segunda-feira, 28 de julho de 2014

É a mídia, Dilma, é a mídia!

Por Emir Sader, no site Carta Maior

Qualquer comparação minimamente objetiva dos governos tucanos e petistas – dos candidatos que representam a um e a outro – permitiria prever uma vitória eleitoral ainda mais fácil do governo neste ano. Ninguém duvida dos resultados dessa comparação, ainda mais que o candidato tucano reivindica a mesma equipe econômica de FHC e seu guru econômico repete os mesmos dogmas que levaram os tucanos a nunca mais ganharem eleição nacional no Brasil depois que essa equipe governou o pais. Enquanto a candidata do governo representa a continuidade do projeto que transformou positivamente o Brasil desde 2003 e seu aprofundamento.

No entanto, as pesquisas e o clima político e econômico mostram um cenário um pouco diferente. Somente o nível de rejeição que as pesquisas – maquiadas ou não – da Dilma e do governo – o dobro da rejeição de Aécio, segundo as pesquisas – já revela que outros fatores contam para entender as opiniões das pessoas.

Para um tecnocrata, para uma visão economicista ou positivista da realidade, a consciência é produto direto da realidade objetiva. Basta transformar a esta, que as pessoas se darão conta das mudanças e do seu significado. Não leva em conta o papel fundamental da intermediação que exercem os meios de comunicação. A realidade concreta chega às pessoas através das representações dessa realidade, processo em que a mídia exerce um papel determinante. Essa visão ingênua não entende o que é a ideologia e como a fabricação dos consensos pela mídia monopolista atua.

A mídia conseguiu fabricar consensos como os de que a Dilma seria uma presidente incompetente, o governo seria corrupto, a política econômica fundamentalmente equivocada e a Petrobrás um problema, a inflação descontrolada, a economia estagnada e sem possibilidade de voltar a crescer. Por mais que se possa, racionalmente, desmentir cada uma dessas afirmações, são elas que permeiam os meios de comunicação e formam parte da opinião pública, contaminada pelo terrorismo em que aposta a oposição politica e seu partido – a mídia.

Uma política de comunicações desastrosa por parte do governo é responsável por esse clima, que coloca em risco a continuidade do projeto democrático e popular que o povo escolheu como seu em três eleições presidenciais. O governo ficou inerte diante da criação desse clima e o que poderia dizer ficou neutralizado porque o governo não avançou em nada na democratização dos meios de comunicação. É uma atitude grave, porque alimenta uma oposição derrotada, que se apoia no monopólio privado dos meios de comunicação para desgastar o governo, sem que este reaja.

É equivocada a alternativa entre uma imprensa barulhenta – que diga o que bem entenda – ou uma mídia calada. Esta era a alternativa durante a ditadura. Na democracia a alternativa é entre uma mídia monopolista, que só propaga a voz dos seus donos, ou uma mídia democrática, pluralista. Ao não avançar na democratização dos processos de formação da opinião publica, o governo coloca em risco todos os avanços acumulados desde 2003.

Não por acaso os votos duros de apoio do governo – os mais pobres, os do nordeste – são os menos afetados pela influência da mídia, são aqueles influenciados assim diretamente pelos efeitos das políticas sociais do governo. E os setores de classe média das grandes cidades são os mais afetados.

O Brasil não será um país democrático, por mais que avancemos na diminuição das desigualdades sociais, se somente uma ínfima minoria pode influenciar sobre a opinião dos outros, impor os temas que lhes pareçam do seu interesse como agenda nacional, difundam o tempo todo suas opiniões. Não será democrático enquanto as pessoas possam ter acessos a bens indispensáveis, mas não possam dizer a todos os outros o que pensam.

Senão seria perpetuar a divisão entre os que trabalham, produzem, vivem no limite das suas necessidades, por um lado, enquanto por outro lado estão os que, pelo poder do dinheiro, podem ocupar os espaços de formação de opinião pública, podem influenciar os outros, impunemente.

A razão pela qual um governo que promove os direitos da grande maioria da população, até aqui excluída, tem tantas dificuldades para traduzir esses avanços numa clara maioria politica, é a mídia, é a mídia.

sábado, 26 de julho de 2014

A França contra o banco suíço UBS

25/7/2014 16:51
Rui Martins, de Genebra

Por que o governo não exige o repatriamento da centena de bilhões de dólares de brasileiros na Suíça?

Os suíços são comprovadamente um povo honesto. Mas seus banqueiros não são! Enquanto não existia a União Européia, os bancos suíços, situados no meio da Europa, aspiravam impunemente o dinheiro dos países vizinhos, como o da França. Era o dinheiro destinado aos impostos de renda que os mais abastados desviavam para uma conta secreta suíça. Os bancos suíços eram cúmplices da evasão fiscal nos países europeus sem qualquer represália.

Isso começou em 1934, quando a Suíça, geralmente governada pelos banqueiros, sentindo o risco de uma guerra e a necessidade dos ricos guardarem seus bens, criou o segredo bancário. A novidade atraiu principalmente o capital dos judeus perseguidos pelos nazistas. A maioria deles morreu no Holocausto e o dinheiro ficou rendendo nos cofres dos bancos suíços, até estourar o escândalo da apropriação dessas contas pelos bancos, nos anos 90.

