terça-feira, 19 de novembro de 2013

O último julgamento de exceção e o fim de uma farsa

Jeferson Miola

A direita, derrotada política e eleitoralmente, com partidos aos frangalhos, organiza o combate ideológico ao PT a partir do STF e da mídia monopólica.

É cada vez mais consensual nos meios políticos, intelectuais e jurídicos honestos que o chamado caso do “mensalão” teve um julgamento de exceção. E é cada vez mais evidente que a maioria dos Ministros do STF fez desse julgamento um espetáculo político para destruir a imagem do PT e, correlatamente, reescrever a narrativa do período Lula.

Na largada, a maioria do STF subtraiu dos réus uma garantia basilar do estado democrático de direito: o duplo grau de jurisdição. Com esse detalhe nada menor, essa maioria enjaulou o julgamento na sua arena inexpugnável: o Supremo Tribunal Federal.

A teoria do “domínio do fato”, aplicada para julgar e punir os nazistas, foi trasladada para o sistema jurídico brasileiro como mera roupagem para embalar a condenação que na realidade estava premeditadamente decidida pelo relator Joaquim Barbosa, não sem impressionante ódio e animus condenatório.

Claus Roxin, o jurista alemão que aperfeiçoou essa teoria nos anos 1960, alertou para o erro do STF de aplicá-la sem amparo em provas [entrevista à FSP de 11/11/2012]. A Ministra Rosa Weber soltou a seguinte afirmação no seu voto: “Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Além de estuprar a lógica probatória fundamental do direito penal, o péssimo uso da tal “literatura jurídica” foi recriminado por Claus Roxin.

Ives Gandra Martins, jurista de posições conservadoras, sempre situado no front ideológico oposto ao PT, em entrevista para a insuspeita anti-petista Folha de São Paulo no dia 22/09/2013, denunciou que José Dirceu foi condenado sem provas, e que a adoção de tal teoria cria uma “insegurança jurídica monumental” no ordenamento jurídico brasileiro.

Depois da condenação casuística, sobreveio uma série de atropelos e violências jurídicas na definição das penas, dos regimes de prisão e no rechaço de recursos interpostos pelos réus. Finalmente, no feriado de 15 de novembro, em decisão monocrática [mais assemelhada a despótica], o Presidente do STF determinou a prisão imediata de 12 dos 25 condenados. Para a épica dos justiceiros do STF e da mídia totalitária que os incensa, não haveria data simbolicamente mais potente que o feriado do dia da República.

Não por acaso, na primeira leva foram presos os três ex-dirigentes do PT. Prisões marcadas por arbitrariedades, abusos e ilegalidades: sem o trânsito em julgado, postos em regime superior ao sentenciado [fechado, ao invés de semiaberto] e em estabelecimento prisional distinto do domicílio e do trabalho.

Com a aposentadoria de dois Ministros em 2012, foi desfeita a maioria thermidoriana do STF que patrocinou as barbaridades no julgamento. A consequência foi imediata, com a restauração dos princípios básicos do Estado de Direito na recepção de alguns recursos infringentes. Mas o efeito mais benéfico do desfazimento dessa maioria thermidoriana é a afirmação de uma consciência jurídica democrática atenta à Constituição e às Leis do país, e não submissa à intolerância e ao ódio da mídia e da direita contra o PT e os setores populares.

É difícil acreditar que a decisão do STF na Ação Penal 470 possa criar jurisprudência - é essencial e indispensável à democracia que assim não seja. Essa decisão é uma aberração jurídica promovida por uma maioria ocasional do STF; um acidente na vida institucional do país, somente comparável a períodos de exceção ditatorial.

Os políticos do PSDB, que inventaram o sistema de arrecadação ilegal bem antes e ainda não foram julgados pelas razões ideológicas conhecidas, não serão fuzilados com os critérios jurídicos empregados contra os petistas, porque aquela maioria ocasional foi desfeita. E esse fato também será essencial e indispensável à democracia, porque significará a restauração do Estado de Direito, do amplo direito de defesa e da condenação baseada em provas, não em vontades, ilações ou ódios do julgador.

Essa realidade, que surgirá mais cedo que tarde, terá o valor simbólico da absolvição política e moral das vítimas de tamanha violência jurídica. O espetáculo armado para atingir o PT, Lula e o governo Dilma, terá efeitos contrários em 2014. No próximo ano, quando o STF retomar o julgamento dos embargos infringentes, dificilmente será mantida a infame e forjada acusação de formação de quadrilha. Será derrubado, com isso, o principal alicerce da acusação, e será outra prova contundente do viés político e ideológico desse julgamento.

As extraordinárias mudanças observadas no Brasil nos governos Lula e Dilma não foram acompanhadas de transformações na lógica secular e conservadora de poder. O PT paga, assim, um alto preço pelo recuo programático em temas cruciais para a democracia.

O PT deve retomar urgentemente iniciativas em defesa da [1] democratização e pluralidade dos meios de comunicação, da [2] reforma do Judiciário e da [3] reforma política. As mudanças do país promovidas pelo PT exigem uma contrapartida institucional, para evitar o retrocesso conservador. A luta por uma Assembléia Nacional Constituinte capaz de enfrentar as reformas necessárias nestes três âmbitos é um vetor natural para o enfrentamento desse desafio.

A direita, derrotada política e eleitoralmente, com partidos aos frangalhos, sem programa e sem capacidade de oferecer uma visão de futuro para o Brasil, organiza o combate ideológico ao PT a partir do STF e da mídia monopólica. Eles são capazes de cometer loucuras para recuperar o poder. O PT com Dilma, com Lula e com sua generosa militância, deve precaver o povo brasileiro do terrorismo que eles promoverão, mas, principalmente, deve aprofundar as mudanças estruturais que o país exige.

