um jusnaturalista, um cidadão que pensava como nós, que há direitos inalienáveis que nascem com cada ser humano e todos têm que respeitar. O maior deles é o direito à vida, à dignidade humana.

ConJur — Qual é o nível de fragilidade das normas?
Ives Gandra — O Direito protege uma sociedade, mas só existe em um regime democrático enquanto há força na situação e na oposição. Se eu tenho um regime democrático com forças que se digladiam sem que uma liquide a outra, tenho um Direito que pode ser estável, porque vai sempre decorrer das tensões da sociedade democrática, que vai alternar o poder. Sempre que um poder não tem oposição à altura, atropela a lei, faz o que bem entende. Estamos vivendo, na América Latina, por exemplo, um processo de inversão da democracia, visto na Venezuela, na Bolívia, no Equador. Sem oposição válida, eles vão atropelando e modificando a lei da forma que querem. Na Argentina, viola-se, por exemplo, direitos de imprensa, porque não há oposição. O poder não conhece princípios. Quem quer o poder o quer para ficar no poder. As democracias se fragilizam e o próprio Direito tem mudado de acordo com os interesses do detentor do poder.

Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

INJUSTA SENTENÇA

Dediquei minha vida ao Brasil, a luta pela democracia e ao PT. Na ditadura, quando nos opusemos colocando em risco a própria vida, fui preso e condenado. Banido do país, tive minha nacionalidade cassada, mas continuei lutando e voltei ao país clandestinamente para manter nossa luta. Reconquistada a democracia, nunca fui investigado ou processado. Entrei e saí do governo sem patrimônio. Nunca pratiquei nenhum ato ilícito ou ilegal como dirigente do PT, parlamentar ou ministro de Estado. Fui cassado pela Câmara dos Deputado e, agora, condenado pelo Supremo Tribunal Federal sem provas porque sou inocente.

A pena de 10 anos e 10 meses que a suprema corte me impôs só agrava a infâmia e a ignomínia de todo esse processo, que recorreu a recursos jurídicos que violam abertamente nossa Constituição e o Estado Democrático de Direito, como a teoria do domínio do fato, a condenação sem ato de ofício, o desprezo à presunção de inocência e o abandono de jurisprudência que beneficia os réus.

Um julgamento realizado sob a pressão da mídia e marcado para coincidir com o período eleitoral na vã esperança de derrotar o PT e seus candidatos. Um julgamento que ainda não acabou. Não só porque temos o direito aos recursos previstos na legislação, mas também porque temos o direito sagrado de provar nossa inocência.

Não me calarei e não me conformo com a injusta sentença que me foi imposta. Vou lutar mesmo cumprindo pena. Devo isso a todos os que acreditaram e ao meu lado lutaram nos últimos 45 anos, me apoiaram e foram solidários nesses últimos duros anos na certeza de minha inocência e na comunhão dos mesmos ideais e sonhos.

José Dirceu

Jurisprudência do 'mensalão' deixa bancos e empresas apreensivos

Fonte: VALOR ECONÔMICO – BRASIL

O destino dos 25 condenados no caso do mensalão está longe de ser a única consequência do julgamento do processo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre empresas, bancos e advogados que atuam para corporações o clima hoje é de apreensão. As profundas mudanças promovidas pela Corte em sua jurisprudência durante a análise da Ação Penal nº 470 produzirão impactos diretos no ambiente de negócios do país. 

Qualquer executivo, a partir do mensalão, vai estar muito mais preocupado em assinar qualquer liberação de recursos para evitar o que aconteceu no caso do Banco do Brasil e do Banco Rural , afirma o gerente regional de compliance e segurança corporativa de uma multinacional presente em mais de 70 países, inclusive no Brasil. 

O executivo, que preferiu não se identificar, refere-se à condenação de executivos que exerceram postos-chave no Banco Rural e no Banco do Brasil à época dos fatos em julgamento. No caso do Rural, três executivos do staff da instituição à época dos fatos foram condenados pelo Supremo – inclusive a própria dona do banco, Kátia Rabello, acusada de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas e lavagem de dinheiro por ter realizado empréstimos fictícios para o Partido dos Trabalhadores (PT) por intermédio das empresas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, considerado o operador do mensalão. Já no caso do Banco do Brasil foi condenado, por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, o ex-diretor de marketing Henrique Pizzolato. 