E ficou-se sabendo que filhos ou netos dos depositantes nos bancos suíços, ao tentarem reaver os bens depositados por seus pais ou avós, eram supreendidos com a escandalosa exigência de apresentarem um atestado de óbito de Auschwitz ou de outro campo de concentração.

O banco UBS, considerado um dos primeiros bancos suíços, tinha comprado dos nazistas os bens imóveis dos judeus de Berlim, deixados vazios ao serem enviados aos campos de concentração. Quando estourou o escândalo das contas dos judeus nos cofres suíços, o banco UBS começou a destruir os documentos dessas compras, mas um guarda-noturno salvou-os em sacolas de supermercados e mostrou-os à imprensa.

Em lugar da justiça suíça processar o banco UBS, abriu processo contra o guarda-noturno que fugiu para os EUA e se tornou o primeiro refugiado suíço nos Estados Unidos com green card concedido pelo Congresso americano e pessoalmente pelo então presidente Bill Clinton. Pouca gente tinha coragem de dizer, mas nos meus artigos para o jornal português Público, do qual era correspondente, sempre qualifiquei a apropriação das contas dos judeus como roubo.

Houve um processo, os bancos suíços tiveram de pagar vultosas indenizações e a imagem dos bancos suíços e da própria Suíça saiu desgastada.

A história poderia parar por aí, mas continuou e assumiu feições ainda mais graves.

Dez anos depois das contas dos judeus, o segredo bancário suíço voltou à atualidade quando alguns informáticos de bancos suíços venderam para a Alemanha e a França alguns CDs contendo milhares de nomes de possuidores de contas secretas, onde estavam milhões e milhões de euros roubados ao fisco alemão e francês. Quase ao mesmo tempo, os Estados Unidos exigiram da Suíça e dos bancos suíços os nomes dos americanos com conta secreta.

A questão envolveu a Suíça, os deputados e senadores foram chamados a votar, se os bancos suíços deveriam ou não ceder à exigência americana, numa espécie de traição aos seus clientes. Porém a Suíça não tinha escapatória, ou isso ou teria seus bancos proibidos nos EUA com consequências funestas na praça financeira suíça. Milionários americanos, que ocultavam milhões de dólares do fisco americano, espumavam de raiva, pois sabiam ter de afrontar multas enormes e mesmo o risco de prisão por ocultarem suas fortunas com declarações de impostos mentirosas.

Porém, nem todos os sonegadores americanos, franceses e americanos tinham tomado a iniciativa, por eles próprios de desviarem parte de seus rendimentos para os cofres secretos suíços. A maioria foi induzida a isso por funcionários dos bancos suíços, que lhes acenavam com a tentação de usarem o dinheiro destinado aos impostos. Aproveitavam-se de competições hípicas, de golfo ou de tenis para contatar os milionários e lhes convencer a abrirem contas secretas num banco suíço, como o UBS, que cuidaria de desviá-las para as Ilhas Caimãs ou bancos off shore.

Por isso, os bancos suíços estão sendo processados nos EUA e em países da União Européia. E agora é a justiça francesa que abre um processo contra o banco UBS e pede como caução a soma de um 1,1 bilhão de euros para começar o procedimento. O banco julga a soma exorbitante, mas a adoção pela França dos valores elevados aplicados pela justiça americana irá, sem dúvida, acabar com a estratégia dos banqueiros suíços de purgar o erário público dos países vizinhos.

E o Brasil teria alguma coisa a aprender com a França, Alemanha, EUA em matéria de luta contra a evasão fiscal?

Sim e poderia ganhar muito, mas muito mesmo. As contas secretas dos milionários brasileiros vão além dos 100 bilhões de dólares e o Brasil poderia exigir da Suíça e dos bancos suíços o pagamento dos impostos de renda devidos por essas fortunas ocultas (medida mais moderada) ou o repatriamento dessas fortunas (medida mais radical).

Porém, o que impede ao Brasil ter uma legislação tão severa como a dos EUA, da Alemanha ou da França em matéria de impostos devidos ao fisco? Legislação que não pode ser chamada de legislação de esquerda. Aparentemente é o rabo curto nessa questão, tanto dos legisladores da oposição como da situação ou mesmo de gente mais importante. Não fosse isso, há muito tempo, algum deputado ou senador já teria proposto um acordo bilateral rigoroso com a Suíça proibindo aos bancos suíços incentivarem a evasão fiscal. Consta que muitos milionários podem entregar, mesmo no Brasil, a soma a ser desviada para a Suíça sem qualquer impecilho ou controle.

Assim, se hoje a União Européia e os EUA fazem os bancos suíços pagarem multas vultosas por incentivarem o roubo pela evasão fiscal, continuam sem controle algum os países africanos, asiáticos e latinoamericanos, entre eles o Brasil. Quem teria coragem de legislar a esse respeito e ter de repatriar suas contas secretas para o Brasil?

Já que vai haver eleições, seria uma boa decisão os candidatos incluírem nos seus programas o repatriamento das contas secretas de brasileiros na Suíça e nos bancos off shore. Mas quem tem coragem para isso ?

Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, editor do Direto da Redação, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, pela recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes. Foi duas vezes eleito representante no Conselho de Emigrantes, para os quais quer a emancipação política. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Haddad e a autofagia brasileira com seus talentos

Luis Nassif

A campanha encetada contra o prefeito de São Paulo Fernando Haddad é a prova incontestável de como o país gosta de devorar seus principais ativos intelectuais.