Nota do PT

“O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, reunido no dia 18 de novembro de 2013, aprova a seguinte nota de conjuntura:

Ao se aproximar o final de 2013, o Diretório Nacional do PT reitera sua confiança e apoio às ações de nosso governo federal. Os fatos mostram que, apesar das dificuldades geradas pela crise econômica internacional, nosso país continua gerando novos empregos, ampliando a renda e valorizando os salários da maioria de nosso povo. A inflação está sob controle, o equilíbrio fiscal é uma realidade e o nível de investimento tende a crescer, sobretudo com as concessões nas áreas de infraestrutura e logística, além das repercussões dos leilões no setor petrolífero.

O processo de distribuição de renda por meio da geração de mais de 20 milhões de empregos, da elevação do salário mínimo e das políticas de seguridade social fortaleceu e ampliou nosso mercado interno e as políticas sociais.

A política realizada no Brasil, hoje referência internacional, vai na direção oposta à que tem sido levada a cabo pela União Européia e organismos internacionais em países em crise como Portugal, Grécia e Espanha. Lá, ainda prevalece o ajuste fiscal, os ataques ao emprego e bem-estar de milhares de trabalhadores e a violência contra os movimentos sociais que marcaram os anos 90 no Brasil e na América Latina.

Nossa militância, dentro e fora do governo, pode, pois, travar com mais intensidade a disputa a favor do nosso projeto. Semanas atrás, por exemplo, comemoramos os 10 anos do Bolsa Família, o maior programa de inclusão social do mundo, que os nossos adversários tachavam de ”bolsa esmola”. A defesa dos projetos sociais, todos eles articulados com o Bolsa Família, facilita a abertura de diálogo com a população, beneficiária ou não, e possibilita fazer a diferenciação entre nosso modelo de desenvolvimento e o de nossos adversários.

Há uma ofensiva permanente contra nosso Governo e contra o PT por parte da Oposição, já há três eleições nacionais afastadas do Governo pela maioria do povo.

Pouco a pouco, Instauram o terrorismo junto ao povo, ao prognosticarem índices de inflação acima de qualquer previsão séria. Torcem pelo rebaixamento da nota do Brasil pelas desacreditadas agências de “rating”. E, em vilegiaturas pelo exterior, desaconselham investimentos no País, sob a alegação de descontrole da nossa economia.suas intenções reais, esboçam aspectos de seus programas de governo, versões remodeladas de projetos vencidos nas urnas, como a de que é preciso alterar a lei do salário mínimo para aumentar a produtividade da economia. Ou de que um certo nível de desemprego é necessário para o País voltar a crescer como antes.

Tentam, por fim, criar desconforto na população, que, informada sobre o que ocorreu no passado, não deseja a volta da inflação, nem da instabilidade que traz consigo o desemprego e a queda da qualidade de vida.

É nosso papel combater o discurso e as falácias da oposição a respeito da economia, da política econômica e da ação governamental, sem deixar de manifestar nossa rejeição a propostas como a da independência do Banco Central, rapidamente descartada pela presidenta. Da mesma maneira, é preciso não baixar a guarda com relação às taxas de juros, bem como a obsessão por superávits primários que sacrifiquem as políticas de distribuição de renda e geração de empregos.

Vale tudo para tentar barrar a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Esta tem sido a estratégia e a palavra de ordem da oposição. Seja a do bloco formado pelo PSDB, DEM, PPS e conexos, seja a recente articulação pretensamente de terceira via, encabeçada pela maioria do PSB.

Contam a seu favor neste momento com a ação orquestrada da mídia monopolizada, bem como a simpatia de setores do grande capital, de altos funcionários do aparelho Judicial e do Ministério Público.

Parte significativa do esforço da oposição política, partidária, midiática e social tem sido a repercussão, à exaustão, das condenações de lideranças petistas no curso da AP 470. Novos episódios deste fim de semana vieram a retomar essa linha de atuação. A prisão arbitrária de companheiros petistas, sem que seus recursos tivessem sido julgados, foi mais um casuísmo jurídico – de tantos que a maioria do Supremo Tribunal Federal perpetrou ao longo da Ação Penal 470. Mais que isso, constitui grave violação ao instituto do direito de defesa, princípio fundamental no Estado democrático de direito.

Não fosse só por isso, o mandado de prisão expedido pelo presidente do STF, ao não especificar o regime de cumprimento das penas, além de propiciar um espetáculo indesejado e condenável, desrespeitou direitos dos companheiros e ainda colocou em risco a vida do deputado José Genoino, cardiopata recém-operado.

Condenados sem provas, num processo nitidamente político e influenciado pela mídia conservadora, os companheiros estão sendo vítimas, desde o início, de uma tentativa de linchamento moral, que visa, também, criminalizar o PT e influir na disputa eleitoral.

O DN reafirma o conteúdo da Nota da CEN de novembro de 2012. O julgamento dos petistas denunciados na AP 470 foi injusto, nitidamente político e alheio às provas dos autos. Com serenidade e equilíbrio, reiteramos que nenhum de nossos filiados comprou votos no Congresso Nacional.

Como afirmamos em nosso 3o. Congresso, a crise é do sistema político que prevê financiamento privado de campanhas e que privilegia o marketing político pessoal em detrimento de programas e Partidos, essenciais ao processo democrático.

Para romper com essa lógica, o PT tem estado à frente da luta pela Reforma Política, pelo financiamento público exclusivo de campanhas, pela lista partidária pré-ordenada com paridade de gênero e pela ampliação da democracia participativa.