O risco aumentou, e aumentou muito, porque agora qualquer administrador pode ser condenado por lavagem de dinheiro sem que tenha tido a intenção de cometer o crime, diz um outro executivo que atua em uma entidade de classe do setor empresarial. 

O aumento do risco entre empresas e bancos ainda é uma sensação, já que o Supremo não concluiu o julgamento do mensalão – ainda precisa definir as penas dos condenados. Da mesma forma, a aplicação dos novos entendimentos da Corte pela Justiça de primeira e segunda instâncias do país e seu uso pelo Ministério Público em denúncias por crimes econômicos ocorrerá paulatinamente, até mesmo diante da morosidade característica do Judiciário brasileiro. Ainda assim, trata-se de uma impressão baseada no resultado decorrente de alguns dos mais complexos e combativos debates entre os ministros da Suprema Corte na história da República. 

Entre as novidades geradas a partir do confronto de posições dos ministros do Supremo, uma das mais eloquentes e preocupantes, segundo as fontes ouvidas pelo Valor, é a chamada teoria do domínio do fato. Usada pela primeira vez pela Corte para basear uma condenação criminal, ela permite que se atribua responsabilidade penal a quem pertence a um grupo criminoso, mas não praticou diretamente o delito porque ocupava posição hierárquica de comando. Foi esse o argumento usado para condenar, por corrupção ativa e formação de quadrilha, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, considerado o réu número um do mensalão. 

O temor de advogados e empresários é o de que a teoria passe a motivar uma série de processos por crimes econômicos que coloquem, entre os réus, executivos e administradores de empresas pelo simples fato de que, em posição hierárquica superior, eles teriam, necessariamente, o domínio do fato – ou seja, saberiam de atividades ilícitas cometidas por seus subordinados. Esse receio foi externado durante o próprio julgamento pelo ministro revisor do processo, Ricardo Lewandowski. Preocupa-me como os 14 mil juízes brasileiros vão aplicar essa teoria se essa Corte não der parâmetros para sua aplicação, disse. Amanhã talvez o presidente da Petrobras possa ser responsabilizado por um vazamento de petróleo porque tem o domínio do fato. 

A teoria do domínio do fato é um risco para o ambiente de negócios, diz o advogado Eduardo Salomão, sócio do escritório Levy amp; Salomão Advogados, banca que presta consultoria jurídica para empresas e tem, entre seus clientes, mais de 80 instituições financeiras nacionais e estrangeiras. Salomão cita o exemplo de um banco, cujos gerentes captam novos clientes que não poderiam aceitar por oferecerem risco à instituição, mas o fazem com a intenção de incrementar seus bônus. Se algum desses clientes utilizar o banco para lavar dinheiro proveniente de crimes, essa prática, se detectada pelas autoridades, pode se transformar em um processo criminal. O executivo, como presidente do banco, poderia ser responsabilizado por ter o domínio do fato, diz. Este é um fator de risco a mais para as empresas, afirma Salomão. Com a teoria, segundo ele, fica mais fácil ao órgão acusador ir subindo de nível hierárquico em termos de responsabilização. É a metástase cancerosa da responsabilidade. 

No fundo a teoria é um grande facilitador da possibilidade de punição [de quem tem o dever de agir ou vigiar], diz o professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Víctor Gabriel Rodriguez. Segundo ele, o caso do mensalão inaugurou o uso da teoria do domínio do fato pelo Supremo. No caso dos crimes econômicos, daqui por diante algumas questões serão mais complicadas e de difícil defesa, acredita. 

O domínio do fato é a principal inovação, mas não a única, decorrente do processo do mensalão. Dois importantes novos entendimentos nasceram do julgamento em relação ao crime de lavagem de dinheiro. O primeiro deles diz respeito ao tipo de conduta que pode ser punida por lavagem. A doutrina mundial estabelece que a lavagem de dinheiro existe quando ocorrem três situações específicas: a ocultação do dinheiro proveniente do crime, sua dissimulação (em geral no sistema financeiro) e sua inserção na economia.

No entanto, ao julgar o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o Supremo interpretou a lavagem de dinheiro de outra forma. Os ministros entenderam, em sua maioria, que a simples ocultação do dinheiro da corrupção já caracteriza o crime, aumentando muito o escopo das situações que estariam sujeitas à punição. O crime de lavagem pode se consumar já na primeira fase, a fase de ocultação, disse o ministro decano da Corte, Celso de Mello. Seu colega Luiz Fux foi ainda mais longe: Quem compra um carro, uma joia, já pode incorrer em lavagem. O uso do dinheiro é, sim, lavagem de dinheiro. 