Haddad não é apenas prefeito de São Paulo, eleito pelo PT. Provavelmente é o melhor quadro público que o país produziu nas últimas décadas. Seu trabalho técnico e político à frente do MEC (Ministério da Educação) mostra uma visão de futuro e uma capacidade de formulação inédita na administração pública brasileira - federal ou de qualquer estado.

Haddad demonstrou não apenas ser um iluminista, perseguindo as mudanças e antenado com os temas contemporâneos - ao contrário dos retrógrados e conformados que pululam no seu partido e nos demais - como um formulador de primeiríssima, casando visão técnica com política - entendido, aí, a capacidade de identificar resistências e contorná-las.

Graças à sua insistência, conseguiu criar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que significou um corte na educação brasileira, enfrentando com persistência e argumentos a visão míope-fiscalista do então MInistro da Fazenda Antonio Pallocci.

Sua insistência com o ENEM abriu possibilidades sem precedentes para os jovens de menor poder aquisitivo, uma matrícula única permitindo a 8,5 milhões de candidatos prestar um único exame e ter acesso - de acordo com sua nota - ao universo de faculdades públicas e privadas.

Não existe paralelo em outro país de exame com tal amplitude - e absoluta ausência de problemas. O ENEM só foi notícia na fase inicial de implantação, quando apresentava alguns problemas. Depois que ficou azeitado, deixou de ser notícia.

Há outras revoluções feitas por ele, como a política nacional de inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino. São 800 mil crianças, que antes dependiam do modelo de exclusão das APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e que foram incluídas na rede regular com amplo suporte garantido pelo MEC.

O Reuni (Recuperação e Expansão das Universidades Federais) permitiu a abertura de centenas de novos campi, descentralizando o ensino superior.

Em todos esses momentos, Haddad mostrou-se impermeável tanto à pressão do liberalismo educacional inconsequente quanto do corporativismo que existe no meio.

Quando resolveu ampliar o número de vagas nas universidades públicas, enfrentou uma manifestação de professores considerando absurdo salas de aula com mais de 15 alunos. Respondeu que ficaria mais satisfeito se visse cartazes protestando contra salas de aulas com menos de 15 alunos.

O Pronatec, o PROUNI, o FIES foram montados em parceria com o setor privado. E Haddad enfrentou as pressões corporativas, que o acusavam de pretender privatizar a educação.

Em todos os momentos, jamais fugiu da procura e da viabilização das grandes soluções.

Todos esses projetos foram montados sem preconceitos ideológicos, juntando forças já existentes, articulando ações entre agentes públicos e sociedade civil.

E foi esse espírito que levou para a prefeitura de São Paulo, enfrentando problemas seculares que todos seus antecessores recusavam-se a encarar.

Resolveu enfrentar o desafio do transporte coletivo, com os corredores de ônibus; o desafio da desospitalização dos dependentes de drogas, com a Operação Braços Abertos; o desafio de reduzir a segregação social que marca a cidade.

Se a velha mídia quer bater no PT, tenho uma infinidade de dicas. No Ministério de Dilma tem meia dúzia de ministros acomodados, sem espírito público, jogando apenas para a plateia.

Mas deixem Haddad trabalhar. Não privem a vida pública brasileira de alguém do seu quilate. É algo tão atrasado quanto seria as esquerdas crucificando Prestes Maia ou Olavo Setubal, devido à sua origem política.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Banqueiro ladrão não vai pra cadeia!

Por Altamiro Borges - de São Paulo

Banqueiro larápio não vai mesmo para a cadeia no Brasil. Ele conta a proteção do Poder Judiciário, o mais hermético do país, e com a cumplicidade da mídia

Banqueiro larápio não vai mesmo para a cadeia no Brasil. Ele conta a proteção do Poder Judiciário, o mais hermético do país, e com a cumplicidade da mídia privada, que adora promover a escandalização da política, mas blinda os seus bilionários anunciantes. Na última sexta-feira, a Justiça Federal condenou Carlos Eduardo Schahin, sócio do antigo Banco Schahin, a quatro anos de prisão em regime semiaberto e a multa de R$ 670 mil por evasão de divisas. Mas ele continuará livre e solto. Na mesma semana, Ângelo Calmon de Sá, ex-presidente do Banco Econômico, anunciou que pedirá a revisão da sua pena de sete anos de reclusão – que nele nunca cumpriu na cadeia.

No caso de Carlos Eduardo Schahin, a Justiça decidiu que ele poderá substituir a prisão pela prestação de serviços comunitários e uma doação de 500 salários mínimos a uma entidade assistencial – uma gorjeta para o banqueiro! Mesmo assim, seus advogados já informaram que recorrerão da decisão. Há provas concretas de que ele desviou dinheiro de acionistas e clientes do Banco Schahin para a conta de uma empresa de fachada nas Ilhas Virgens. Mas o juiz Marcelo Cavali não viu motivos para condená-lo à prisão em regime fechado. O banqueiro ainda alegou dificuldades financeiras, apesar de o seu banco ter sido vendido BMG, em 2011, por R$ 230 milhões. Na época, a instituição empregava 5 mil bancários.