O PT saúda e se soma à iniciativa de dezenas de movimentos sociais, centrais sindicais e outros organismos da sociedade civil de organizar, na Semana da Pátria de 2014, o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva para a Reforma Política. Somente a mobilização social amplificará a necessidade do instrumento da Constituinte Exclusiva para a realização de uma efetiva Reforma Política no País, como a Presidenta Dilma e o PT defenderam no curso das manifestações populares de junho.

Aproxima-se o dia 20 de novembro, e o PT saúda a importante contribuição da militância petista negra na construção da democracia e do combate às desigualdades e ao racismo institucional. Neste ano, quando as marchas do Dia da Consciência Negra terão como lema “A Juventude Negra quer Viver”, para as quais o Diretório Nacional conclama a participação da militância petista, esperamos ver aprovado o PL 4471. Ao acabar com os autos de resistência, dá-se passo significativo para que a violência e os homicídios contra o povo negro e jovem das periferias sejam enfrentados com maior vigor.

Na agenda política do PT no Congresso, destaca-se ainda a luta pela aprovação do PL 2126/11, estabelecendo o Marco Civil da Internet como um passo na direção da tão sonhada democratização da comunicação de massa no país.

Saudamos a importante conquista da luta por Memória e Verdade neste mês, com a exumação do corpo de Jango e cerimônia com honras de Chefe de Estado ao nosso Presidente, na Base Aérea de Brasília. Parabenizamos a Comissão Nacional da Verdade, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a companheira Presidenta Dilma por esse passo a mais no resgate da responsabilidade do Estado nos crimes cometidos pela ditadura.

Por fim, registro importante na conjuntura foi a realização do nosso PED, que ocupou bastante espaço na mídia e mostrou o ineditismo do modo petista de eleger os (as) dirigentes. Alvo de críticas internas, muitas delas tratando de falhas e distorções que realmente exigem mudanças, prevalecem os avanços da introdução da paridade de gênero, das quotas geracionais e étnico-raciais. Um balanço mais aprofundado deve ser realizado pela nova direção em conjunto com a base militante, a fim de corrigir erros, aperfeiçoar os métodos de escolha das direções, fortalecer os instrumentos de participação e de vinculação com os movimentos sociais, ampliar a formação política e a comunicação para dentro e para fora do PT.

São Paulo, 18 de novembro de 2013.

Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Genoíno corre risco de um mal súbito a qualquer instante, alerta médica


Genoino, visivelmente emocionado, apresenta-se à Polícia Federal, em São Paulo

O pico de pressão que o deputado José Genoino (PT-SP) sofreu no voo rumo ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, onde encontra-se no momento, em uma cela, significa mais do que o atendimento de urgência considera plausível no quadro clínico de um prisioneiro. O alerta parte de uma médica do serviço público, que acompanha o estado de saúde do parlamentar desde a intervenção cirúrgica a que foi submetido em São Paulo, por mais de 8 horas, há cerca de 100 dias. Genoino teve uma dissecção da aorta, quando a artéria abre em camadas, o que provoca hemorragias.

– A formação de um aneurisma, sobretudo em pacientes com um pós-operatório delicado, como é o caso do parlamentar, de 67 anos, é o principal risco à vida, pois um novo pico hipertensivo como este, verificado em condições extremas de estresse, a caminho de uma prisão que ele considera injusta, poderá ser o último – disse a médica à reportagem do Correio do Brasil, em condição de anonimato.

Mas, a preocupação desta especialista não é isolada. Parlamentares do PSDB, adversários políticos de Genoino, também estão preocupados com a gravidade do quadro de saúde do petista. A possível morte de Genoino, em um presídio público, após um julgamento polêmico, diante da resistência do ex-guerrilheiro em aceitar a culpa, imposta por um julgamento que ele e um dos principais líderes políticos do país, o ex-ministro José Dirceu, atribuem a um “tribunal de exceção“, seria o pior dos cenários para a oposição no país.

Mestre e doutor em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em um artigo publicado em sua página na internet, neste domingo, Carlos Alberto Furtado de Melo relata esta preocupação, demonstrada por um senador tucano.

“Vamos lá. Recentemente, conversando com um respeitável parlamentar do PSDB, uma das peças centrais no governo FHC — sim, também tenho amigos entre os tucanos –, ele se disse preocupado com José Genoíno. Soube de seu precário estado de saúde – realmente sério — e de sua depressão originada por tudo o que está vivendo — mesmo antes da prisão, estava confinado em casa, pois nem ao mercado comprar bananas podia ir sem ser hostilizado de modo muitas vezes covarde e oportunista. Meus caros, não se tripudia a alma alquebrada de um condenado!”, afirma Furtado de Melo.

“Voltemos ao caso. Esse respeitável e sério tucano disse-me que o insuspeito senador Jarbas Vasconcelos (PMDB – PE) lhe teria afirmado categoricamente que ‘quem acredita que Genoíno seja um ladrão ou é um sujeito muito mal informado quanto à política, ou só pode ser mesmo um completo imbecil’. Disse-me o tucano que o caso de Genoíno lhe inspirava preocupações mais profundas que as disputas partidárias e que há nele um componente de humanidade que não poderia ser desconsiderado; que há nele um problema terrível quanto à qualidade da política que fazemos que precisava de alguma forma ser corrigido”, acrescentou.

“Não podia fazer muito, mas pediu-me que articulasse uma visita sua à Genoíno; fomos lá, à casa modesta numa rua modesta, resultado de uma vida modesta de uma pessoa modesta. Recentemente, alguém publicou na internet fotos da ‘mansão de Genoíno’ que podem comprovar o que lhes digo; em que pese todo esterco dos comentaristas de internet”, disse.