O tema não é pacífico nem mesmo dentro do Supremo, a ponto de a decisão ter gerado protestos do ministro Marco Aurélio Mello – que votou pela absolvição de João Paulo Cunha e Pizzolato. Preocupa-me sobremaneira o diapasão que se está dando ao tipo lavagem de dinheiro, disse o ministro durante as discussões. Boa parte dos votos proferidos pelo ministro em relação às imputações de lavagem de dinheiro foi pela absolvição dos réus – mas ele ficou vencido. 

Marco Aurélio também ficou vencido em outra inovação criada pelo Supremo: a possibilidade de condenação de um acusado sobre o qual não se tem certeza de que estava ciente da origem ilícita do dinheiro recebido. Em termos jurídicos, o chamado dolo eventual – quando a pessoa assume o risco de receber um dinheiro cuja proveniência é obscura. Assusta-me brandir que, no caso da lavagem de dinheiro, contenta-se o ordenamento jurídico com o dolo eventual, disse o ministro, um dos mais antigos da Corte. 

De acordo com o advogado David Rechulski, do escritório que leva seu nome, o dolo eventual levará as empresas a implementarem políticas de maior cautela. Mais cedo ou mais tarde, baseado nesse entendimento, o Ministério Público deverá atuar com mais intensidade nos casos de omissão penal relevante, em que haveria o dever legal de agir e a pessoa ficou inerte, afirma. Principalmente em relação a gestores de fundos de investimento, o risco será grande, diz Rechulski. 

O advogado Eduardo Salomão também prevê maior disposição dos juízes de instâncias inferiores em decretar prisões cautelares em casos de investigações por crimes econômicos. A correlação é de difícil comprovação, mas os recentes casos de investigação de fraudes em bancos de pequeno e médio porte, como o PanAmericano e o Cruzeiro do Sul, levaram à prisão provisória apenas o controlador e ex-presidente deste último, Luis Octavio Índio da Costa, solto neste fim de semana. No caso do PanAmericano, todos os ex-administradores respondem a processo penal em liberdade. Vale lembrar: a fraude no PanAmericano veio a público em 2010, antes, portanto, do início do julgamento do mensalão; já a do Cruzeiro do Sul foi tornada pública na era pós-mensalão. 

Entre as empresas nacionais a impressão é de que o mercado ainda está em choque com o julgamento do mensalão, dizem advogados. Junta-se a ele a nova Lei de Lavagem de Dinheiro – a Lei nº 12.683, sancionada em 9 de julho deste ano -, que permitirá que qualquer tipo de infração penal seja passível de punição também por lavagem de dinheiro, e está pronto o novo cenário de risco. 

Bruno Salles Ribeiro e Fábio Cascione, do escritório Cascione, Pulino, Boulos amp; Santos Advogados, acreditam que mesmo com as rígidas regras do Banco Central (BC), grandes bancos podem deparar-se com a situação de ver um crime tributário configurar também lavagem de dinheiro, resultando na responsabilização do executivo da instituição financeira. Isso pode acontecer por terem contato com estruturações financeiras complexas, como middle marketing e private banking, em planejamentos tributários mais arrojados, afirma Ribeiro. Certamente, as autoridades terão um radar maior em relação a essa possibilidade de interpretação para pressionar os contribuintes, diz. 

Bruno Ribeiro interpreta que, de acordo com o julgamento do mensalão, mesmo que o executivo não saiba que determinado bem foi proveniente de uma infração penal, se assumir o risco de usá-lo, o compliance da empresa falhou e ele pode ser acusado de lavagem de dinheiro. Por ser executivo da companhia, por meio de controles internos, ele deveria saber que usam dinheiro sujo na atividade da empresa, afirma. 

De outro lado, o Supremo também entendeu, ao julgar o envolvimento dos executivos do Banco Rural no mensalão, que o descumprimento de regras de compliance previstas pelo regulador, no caso o BC, está sujeito à punição penal, e não apenas a sanções administrativas, como prevê a lei. Ou seja, o dever de agir em casos suspeitos, como prevê a lei, pode levar não só a uma punição na esfera administrativa mas também na esfera penal. 

Isso por ter vários efeitos no setor privado. O principal deles é um aumento gigantesco na responsabilidade dos executivos – que podem ser condenados por crime de lavagem mesmo que não tenham cometido fraude ou gerido a empresa de forma temerária ou mesmo que não tenham a menor pista de que, pela instituição que comandam, circulou dinheiro sujo. 