Já Ângelo Calmon de Sá foi condenado na última terça-feira (8), por unanimidade, pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal, mas sua defesa anunciou que irá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O processo contra o banqueiro é antigo. Logo após a liquidação do Banco Econômico, em 1996, ele foi acusado de evasão de divisas e fraudes contra o sistema financeiro. Na sentença desta semana, os juízes da 3ª Turma consideraram que ele praticou “dolosamente manobras fraudulentas, na gestão do Banco Econômico, constitutivas de crimes contra o sistema financeiro nacional, levando o banco à falência”, e causando “prejuízos aos acionistas, correntistas e ao Banco Central do Brasil”.

Apesar das provas existentes, o advogado do agiota, Sebastian Borges de Albuquerque Mello, avalia que a decisão será anulada. “Mello afirma que está confiante na manutenção da sentença de primeiro grau, que absolveu o banqueiro, e que a revisão da decisão foi uma surpresa”, descreve a Folha. Desta forma, Carlos Schahin e Ângelo Calmon de Sá continuarão em liberdade e ainda poderão convidar outro amigo para uma festança nababesca. Em junho passado, a Justiça recebeu nova denúncia contra Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, por suspeita de lavagem de dinheiro na compra e venda de obras de arte da sua coleção particular. Mesmo assim, o banqueiro também segue livre e solto!

O extravagante Edemar Cid Ferreira foi condenado a 21 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro logo após a intervenção federal no Banco Santos, em novembro de 2004. Mas até hoje ele segue em “liberdade provisória”. Na decisão do mês passado, a Justiça considerou que as milionárias obras de arte do agiota foram adquiridas com recursos desviados do seu banco. O Ministério Público também incluiu na nova denúncia a mulher e o filho do banqueiro, acusados de ocultarem a origem, a localização e a propriedade de bens e valores provenientes de dinheiro roubado dos clientes e acionistas do Banco Santos. Alguém acredita que eles serão presos. De fato, o Brasil é o paraíso dos banqueiros!



Altamiro Borges, é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A dúvida recorrente: ter ou não um sócio na empresa

Ter ou não ter um sócio é uma dúvida frequente entre os empresários. É aconselhável fazer uma sociedade com um amigo, com um parente, com a esposa ou marido? Tudo depende de como essa sociedade é montada.

Em tese, qualquer sociedade é possível. A questão está em definir os deveres e os direitos de cada um. Isso deve ser feito antes de começar a empresa para evitar atritos.

Ter um sócio pode ser bom para injetar dinheiro no empreendimento, modernizá-lo e até motivar a equipe. É mais uma cabeça para pensar, tomar decisões e procurar soluções.

O contrato é o caminho para reduzir problemas entre os sócios. Ele deve especificar quais as obrigações de cada um, quem é responsável por determinadas tarefas e assim por diante.

Unir-se a alguém conhecido pode facilitar. Mas é fundamental saber se essa pessoa tem o perfil que combina com o seu e com o da empresa.

No geral, as sociedades começam em um clima de entusiasmo. Saber superar as dificuldades ­ - elas vão aparecer -­ é o que ajuda a sustentar o negócio.

É importante que os sócios tenham aptidões que se complementem. Em um restaurante, um deles pode ser quem vai para a cozinha preparar os pratos e cuidar da qualidade da comida. O outro pode assumir a parte administrativa. Ou seja, um é o profissional técnico e o outro, o gestor. Uma divisão de funções assim é produtiva.

Os sócios precisam ter afinidade, confiança mútua, respeito e os mesmos ideais. O diálogo entre eles deve ser franco, frequente e construtivo.

Outro aspecto que deve ser observado é o legal. No Simples Nacional não há cota mínima: um sócio pode ter 1% e o outro 99% ou qualquer divisão. Mas a participação em outra empresa remete a algumas regras. Se um deles tiver, por exemplo, 50% em uma empresa, 10% ou mais na segunda e a soma do faturamento delas superar os R$ 3,6 milhões anuais do teto do Simples, ambas deverão sair do regime. Mas se ele tiver menos de 10% na segunda empresa, não se aplica a soma dos faturamentos e não há impacto no Simples.

É natural aparecerem essas dúvidas se você tem ou pensa em fazer uma sociedade. Você só não deve deixar que elas prejudiquem seu negócio. Quanto antes forem sanadas, melhor para sua empresa.

Bruno Sales – Assessor de Imprensa do Sebrae

sábado, 5 de julho de 2014

Brasil vence a Finlândia e sagra-se campeão mundial de goalball

Em reedição da final dos Jogos de Londres, Brasil se vinga da derrota de 2012 e leva primeiro título mundial na modalidade

A Seleção Brasileira masculina de goalball entrou para a história neste sábado (05.07), em Espoo, na Finlândia, durante o Mundial da modalidade. O grupo comandado por Alessandro Tosim goleou a Finlândia por 9 x 1 e sagrou-se campeão da competição. Esta é a primeira medalha brasileira e o primeiro título em mundiais de goalball.

Foto: Divulgação/CPB

Há dois anos, brasileiros e finlandeses se enfrentaram na disputa pela medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Londres. Na ocasião, o Brasil saiu de quadra derrotado por 8 x 1 e ficou com a medalha de prata – também inédita na modalidade. Neste sábado, a história foi outra e os brasileiros puderam comemorar a conquista mais importante do goalball do país até o momento.

Embalados por uma vitória arrasadora na semifinal sobre a Lituânia – que era a atual campeã mundial –, os brasileiros entraram em quadra dispostos a devolver a derrota dos Jogos Paraolímpicos e conquistar o Mundial. E logo nos primeiros lances, a Seleção Brasileira abriu o placar, com Romário. Depois, Leomon começou mais um show de arremessos para as redes: fez dois gols no primeiro tempo e outros quatro no segundo. O jogador terminou o Mundial como artilheiro da competição, com 51 gols em dez jogos.

