sábado, 26 de julho de 2014

A França contra o banco suíço UBS

25/7/2014 16:51
Rui Martins, de Genebra

Por que o governo não exige o repatriamento da centena de bilhões de dólares de brasileiros na Suíça?

Os suíços são comprovadamente um povo honesto. Mas seus banqueiros não são! Enquanto não existia a União Européia, os bancos suíços, situados no meio da Europa, aspiravam impunemente o dinheiro dos países vizinhos, como o da França. Era o dinheiro destinado aos impostos de renda que os mais abastados desviavam para uma conta secreta suíça. Os bancos suíços eram cúmplices da evasão fiscal nos países europeus sem qualquer represália.

Isso começou em 1934, quando a Suíça, geralmente governada pelos banqueiros, sentindo o risco de uma guerra e a necessidade dos ricos guardarem seus bens, criou o segredo bancário. A novidade atraiu principalmente o capital dos judeus perseguidos pelos nazistas. A maioria deles morreu no Holocausto e o dinheiro ficou rendendo nos cofres dos bancos suíços, até estourar o escândalo da apropriação dessas contas pelos bancos, nos anos 90.

E ficou-se sabendo que filhos ou netos dos depositantes nos bancos suíços, ao tentarem reaver os bens depositados por seus pais ou avós, eram supreendidos com a escandalosa exigência de apresentarem um atestado de óbito de Auschwitz ou de outro campo de concentração.

O banco UBS, considerado um dos primeiros bancos suíços, tinha comprado dos nazistas os bens imóveis dos judeus de Berlim, deixados vazios ao serem enviados aos campos de concentração. Quando estourou o escândalo das contas dos judeus nos cofres suíços, o banco UBS começou a destruir os documentos dessas compras, mas um guarda-noturno salvou-os em sacolas de supermercados e mostrou-os à imprensa.

Em lugar da justiça suíça processar o banco UBS, abriu processo contra o guarda-noturno que fugiu para os EUA e se tornou o primeiro refugiado suíço nos Estados Unidos com green card concedido pelo Congresso americano e pessoalmente pelo então presidente Bill Clinton. Pouca gente tinha coragem de dizer, mas nos meus artigos para o jornal português Público, do qual era correspondente, sempre qualifiquei a apropriação das contas dos judeus como roubo.

Houve um processo, os bancos suíços tiveram de pagar vultosas indenizações e a imagem dos bancos suíços e da própria Suíça saiu desgastada.

A história poderia parar por aí, mas continuou e assumiu feições ainda mais graves.

Dez anos depois das contas dos judeus, o segredo bancário suíço voltou à atualidade quando alguns informáticos de bancos suíços venderam para a Alemanha e a França alguns CDs contendo milhares de nomes de possuidores de contas secretas, onde estavam milhões e milhões de euros roubados ao fisco alemão e francês. Quase ao mesmo tempo, os Estados Unidos exigiram da Suíça e dos bancos suíços os nomes dos americanos com conta secreta.

A questão envolveu a Suíça, os deputados e senadores foram chamados a votar, se os bancos suíços deveriam ou não ceder à exigência americana, numa espécie de traição aos seus clientes. Porém a Suíça não tinha escapatória, ou isso ou teria seus bancos proibidos nos EUA com consequências funestas na praça financeira suíça. Milionários americanos, que ocultavam milhões de dólares do fisco americano, espumavam de raiva, pois sabiam ter de afrontar multas enormes e mesmo o risco de prisão por ocultarem suas fortunas com declarações de impostos mentirosas.

Porém, nem todos os sonegadores americanos, franceses e americanos tinham tomado a iniciativa, por eles próprios de desviarem parte de seus rendimentos para os cofres secretos suíços. A maioria foi induzida a isso por funcionários dos bancos suíços, que lhes acenavam com a tentação de usarem o dinheiro destinado aos impostos. Aproveitavam-se de competições hípicas, de golfo ou de tenis para contatar os milionários e lhes convencer a abrirem contas secretas num banco suíço, como o UBS, que cuidaria de desviá-las para as Ilhas Caimãs ou bancos off shore.

Por isso, os bancos suíços estão sendo processados nos EUA e em países da União Européia. E agora é a justiça francesa que abre um processo contra o banco UBS e pede como caução a soma de um 1,1 bilhão de euros para começar o procedimento. O banco julga a soma exorbitante, mas a adoção pela França dos valores elevados aplicados pela justiça americana irá, sem dúvida, acabar com a estratégia dos banqueiros suíços de purgar o erário público dos países vizinhos.

E o Brasil teria alguma coisa a aprender com a França, Alemanha, EUA em matéria de luta contra a evasão fiscal?

Sim e poderia ganhar muito, mas muito mesmo. As contas secretas dos milionários brasileiros vão além dos 100 bilhões de dólares e o Brasil poderia exigir da Suíça e dos bancos suíços o pagamento dos impostos de renda devidos por essas fortunas ocultas (medida mais moderada) ou o repatriamento dessas fortunas (medida mais radical).

Porém, o que impede ao Brasil ter uma legislação tão severa como a dos EUA, da Alemanha ou da França em matéria de impostos devidos ao fisco? Legislação que não pode ser chamada de legislação de esquerda. Aparentemente é o rabo curto nessa questão, tanto dos legisladores da oposição como da situação ou mesmo de gente mais importante. Não fosse isso, há muito tempo, algum deputado ou senador já teria proposto um acordo bilateral rigoroso com a Suíça proibindo aos bancos suíços incentivarem a evasão fiscal. Consta que muitos milionários podem entregar, mesmo no Brasil, a soma a ser desviada para a Suíça sem qualquer impecilho ou controle.

Assim, se hoje a União Européia e os EUA fazem os bancos suíços pagarem multas vultosas por incentivarem o roubo pela evasão fiscal, continuam sem controle algum os países africanos, asiáticos e latinoamericanos, entre eles o Brasil. Quem teria coragem de legislar a esse respeito e ter de repatriar suas contas secretas para o Brasil?

Já que vai haver eleições, seria uma boa decisão os candidatos incluírem nos seus programas o repatriamento das contas secretas de brasileiros na Suíça e nos bancos off shore. Mas quem tem coragem para isso ?

Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, editor do Direto da Redação, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, pela recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes. Foi duas vezes eleito representante no Conselho de Emigrantes, para os quais quer a emancipação política. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa.

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