O julgamento do mensalão, já nesse sentido, dá sinal de que, conforme essa lei for interpretada, a responsabilização será grave, diz Johan Albino Ribeiro, assessor jurídico do Bradesco. O diretor da área de compliance de outro grande banco, que preferiu não ser identificado, diz que o sistema financeiro já tem regras sedimentadas e com uma supervisão intensa dos órgãos de controle. Mas é lógico que, com o julgamento o mensalão, os executivos ficarão mais atentos e talvez mais apreensivos, afirma. 

Com isso, na prática, as operações do dia a dia dos bancos e das empresas deverão passar a submeter-se a um controle ainda mais rigoroso, com treinamento de funcionários, reforçando os conceitos de compliance, segundo Johan Albino Ribeiro. Essa é a ação possível: encontrar os pontos de maior atenção para insistir nos cuidados. Nas relações com fornecedores, por exemplo, conhecer ainda melhor a empresa, saber mais sobre de quem ela recebe e para quem ela paga, afirma. 

Em razão desse cenário, a demanda das empresas nos escritórios de advocacia já é de revisão das regras internas para tentar melhorar a efetividade do compliance, segundo Bruno Ribeiro. Isso será importante inclusive em eventuais processos judiciais porque, muitas vezes, a defesa da empresa acusada de lavagem será a demonstração de um compliance que comprove que todas as cautelas possíveis para evitar o risco foram tomadas, afirma Fábio Cascione. 

A evolução na jurisprudência do Supremo em relação à lavagem ainda aguarda confirmação – o que deve ocorrer apenas após a publicação do acórdão (a decisão condenatória com os votos de todos os ministros). Mas o intenso debate entre os ministros quando da votação dos crimes de lavagem do mensalão mostra que, no mínimo, a semente da mudança está plantada. 

Advogados divergem sobre permanência das mudanças 

Só o tempo vai dizer se as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento do processo do mensalão serão, daqui para a frente, as novas diretrizes do Poder Judiciário para lidar com a punição à corrupção no Brasil ou se, longe dos holofotes, novos casos que surgirem terão um desfecho diferente. Há, por enquanto, opiniões em todos os sentidos. 

Para o professor Víctor Gabriel Rodriguez, titular do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), as inéditas decisões tomadas no processo do mensalão decorrem da oportunidade. O juiz altera a jurisprudência quando tem uma ação relevante para isso, diz. Segundo ele, é comum os julgadores do Supremo acumularem um determinado número de processos similares e, ao longo do tempo, elaborarem um novo voto sobre ele, com o objetivo justamente de atualizar a jurisprudência da Corte – processo que pode levar anos. Os ministros queriam mudar a jurisprudência e estavam à espera de um caso de complexidade, afirma. 

O procurador da República Rodrigo de Grandis, o Brasil tem dois importantes e recentes momentos de persecução penal em relação aos crimes econômicos. Um deles é a entrada em vigor da nova Lei de lavagem de dinheiro, sancionada neste ano. O outro, o julgamento do mensalão. A Ação Penal nº 470 é um caso notório. Muita coisa mudará depois dela, acredita. 

Nem todos, no entanto, concordam. Se não houvesse essa pressão toda, talvez não tivéssemos essas decisões, afirma o advogado Eduardo Salomão, sócio do escritório Levy amp; Salomão Advogados. Ele é um dos que não crê totalmente na sedimentação dos novos entendimentos do Supremo após o mensalão. Nada disso está escrito ainda, diz. O mensalão é um momento muito específico da aplicação da lei. Para projetar isso para o futuro será preciso desbastar essas decisões de agora. 

Criminalista que defende o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, Celso Vilardi, especialista em ações por lavagem de dinheiro e estudioso do tema, não crê que a nova jurisprudência se perpetue. Estamos criando no Supremo uma lavagem de dinheiro jabuticaba, que só existe no Brasil, diz o advogado, que acredita que dentro de quatro ou cinco anos, a Corte terá que alterar novamente seu entendimento sobre o tema. Segundo ele, se a nova Lei de lavagem de linheiro começar a ser aplicada em larga escala e as decisões do Supremo sobre o crime se alastrarem na Justiça brasileira, não haverá cadeia suficiente. 

Cristine Prestes e Laura Ignacio – De São Paulo