Desde os primeiros jogos, o grupo comandado por Tosim mostrou muita qualidade tanto atacando como defendendo. Com seis jogadores jovens, porém experientes – cinco deles estavam na campanha de prata de Londres –, o treinador pôde promover um rodízio constante, mantendo o nível alto em quadra sem desgastar os atletas.

Em dez jogos, os brasileiros venceram nove, marcaram 99 gols e sofreram 40. A seleção só não terminou o campeonato com 100% de aproveitamento porque empatou com a Turquia em 4 x 4, em partida válida pela quinta rodada. Na fase de grupos, o Brasil venceu a Bélgica, por 7 x 3; a China, por 14 x 6; o Egito, por 12 x 2; o Japão, por 8 x 1; empatou com a Turquia; e fechou a parte classificatória da competição com vitórias sobre o Canadá, por 11 x 6, e Lituânia, por 11 x 5. Nas quartas de final, a Seleção masculina passou pelo Irã, ao vencer por 11 x 8. Na semifinal, voltou a derrotar a Lituânia, por 14 x 4, para chegar à sonhada final.

Fonte: CPB

A celebração do Brasil e dos brasileiros no Financial Times

sab, 05/07/2014 - 15:32 - Atualizado em 05/07/2014 - 15:32



Jornal GGN - O escritor britânico e articulista de futebol Simon Kuper manifestou suas impressões sobre a Copa do Mundo do Brasil, em sua coluna no Financial Times Magazine, desta sexta-feira (4). Sob o título “Por que o Brasil já venceu”, Kuper introduz: “passeando em Copacabana, você percebe que uma praia de primeira linha deve ser um elemento obrigatório em todas as futuras Copas do Mundo”.

O colunista caminha do cenário nacional, o meio ambiente, gostos, jeito e a gentileza dos brasileiros para tentar explicar por que, das sete Copas do Mundo que esteve desde 1990, “esta é o melhor”. E, segundo ele, “a tarefa agora vai ser trabalhar para que possamos engarrafar o sentimento brasileiro e reutilizá-lo na Rússia em 2018 e Qatar em 2022”.

Em primeiro lugar, responsabiliza o futebol ofensivo que a Copa desse ano está oferecendo. Em apenas 10 partidas, este Mundial já contou com mais gols do que as Copas do Mundo de 2006 e de 2010.

A segunda razão, o Brasil. Simon Kuper elege: depois de um inverno sul africano em 2010, a receptividade do sol quente; as praias, que segundo o escritor, a partir dessa Copa, além dos estádios, praia de primeira linha deve ser elemento obrigatório – estrutura que os alemães não puderam fornecer, em 2006.

“Um terceiro elemento que nenhuma Copa do Mundo deve existir sem: os brasileiros. Se você mora em Paris, é desorientador vir para um país onde quase todo mundo é gentil”, destaca o colunista. Enquanto no Japão, o choque cultural vinha da educação, no Brasil vem da gentileza, explica.

Kuper analisa o futebol não só pelo esporte. Ele é conhecido também por introduzir a perspectiva sociológica que rodeia a bola no pé. Em uma Copa do Mundo, o trabalho é desgastante para os jornalistas que fazem a cobertura: se dorme pouco, vive sobrecarregado em centros de mídia incendiados. “Mas na mistura com os brasileiros, você aprende a lidar com contratempos com graça. O táxi que você pediu para correr para o aeroporto não veio? Agora você está preso no trânsito? Sente-se e relaxe”, aponta.

Nos jogadores, Simon Kuper também admirou o sentimento amigável, mesmo após ser empurrado, jogado no chão e mordido. “Eu morderia de volta”, adverte.

O último item destacado pelo jornalista: a segurança. Nos seus primeiros torneios, ofuscava o medo obsessivo de hooligans. Chegou, inclusive, a ser barrado na fronteira italiana na Copa de 1990, sendo confundido com um deles. Os mundiais pós 11 de setembro, o medo era de terroristas. Do último evento, era o crime sul-africano.

Kuper elogiou a segurança para os turistas e a liberdade para estender as comemorações nas noites de São Paulo e do Rio de Janeiro.

“Normalmente, os melhores momentos em uma Copa do Mundo são quando você escapa momentaneamente da Copa do Mundo. No início do torneio, eu fiz o que provavelmente será a minha única visita que eu nunca fiz para a Amazônia. Passei 30 horas lá, principalmente assistindo futebol em bares. Mas só em uma manhã, eu saí para uma caminhada em Manaus, desligado de uma feia rua industrial, e de repente vi o grande rio batendo no final de um beco sem saída. Um homem de shorts estava na água, lavando seu cabelo. Galos bicavam uma sujeira. Falei com eles por cerca de cinco minutos. Então eu fui assistir Inglaterra-Itália”, conta em observação, concluindo o artigo.

Leia o artigo: Why Brazil’s already won.