“Genoíno se mostrou comovido e agradecido pela visita, pessoa igualmente solidária, compreendeu o gesto de solidariedade à parte da rivalidade partidária e das disputas políticas. Ambos ali sabiam que a política pode ser mesmo muito cruel, brutal até mesmo. Ainda assim, o petista tentava enxergar o mundo e o colega parlamentar com olhar de homem altivo e honrado que sempre foi. Não se falou de prisão, não se falou de futuro, portanto; discutiu-se a saúde, o peso dos anos; medicação, assunto inevitável com o correr da idade. E se falou de passado: Dr. Ulysses, Luiz Eduardo Magalhães, ACM, Nelson Jobim, Segurança Nacional; Regime Militar e a prisão e o exílio de então, Resistência Democrática, Diretas-Já, Constituinte e a reconstrução do Brasil nesses anos recentes; a importância dos governos FHC e Lula. Enfim, a grande Política que um dia se fez neste país e que aqueles dois políticos tiveram a oportunidade de viver e eu de estudar. Saudades daquele Brasil”, lamenta o articulista.

Forte tensão

Genoino encontra-se no mesmo presídio que Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério Fernandes. Eles e outros sete condenados no processo que ficou conhecido como ‘mensalão’ que tiveram ordem de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foram transferidos para a principal penitenciária do Distrito Federal no início da noite passada.

Dirceu e Genoino, este visivelmente emocionado, apresentaram-se na sexta-feira, à noite, à PF em São Paulo e, de lá, seguiram em um avião da própria polícia para Belo Horizonte, para buscar um outro grupo de sete condenados. Genoino já apresentava sinais de que sofria um pico hipertensivo quando desembarcou em Brasília. A aeronave chegou à capital federal às 17h45. Às 19h, os presos deixaram o terminal aeroportuário em um micro-ônibus com vidros escuros, escoltado por três carros. Outro veículo se desligou do comboio e seguiu em direção à Superintendência da Polícia Federal, onde buscou os ex-tesoureiros do PL Jacinto Lamas e Delúbio Soares (PT).

As duas mulheres presas – a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello e a ex-diretora da SMP&B Simone Vasconcellos – foram conduzidas para a ala feminina. Além de Genoino, Dirceu, Valério, Delúbio e Jacinto, também estão presos na Papuda Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Romeu Queiroz e Ramon Hollerbach. Eles ficarão no complexo presidiário até a definição do local onde cada um cumprirá sua pena.

A defesa de José Genoino foi a primeira a apresentar recurso pedindo o cumprimento da pena em regime semiaberto. O pedido foi feito esta tarde pelo advogado dele, Luís Fernando Pacheco, que contesta a transferência de Genoino, de São Paulo, para Brasília.

– Cada minuto no regime fechado, quando ele foi condenado ao semiaberto, representa grave constrangimento ilegal, sem contar o risco que isso representa à vida de Genoino – afirmou o advogado a jornalistas.

Pacheco estava a caminho do cartório onde ingressou, neste domingo, com um recurso pela prisão domiciliar de seu cliente, alegando problemas de saúde.

sábado, 16 de novembro de 2013

Com a prisão de Dirceu e Genoino, fecha-se um ciclo

Luis Nassif



A democracia se consolida nos grandes processos bem conduzidos de inclusão social e política.

Em determinados momentos da história, emergem novas forças políticas, inicialmente em estado bruto, ganhando espaço com a radicalização do discurso contra o status quo.

Em todos os tempos, as democracias passam por processos de estratificação nos quais os grupos que chegaram antes ao poder levantam um conjunto amplo de obstáculos – políticos, econômicos e legais – para impedir a ascensão dos que chegam depois.

Trava-se, então, uma luta feroz, na qual os grupos emergentes radicalizam o discurso, enfrentam as leis, as restrições e vão abrindo espaço na porrada.

É a entrada definitiva no jogo político que disciplina esas forças, enriquece a política e reduz os espaços de turbulência. Todos ganham. Rompe-se a inércia dos partidos tradicionais, amaina-se o radicalismo dos emergentes; abre-se mais espaço para a inclusão; permite-se uma rotatividade de poder que derruba a estratificação anterior.

Sem essas lideranças, as disputas políticas iniciais enveredam para o conflito permanente, deixando o legado de nações conflagradas, como na Colômbia e no México.

Daí a importância essencial dos líderes que unificam a ação, impedem a explosão das manadas e montam estratégias factíveis de tomada do poder dentro das regras do jogo.

Acabam enfrentando duas espécies de incompreensão. Dos adversários políticos, a desconfiança sobre suas reais intenções, manobrando o receio que toda sociedade tem em relação ao novo. Dos aliados, a crítica contra o que chamam de “acomodamento”, a troca do sonho por ações pragmáticas.

Em seu estudo sobre Mirabeau, Ortega y Gasset define bem o perfil do estadista e de outros personagens clássicos da política: o pusilânime e o intelectual. O estadista só tem compromisso com a mudança do Estado. É capaz de alianças com o diabo, desde que permita a suprema ambição de mudar um país, um povo. Já o intelectual se vale todos os argumentos do escrúpulo como álibi para a não ação.

Aliás, nada mais cômodo que o niilismo de um Chico de Oliveira, do bom mocismo de Eduardo Suplicy, dos homens que pairam acima dos conflitos, como Cristovam Buarque, dos apenas moralistas, como Pedro Simon. Para não se exporem, não propõem nada, não se comprometem com nada, a não ser com propostas genéricas de aprovação unânime que demonstrem seus bons sentimentos, sua boa índole, sua integridade intelectual – e que quase nunca resultam em mudanças essenciais.
As mudanças no PT

É por esse prisma que deve ser analisada a atuação não apenas de Lula, mas de José Dirceu e José Genoíno.