Por que escolhemos Dilma Rousseff

Editorial

Queiram ou não, Aécio Neves e Eduardo Campos serão tragados pelo apoio da mídia nativa e da chamada elite. Ou seja, da reação

por Mino Carta — publicado 04/07/2014 03:52, última modificação 05/07/2014 12:16

Celso Junior/Estadão Conteúdo


A presidenta não esmoreceu na luta contra a desigualdade

Começa oficialmente a campanha eleitoral e CartaCapitaldefine desde já a sua preferência em relação às candidaturas à Presidência da República: escolhemos a presidenta Dilma Rousseff para a reeleição.

Este é o momento certo para as definições, ainda mais porque falta chão a ser percorrido e o comprometimento imediato evita equívocos. Em contrapartida, estamos preparados para o costumeiro desempenho da mídia nativa, a alegar isenção e equidistância enquanto confirma o automatismo da escolha de sempre contra qualquer risco de mudança. Qual seria, antes de mais nada, o começo da obra de demolição da casa-grande e da senzala.

O apoio de CartaCapital à candidatura de Dilma Rousseff decorre exatamente da percepção de que o risco de uns é a esperança de outros. Algo novo se deu em 12 anos de um governo fustigado diária e ferozmente pelos porta-vozes da casa-grande, no combate que desfechou contra o monstruoso desequilíbrio social, a tolher o Brasil da conquista da maioridade.

CartaCapital respeita Aécio Neves e Eduardo Campos, personagens de relevo da política nacional. Permite-se observar, porém, que ambos estão destinados inexoravelmente a representar, mesmo à sua própria revelia, a pior direita, a reação na sua acepção mais trágica. A direita nas nossas latitudes transcende os padrões da contemporaneidade, é medieval. Aécio Neves e Eduardo Campos serão tragados pelo apoio da mídia e de uma pretensa elite, retrógrada e ignorante.

A operação funcionou a contento a bem da desejada imobilidade nas eleições de 1989, 1994 e 1998. A partir de 2002 foi como se o eleitorado tivesse entendido que o desequilíbrio social precipita a polarização cada vez mais nítida e, possivelmente, acirrada. Por este caminho, desde a primeira vitória de Lula, os pleitos ganham importância crescente na perspectiva do futuro.

CartaCapital não poupou críticas aos governos nascidos do contubérnio do PT com o PMDB. No caso do primeiro mandato de Dilma Rousseff, vale acentuar que a presidenta sofreu as consequências de uma crise econômica global, sem falar das injunções, até hoje inescapáveis, da governabilidade à brasileira, a forçar alianças incômodas, quando não daninhas. Feita a ressalva, o governo foi incompetente em termos de comunicação e, por causa de uma concepção às vezes precipitada da função presidencial, ineficaz no relacionamento com o Legislativo.

A equipe ministerial de Dilma, numerosa em excesso, apresenta lacunas mais evidentes do que aquela de Lula. Tirante alguns ministros de inegável valor, como Celso Amorim e Gilberto Carvalho, outros mostraram não merecer seus cargos com atuações desastradas ou nulas. A própria Copa, embora resulte em uma inesperada e extraordinária promoção do Brasil, foi precedida por graves falhas de organização e decisões obscuras e injustificadas (por que, por exemplo, 12 estádios?), de sorte a alimentar o pessimismo mais ou menos generalizado.

Críticas cabem, e tanto mais ao PT, que no poder portou-se como todos os demais partidos. Certo é que o empenho social do governo de Lula não arrefeceu com Dilma, e até avançou. Por isso, a esperança se estabelece é deste lado. Queiram, ou não, Aécio e Eduardo terão o pronto, maciço, às vezes delirante sustentáculo da reação, dos barões midiáticos e dos seus sabujos, e este custa caro.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quando os EUA mentem

3/7/2014 13:27
Por Francisco Carlos Teixeira - do Rio de Janeiro

A versão de incapacidade de formar um Estado viável, em razão de divergências religiosas, oculta a continua e longa intervenção ocidental no Mundo Árabe

A imprensa ocidental, e por vício habitual de cópia, a mídia brasileira, resolveu assumir uma narrativa da atual e crítica situação do Oriente Média em termos de oposição intra-islâmica, colocando frente à frente a oposição entre as diversas concepções do Islã, em especial entre sunitas e xiitas. Em face do radicalismo das duas interpretações da mensagem do Profeta Mohammed o Islã estaria, definitivamente, dividido e a formação de unidades estatais viáveis seriam impossíveis.

De fato, ambas as vertentes se enfrentam, desde a morte do Califa Ali – primo e genro do Profeto - aqueles que defendiam a manutenção indicativa do “Califado” nas mãos dos ricos comerciantes do clã coraixita e os demais, que defendiam a linha sucessória na família do Profeta – com os descendestes de sua filha Fátima casada com Ali – tornou-se um ponto de forte divisão. O califado, esta forma de governo religioso e laico do Islã, foi formalmente extinto entre 1923 e 1924, quando os turcos consolidaram a República em seu país, e o monarca turco, o sultão, que era também o califa, perdeu seus títulos. Desde então o Islã não possui um califa, seja de tradição sunita, seja de tradição xiita.