Ambos passaram pela luta armada. Com a redemocratização, ingressaram na luta política e das ideias. E ambos foram essenciais para a formação do novo partido e para a consolidação do mito Lula.

Na formação do PT, cada qual desempenhou função distinta.

José Genoíno sempre foi o intelectual refinado. Durante um bom período dos anos 90 tornou-se um dos mais influentes formadores de opinião do Congresso e do país, com suas análises sobre regimento da Câmara, sobre reforma política, sobre defesa.

Já José Dirceu era o “operador”, trabalhando pragmaticamente para unificar o PT em torno de um projeto de tomada do poder e, a partir daí, de reformas.

A estratégia política do PT passava por sua institucionalização, por um movimento em direção à centro-esquerda, ocupando o espaço da socialdemocracia aberto pelo PSDB – devido à guinada neoliberal conduzida por Fernando Henrique Cardoso e à ausência de lideranças sindicais.

Não foi um desafio fácil. O PT logrou juntar em torno de si uma multiplicidade de movimentos sociais, a parte mais legítima do partido mas, ao mesmo tempo, a parte menos talhada para a tomada de poder. Foram movimentos que surgiram à margem do jogo político, desenvolvendo-se nos desvãos da sociedade civil e sem nenhuma vontade de se sujar com a política tradicional.

Por outro lado, o papel unificador de Lula o impedia de entrar em divididas. Tinha que ser permanentemente o mediador.
O papel do operador Dirceu

Sobrava para Dirceu o papel pesado de mergulhar no barro. De um lado, com o enquadramento das diversas tendências – o que fez com mão de ferro -, dando ao PT uma homogeneidade que tirava o brilho inicial do partido, mas conferia eficiência no jogo político tradicional trazendo-o para o centro.

E o jogo político exigia muito mais do que enquadrar os grupos sociais do PT.

As barreiras eram enormes. Passava por montar formas de financiamento eleitoral, pela aproximação com o status quo econômico, pelos pactos com os grupos que atuam na superestrutura do poder, com os operadores dos grandes interesses de Estado, pelo mercado, pelo estamento militar, pela mídia.

Dirceu foi essencial para essa transição, tanto para dentro como para fora.

Um retrato honesto dele, mostrará a liderança inconteste sobre largas faixas do PT, o único a se ombrear com Lula em influência interna e com uma visão do todo que o coloca a léguas de distância de outros pensadores do partido.

Mas também era dono de um voluntarismo até imprudente.

Lembro-me de uma conversa com ele em 1994 em Brasília, com Lula liderando as pesquisas. Falava do projeto popular do PT e do projeto de Nação das Forças Armadas, sugerindo um pacto não muito democrático.

Não por outro motivo, em diversas oportunidades Lula confessou que, se tivesse sido eleito em 1994, teria quebrado a cara.

Com o tempo, o voluntarismo foi sendo institucionalizado. Internamente, no governo, Dirceu exercia uma pressão similar à de Sérgio Motta sobre FHC. Queria avançar mais, queria menos cautela na política econômica, queria um projeto de industrialização.

Sua grande obra de arte política, nos subterrâneos do poder, no entanto, foi ter mapeado os elos da superestrutura que garantia FHC e inserido o PT no jogo.

Esse mapeamento resultou na viagem aos Estados Unidos, desarmando as desconfianças do Departamento de Estado, dos empresários e da mídia; a ocupação de cargos-chave no Estado, que facilitaram negociações políticas com grupos de influência. Nada que não fosse empregado pelos partidos que já haviam chegado ao poder e que precisaram garantir a governabilidade em um presidencialismo torto como o nosso.
O veneno do excesso de poder

Assim como Sérgio Motta, no entanto, as demonstrações de excesso de poder tornaram-no alvo preferencial da mídia.

Trata-se de uma regra midiática clássica, que não foi seguida por ambos. Quando a mídia sente alguém com superpoderes, torna-se um desafio derrubá-lo. Com exceção de ACM e José Serra – a quem os grupos de mídia deviam favores essenciais e, em alguns casos, a própria sobrevivência -, todos os políticos que exibiram musculatura excessiva – de Fernando Collor ao próprio FHC (no período de deslumbramento), de Sérgio Motta a José Dirceu - terminaram fuzilados.

No auge do poder de Dirceu, creio que foi o Elio Gaspari quem o alertou para o excesso de exibição de influência. Foi em vão.

O reinado terminou em um episódio banal, a história dos R$ 3 mil de propina a um funcionário dos Correios. Tratava-se de uma armação de Carlinhos Cachoeira com a revista Veja, visando desalojar o grupo de Roberto Jefferson para reabilitar os aliados de Cachoeira (http://bit.ly/19sMvtX).

O que era claramente uma operação criminosa midiática, de repente transformou-se em um caso político, por mero problema de comunicação. Roberto Jefferson julgou que a denúncia tinha partido do “superpoderoso” Dirceu, para amainar sua fome por cargos. E deu início ao episódio conhecido por “mensalão”.

E aí Dirceu – e o próprio Genoíno – sentiram o que significa ter chegado tardiamente ao jogo político, não dispor de “berço” e de blindagem contra as armadilhas institucionais do Judiciário e da mídia.
A cara feia da elite

É uma armadilha fatal. Para chegar ao poder, tem que se chegar de acordo com as regras definidas por quem já é poder. Mas, sem ter sido poder, não se tem a mesma blindagem dos poderosos “de berço”.

O episódio do “mensalão” acabou explodindo, revelando – em toda sua extensão – a hipocrisia política e jurídica brasileira, o uso seletivo das denúncias, o falso moralismo do STF (Supremo Tribunal Federal).

Nos anos 40, Nelson Rockefeller tinha um diagnóstico preciso sobre o subdesenvolvimento brasileiro: havia a necessidade de um choque de modernidade, de criação de uma classe média urbana que superasse o atraso ancestral das elites brasileiras, dominada pelo pensamento de velhos coronéis.

Uma coisa é a leitura fria dos livros de história, as análises de terceiros sobre a República Velha, sobre o jogo político dos anos 30, 40, 50. Outra, é a exposição dos vícios brasileiros em plena era da informação.

Para a historiografia brasileira, o “mensalão” é um episódio definitivo, para entender a natureza de certa elite brasileira, a maneira como o conservadorismo vai se impondo, amalgamando candidatos a reformadores de poucas décadas atrás, transformando-os em cópias do senador McCarthy. E não apenas no discurso antissocial e na exploração primária ao anticomunismo mais tosco, mas na insensibilidade geral, de chutar adversários caídos, de executar adversários moribundos no campo de batalha, de abrir mão de qualquer gesto de grandeza.

Expõe, também, de maneira definitiva as misérias do STF.

Aliás, Lula e o PT foram punidos pela absoluta desconsideração pelo maior órgão jurídico brasileiro. Só o desprezo pelo STF pode explicar a nomeação de magistrados do nível de Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Dias Tofolli, somando-se aos inacreditáveis Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, à fragilidade de Rosa Weber e Carmen Lucia e ao oportunismo de Celso de Mello.

O resultado final do julgamento foi o acirramento da radicalização, o primado da vingança sobre a justiça, a exposição do deslumbramento oportunista de Ministros sem respeito pelo cargo.

No plano político, sedimentam no PT a mística de Genoino e Dirceu.

Se deixam ou não o jogo político, não se sabe. Mas, com sua prisão, fecha-se um ciclo que levou um partido de base ao poder, institucionalizou um novo jogo político e, sem o radicalismo dos sonhadores sem compromissos, permitiu mudar a face social do país.

Não logrou criar um projeto de Nação, como pensava Dirceu. Mas deixou sua contribuição para a luta civilizatória nacional.

A democracia brasileira deve muito a ambos.

“José Dirceu foi condenado sem provas”, afirma Ives Gandra

Ives Gandra Martins: do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato

Essa declaração foi dada pelo insuspeito jurista Ives Gandra Martins, em entrevista à Folha de S. Paulo publicada na edição deste domingo. Ao utilizar a teoria do fato, criada na Alemanha e sem uso por lá, diga-se de passagem, o STF inovou, porque, a partir de agora, Gandra prevê que até executivos de empresas poderão ser condenados caso um funcionário que cometeu um crime sem o conhecimento superior. E foi essa a teoria usada no julgamento da Ação Penal 470 justamente para, literalmente, incriminar o ex-ministro José Dirceu.

Gandra afirma ainda que, pela teoria do domínio dos fatos, não se busca a verdade material. Ele explica: “Você têm pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela - e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa”, disse ele ao jornal.

Considerado um representante do pensamento conservador, Ives Gandra fez outra declaração contundente, sobre a quebra da tradição do Supremo de nunca invadir as competências de outro poder. Agora, segundo ele, não existe mais essa tradição porque o STF se tornou um legislador ativo. “Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, o Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo", afirma. Leia, abaixo, a entrevista completa.

Dirceu foi condenado sem provas, diz Ives Gandra – Folha de S. Paulo

O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. A teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condená-lo.Sua adoção traz uma insegurança jurídica "monumental": a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios.

Quem diz isso não é um petista fiel ao principal réu do mensalão. E sim o jurista Ives Gandra Martins, 78, que se situa no polo oposto do espectro político e divergiu "sempre e muito" de Dirceu. Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, diz que o julgamento do escândalo do mensalão tem dois lados.

Um deles é positivo: abre a expectativa de "um novo país" em que políticos corruptos seriam punidos. O outro é ruim e perigoso pois a corte teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.

Folha - O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.

Ives Gandra Martins - O povo tem um desconforto enorme. Acha que todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.

Por quê?

Ives Gandra Martins - Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela --e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o réu].

Houve uma mudança nesse julgamento?

Ives Gandra Martins - O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.

O domínio do fato e o "in dubio pro reo" são excludentes?

Ives Gandra Martins - Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].

E no caso do mensalão?

Ives Gandra Martins - Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.

O "in dubio pro reo" não serviu historicamente para justificar a impunidade?

Ives Gandra Martins - Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição assegura a ampla defesa --ampla é adjetivo de uma densidade impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.

E a sociedade?

Ives Gandra Martins -A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias mãos.

Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?

Ives Gandra Martins - O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis. Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.

Algum ministro pode ter votado pressionado?

Ives Gandra Martins - Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda. Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de natureza política.

Foi um julgamento político?

Ives Gandra Martins - Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.

Isso conta na hora em que eles vão julgar?

Ives Gandra Martins - Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.

Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?

Ives Gandra Martins - Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.

E Joaquim Barbosa?

Ives Gandra Martins - É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.

Em que sentido?

Ives Gandra Martins - Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora, são 11 unidades decidindo individualmente.

E que tradição foi quebrada?

Ives Gandra Martins - A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo".

Por que o senhor acha isso?