Tal divisão, entre sunitas (tradicionalistas) e xiitas ( de “shia”, os partidários de Fátima e Ali ) só se aprofundou desde o cisma do século VIII: contatos com o mazdeísmo persa e cristianismo bizantino e a heresia nestoriana, o Islã xiita assumiu aspectos bastante diferentes do sunismo tradicional, admitindo romarias, cerimônias de flagelação, culto aos homens santos, relíquias e santuários (túmulos de homens santos, por exemplo em Karbala e Najaf), além de uma total repulsa ao “califa” ( de “kalifat rasúl Allah”, onde “califa” é o título do “sucessor” enviado por Deus, e que guardaria em si o poder civil e religioso). Após o assassinato de Ali, sangue do Profeto, e seus filhos, todos os “califas” (os “sucessores” seriam ímpios e carregariam a culpa do derramamento do sangue do verdadeiro e único Profeta.

O domínio turco sobre os árabes – desde o século XV até 1918 – e depois disso o domínio francês e britânico só aprofundaram as divisões, com as potencias coloniais escolhendo os sunitas – mais inclinados em aceitar as exigências do poder e reconhecer a autoridade dos governantes – para formar as elites dominantes pro-Ocidente. Foi assim no Iraque: uma rala minoria de sunitas foi organizada pela Grã-Bretanha, desde 1918, para governar a maioria da população xiita. Assim, sunitas e os interesses imperialistas ocidentais uniram-se no Iraque, no Líbano, na Síria, nos Qatar e na Arábia saudita – sempre resultando em ditaduras cruéis e altamente repressoras.

No regime do Partido Baath (Baas), sob Saddan Hussein, houve um arranjo precário com cristãos e certa tolerância com os xiitas, mas nos últimos anos do regime Saddan, os xiitas – muitas vezes apoiados e incentivados pelos EUA – revoltaram-se contra Saddan (um sunita) – e foram brutalmente reprimidos, com milhares de mortes e um amplo uso da tortura.

Assim, a versão de incapacidade de formar um Estado viável, em razão de divergências religiosas, oculta a continua e longa intervenção ocidental no Mundo Árabe, e a responsabilidade do Ocidente de lançar grupos religiosos e étnicos uns contra outros, visando facilitar a dominação estrangeira (foi assim na Índia sob domínio britânico; em Ruanda sob o colonialismo belga ou na Nigéria sob domínio britânico, por exemplo). Desta forma, o papel do imperialismo e do colonialismo, sua responsabilidade nas divisões locais, incluindo aí, a política dos Estados Unidos para a região e antes dela, a contínua intervenção colonialista da Grã-Bretanha e da França, herdada pelos próprios norte-americanos, fica excluída da responsabilidade factual e moral pela atual situação na região.

A principal “causa” apontada pela imprensa, repercutindo declarações e notas à imprensa, das autoridades de Washington, é a “incapacidade” do governo do premier Al-Maliki, um xiita, em “unir” e liderar um governo com sunitas e curdos.

Ora, um governo de coalizão funcionava no Iraque desde que este recuperou sua autonomia, na era pós-Saddan Hussein – com curdos, xiitas e sunitas. O governo parlamentar, misto, baseado em ampla coalizão étnica e religiosa, visava, exatamente, dar voz e direitos a maioria da população do Iraque, constituída de xiitas, e autonomia controlada para os curdos, e que foram perseguidos, e mortos em grande número, durante os anos da ditadura de Saddan.

Uma das milícias xiitas da era pós-Saddan foi exatamente o “Dawa”, um grupo que enfrentou, além da Al-Qaeda, os remanescentes da Guarda Republicana de Saddan e os próprios americanos, de quem queriam uma rápida saída do Iraque depois da invasão de 2003. Desde 2006, o “Dawa”, transformado em partido político sob a liderança de Al-Malik, governa, com a maioria parlamentar, governa de Bagdá. Trata-se, a bem da verdade, de uma ampla e frágil coalizão. A oposição a Al-Malik não está centrada nos sunitas e/ou na exclusão destes. Mas, em outros grupos xiitas, inclusive nas “Milícias do Mahdi”, do líder Muqtada Al-Sadr, líder da “Milícia do Mahdi”, favorável à criação de um regime islâmico no país.

Nouri Al-Malik, por sua vez, foi exilado longo tempo na Síria (foi condenado à morte por Saddan), opôs-se fortemente aos Estados Unidos. Al-Malik se opõe, em especial, a política americana de reintegrar numerosos quadros do proibido Partido Baath – o partido único no poder na Era Saddan – incluindo a readmissão de militares fiéis a Saddan, policiais acuados de torturas, juízes e funcionários públicos do Baath envolvidos nas brutais repressões da Era Saddan. Na versão americana da recusa de Al-Malik se deve ao sectarismo “xiita” do premier. Na verdade, os Estados Unidos estão propondo ao governo do Iraque – por sinal reeleito em 30 de janeiro de 2014 – é que aceite, e perdoe, os membros do governo de Saddan, que participaram ativamente de ataques brutais contra a maioria o xiita do seu próprio povo.

Em nome da “união nacional”, os Estados Unidos, mais uma vez e em mais um país – tal como fez na América Latina -, exige que criminosos e violadores de direitos humanos, sejam levados ao poder e o passado recente seja esquecido. Washington gostaria, bem mais, de ver no governo homens como Ahmed Chalabi, premier entre 2005 e 2006, é um “cliente” da CIA e pensionista do governo americano. Chalabi, o principal informante dos EUA e chamado “o homem que preparou a invasão do Iraque”, perdeu sua cadeira no parlamento na última eleição. Outro nome defendido pelos EUAseria Ilyad Allawi, um líder secular, não religioso, ex-membro do Partido Baath, de Saddan Hussein, e que foi membro do governo de transição entre o governo de ocupação dos EUA e o novo governo livre do Iraque. O que ocorre é que ambos não possuem votos que legitimem suas possibilidades de formar um governo. Mas, tal qual fora no Vietnã do Sul (com Cao Ky e Van Thieu), nos anos de 1960, os EUA insistem na sua política de “nomear” os governantes de países clientes, malgrado os resultados das eleições.