Ives Gandra Martins - Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

AP 470: contestações às condenações voltam a circular na web

Quando eram os blog progressistas que afirmavam e mostravam provas, a mídia conservadora e tradicional os chamava de parciais. Na semana passada, porém, foi a Folha de S Paulo, mais especificamente a Coluna Mônica Bergamo que se deu ao trabalho de ouvir um dos mais renomados juristas do País. E Ives Gandra Martins não se intimidou: disse claramente o que os blogs progressistas repetiam: “não há provas capazes de comprovar que supostos mensaleiros, como o ex-ministro José Dirceu cometeram algum crime.

Na internet, voltaram a circular denúncias de que algumas provas que atestariam o não-uso de dinheiro público no alardeado esquema foram simplesmente ignoradas.

O desmembramento do julgamento do propinoduto mineiro, que permitiu que vários acusados tivessem a possibilidade de serem julgados em primeira instância – em vez de “subirem” diretamente para a instância máxima, que é o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou gasolina nessa discussão.

Ainda assim, há quem fale em “privilégio” e “armação” por conta da decisão da maioria do Supremo que aprovou os embargos infringentes. Os críticos aparentemente desconhecem que os réus não foram e nem serão absolvidos por conta dos embargos. Eles apenas garantem o direito dos acusados – condenados por pequena maioria de votos – a recorrerem, como acontece com qualquer criminoso, em qualquer situação. É assegurado ao condenado, em qualquer circunstância, o direito de recorrer. É uma garantia estabelecida a qualquer pessoa, em qualquer país, pelo Direito.

Vamos aos fatos:

1- Condenação sem provas:

O jurista Ives Gandra declarou, na semana passada, à jornalista Mônica Bergamo, que “do ponto de vista jurídico, não há como aceitar a teoria do domínio do fato, porque a teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi o de na dúvida, pró-reu”.

Gandra disse textualmente que Dirceu foi condenado sem provas e que usar a teoria de domínio do fato para condená-lo “traz uma insegurança jurídica monumental: a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios”.

Veja a íntegra da entrevista


Antes mesmo do julgamento dos embargos infringentes, um artigo de Maria Inês Nassif publicado no site GGN no dia 03 de junho mostra que o presidente do STF, Joaquim Barbosa e o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Sousa teriam escondido provas que poderiam mudar julgamento do “mensalão”.

Segundo a matéria, Souza e Barbosa criaram em 2006 e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do “mensalão”.

Diz o texto: “O inquérito sigiloso de número 2474 correu paralelamente ao processo do chamado Mensalão, que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um processo contra o ex-gerente executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato”.

Ainda segundo o texto de Maria Inês Nassif, esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do mensalão pelo procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. E pelo menos uma delas, o Laudo de número 2828, do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato.

Leia a íntegra da matéria:

No dia 4 de setembro, Conceição Lemes, do portal Viomundo volta à carga sobre o segredo de justiça para o inquérito 2474. Sob o título “Segredo no inquérito 2474 vai na contramão da Lei da Transparência”, Lemes retoma a história do inquérito sob segredo de justiça.

Ela detalha ponto a ponto a história do inquérito, conforme reproduzimos abaixo:

Antes de avançarmos, vale a pena relembrar como nasceu o inquérito 2474:

* Em julho de 2005, o Congresso instalou a CPI dos Correios, para apurar denúncias de recebimento de propina por funcionário dos Correios, ligado ao então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). A partir da sua entrevista-denúncia à Folha de S. Paulo, em 6 de junho de2005, a CPI dos Correios acabou desembocando no mensalão.

* Já nessa época a Polícia Federal começou a investigar o caso.

*Ainda em julho de 2005, foi aberto no STF o inquérito 2245, o do mensalão. O ministro Joaquim Barbosa foi sorteado como relator.

* A CPI dos Correios teve dois relatórios. O preliminar, divulgado em 20 de março de 2006, que indicou o indiciamento de 126 pessoas. O final, publicado em 6 de abril de 2006.

* Estranhamente o procurador-geral não esperou que ficasse pronto o relatório final da CPI, que seria divulgado logo em seguida. Muito menos aguardou os resultados das investigações da Polícia Federal que estavam em andamento.

* Em 30 de março de 2006, Antônio Fernando concluiu que 40 indiciados eram culpados – número provavelmente escolhido para associar o “mensalão” à fábula de Ali Babá — , e denunciou-os ao STF.

* Em 9 outubro de 2006, Antônio Fernando pediu a Barbosa que “o procedimento [material de investigação da PF] que contém atos probatórios posteriores à denúncia [feita por ele em 30 de março de 2006 ao STF] seja autuado em separado e receba nova numeração” (aqui, os documentos).

* Antônio Fernando alegou que colocar no mesmo inquérito, o 2245, documentos que embasaram a denúncia e aqueles resultantes da investigação que prosseguia, “a par de gerar confusão, pode motivar eventual questionamento quanto à validade dos atos investigatórios posteriores à denúncia”

* Resultado: no dia seguinte, 10 de outubro de 2006, o ministro-relator aceitou o pleito do então procurador-geral da República, ou seja, que as provas sobre o mensalão produzidas após a denúncia ao STF – o laudo 2828, da Polícia Federal, é uma delas–, não deveriam ir para o inquérito 2245, mas para um novo.

Nascia aí inquérito 2474, paralelo ao 2245. Em 6 de março de 2007, Joaquim Barbosa assumiu a sua relatoria, ficando com ela até 1º de agosto de 2013.