Al-Maliki, acusado no passado de ter organizado atos terroristas contra os Estados Unidos e a França no Oriente Médio, causa, ainda, outros “transtornos” a Washington. Em primeiro lugar, as exigências americanas de extraterritorialidade para todo seu pessoal, incluindo militares, policiais e “contratados” (ou seja, mercenários) americanos no Iraque, foi recusado pelo Gabinete Al-Maliki. Assim, sob pressão da então secretária de defesa Hillary Clinton (entre 2009 e 2013), os Estados Unidos optaram, para melhorar e adornar a política externa “pacifista” de Obama, por uma retirada total de tropas do Iraque. Tratou-se, claramente, de um ato de chantagem: ou os EUA controlavam amplamente as FFAA e a Polícia iraquiana, com a inclusão dominante dos ex-membros do Baath, ou partiriam.

Al-Maliki optou pelo risco e pela manutenção da abaladíssima soberania iraquiana.
Além disso, em dois pontos fundamentais da política externa de Obama para o Oriente Médio, Bagdá contrariava os EUA. Por um lado, estreitou suas relações com o Irã, o maior país muçulmano xiita, governado por um regime hostil a Washington e a Israel, além de se aproximar da Rússia, onde comprou armas de alta performance (a ex-URSS era uma aliada do Iraque). Obama-Clinton tentaram, largamente, impedir as relações amigáveis entre Bagdá e Teerã e Moscou (o Partido “Dawa” de Al-Maliki possuiu fortes vínculos com o clero xiita iraniano) e sabotava claramente a tentativa americana de isolar o Irã.

Da mesma forma, Bagdá ensaiou uma política externa independente em relação às chamadas revoluções das “Primaveras” árabes, em especial na Síria. Para Bagdá, e Teerã, a situação na Síria era, e é, totalmente distinta das demais “primaveras”. Desde cedo denunciaram uma ampla intervenção externa, oriunda do Catar e da Arábia Saudita, com apoio dos Estados Unidos, Turquia e França, para derrubar o regime de Assad, uma coalizão xiita (alawita) e de cristãos, de caráter nacionalista, pan-árabe e anti-Israel. Teerã e Bagdá denunciaram, desde logo, a intervenção estrangeira e a presença de mercenários e voluntários vindos do Golfo Pérsico, financiados pela Arábia Saudita e armados pela Inglaterra e França, visando derrubar o regime de Damasco.

Na Síria formou-se uma ampla coalizão fundamentalista, sunita, e de caráter altamente intolerante e conservador: a Al-Qaeda, a Frente Al-Nusra e a dissidência “Estado Islâmico do Iraque e do Levante (leia-se, Síria), chamado ISIS, em inglês.

Tal coalizão, no início manipulada pela Arábia Saudita – a possibilidade de unificar uma ampla área de territórios árabes sob sua autoridade e eliminar a influência iraniana na região–, tornou-se cada vez mais autônoma, e acabou por unir-se claramente aos ideais da Al-Qaeda, a qual foi, por fim, superada pela dureza e crueldade do “Estado islâmico do Iraque e do Levante”.

Por fim, Al-Maliki causou grande mal-estar em Washington, e Paris, ao apoiar os grupos pan-arabistas e xiitas no Líbano, onde o Partido “Dawa”, coirmão libanês do “Dawa” iraquiano e também muito próximo de Teerã, enfrentou as tropas americanas e francesas no Líbano.

Assim, nos anos recentes da Administração Barack Obama-Hillary Clinton (2009-2013) – cada vez mais próxima da centro-direita e da direita conservadora americana e dos interesses sauditas nos EUA – deu-se uma clara opção anti-Irã, anti-Dawa, anti-xiíta, baseando-se num triangulo estratégico capaz de dominar o mundo árabe, centrado na Turquia, Israel e Arábia saudita. Por tal opção, obsessivamente anti-iraniana, Washington permitiu o crescimento do fundamentalismo wahabita – o ramo mais radical do Islã sunita, que executa membros do clero xiita e destrói os lugares santos do xiismo -, a formação de um amplo exército e deu a estes uma base territorial, dominando territórios da Síria e do Iraque, fato que a Al-Qaeda jamais conseguira. O mais estranho de tudo, a somar-se a este imenso rol de erros estratégicos, políticos e antropológicos de Washington, é que a morte de Osama bin Laden, fortaleceu e acelerou a luta contra o governo de Bagdá, estabelecido pela invasão americana em 2003. A desaparição da liderança carismática de Bin Laden, entre seus seguidores e simpatizantes, permitiu a emergência de forças dissidentes como o “Estado islâmico do Iraque e do Levante” e a proclamação do “califado”, abrindo uma nova e explosiva realidade no Oriente Médio.

Enfim, os Estados Unidos, agiram como Harry Porter ao ganhar sua primeira varinha mágica: libertaram forças que não conheciam e não controlam. A diferença, crucial, é que neste caso há claro risco de descontrole geral e um amargo fim para os povos locais.

Francisco Carlos Teixeira é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.