Leia a íntegra da matéria:

Veja a matéria publicada pela IstoÉ sobre o mensalão mineiro em 2007

Wellington dá testemunho em favor de Genoino


“Estamos aqui para dizer que Genoino é um homem honesto”

Suplicy lê manifesto de intelectuais e artistas em solidariedade a Genoino

Os 12 senadores da Bancada do PT no Senado estão entre os mais de quatro mil signatários de um manifesto entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última terça-feira (10), em solidariedade ao deputado federal e ex-presidente do PT, José Genoino.

“Todos nós assinamos esta manifestação com muita confiança de que possa o seu julgamento no Supremo Tribunal Federal levar em consideração todos os elementos de defesa apresentados por José Genoino e seus advogados”, afirmou Suplicy em pronunciamento ao Plenário nesta quarta-feira (11). O senador referia-se à decisão que está sendo tomada nesta tarde pelo STF sobre a aceitação dos embargos infringentes que poderão permitir uma revisão da sentença condenatória imposta pela corte a Genoíno, um dos réus da Ação Penal 470, sobre o chamado “mensalão”.

“Estamos aqui para dizer em alto e bom som que José Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos. Estamos aqui porque José Genoino traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão. Estamos aqui, mostrando nossa cara, porque nos orgulhamos de pessoas como ele, que dedicam sua vida para construir a democracia que hoje conhecemos. Genoino personifica um sonho. O sonho de que um dia teremos uma sociedade em que haja fraternidade e todos sejam, de fato, iguais perante a lei”, afirma um trecho do manifesto lido por Suplicy.

O líder da bancada do PT, Wellington Dias, aparteou Suplicy para reforçar o apoio ao ex-presidente do partido. Ele destacou que considera um honra poder expressar solidariedade a Genoíno, “uma pessoa honesta e comprometida com o Brasil”. Wellington contou que recentemente visitou o deputado, que continua a viver na mesma casa simples, no bairro do Butantã, em São Paulo. “O que posso fazer é dar meu testemunho sobre esse grande brasileiro. Se tivéssemos que escolher apenas dez pessoas decentes, honestas, sérias, comprometidas com o Brasil, eu tenho convicção de que José Genoino estaria entre elas”, afirmou.

Leia a trecho do manifesto:

Nós estamos aqui!

Somos um grupo grande de brasileiros iguais a você, que deseja um país melhor.

Estamos aqui para dizer em alto e bom som que José Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos.

Estamos aqui porque José Genoino traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão.

Estamos aqui, mostrando nossa cara, porque nos orgulhamos de pessoas como ele, que dedicam sua vida para construir a democracia que hoje conhecemos.

Genoino personifica um sonho. O sonho de que um dia teremos uma sociedade em que haja fraternidade e todos sejam, de fato, iguais perante a lei.

Carta Aberta ao Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, guardião secular da Justiça no Brasil, tem diante de si, na análise que fará sobre os embargos infringentes na Ação Penal 470, uma decisão histórica. Se negar a validade dos recursos, não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas sim por coroar um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática.

Já no ano passado, durante as 53 sessões que paralisaram a Corte durante mais de quatro meses, a condução do julgamento já havia nos causado profunda preocupação depois de se sobrepor a uma série de garantias constitucionais com o indisfarçável objetivo de alcançar as condenações desejadas no fim dos trabalhos.

Aos réus que não dispunham de foro privilegiado, fora negado o direito consagrado à dupla jurisdição. Em muitos dos casos analisados também se colocou em xeque a presunção da inocência. O ônus da prova quase sempre coube ao réus, por vezes condenados mesmo diante da apresentação de contraprovas.

No último mês, a apreciação dos embargos de declaração voltou a preocupar dando sinais de que a dinâmica condenatória ainda prevalece na vontade da maioria dos ministros. Embora tenha corrigido duas contradições evidentes do acórdão, outras deixaram de ser revistas, optando-se por perpetuar erros jurídicos em um julgamento em última instância.

Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas. Na sessão do dia 5 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski expôs de maneira transparente que a pena base desta condenação foi muito mais gravosa se comparada com os outros crimes. "Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro", afirmou o ministro. Ele e outros três ministros ficaram vencidos na divergência.

Na mesma sessão, outro sinal ainda mais grave: o presidente Joaquim Barbosa votou pela inadmissibilidade dos embargos infringentes, contrariando uma jurisprudência de 23 anos da Casa e negando até mesmo decisões tomadas por ele no mesmo tribunal ao analisar situações similares.

Desde que a Lei 8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de embargos infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas, prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.

Outro ponto de aparente contradição entre a Lei 8.038 e o Regimento Interno do STF diz respeito à possibilidade de apresentação de agravos regimentais. Neste caso, assim como ocorrera com os infringentes nos últimos 23 anos, os ministros sempre deliberaram à luz de seu regimento, acolhendo a validade dos agravos.

A jurisprudência sobre os infringentes foi reconhecida e ressaltada em plenário pelo ministro Celso de Mello durante o julgamento da própria Ação Penal no dia 2 de agosto de 2012 e, posteriormente, registrada em seu voto no acórdão publicado em abril deste ano.

O voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que não é admissível sob qualquer argumento jurídico. Mudar o entendimento da Corte sobre a validade dos embargos infringentes referendaria a conclusão de que estamos diante de um julgamento de exceção.

Subescrevemos esta carta em nome da Constituição e do amplo direito de defesa. Reforçamos nosso pedido para que o Supremo Tribunal Federal aja de acordo com os princípios garantistas que sempre devem nortear o Estado Democrático de Direito.

Setembro de 2013

Antonio Fabrício - presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
Aroldo Camillo - advogado
Celso Bandeira de Mello - jurista, professor emérito da PUC-SP
Durval Angelo Andrade - presidente da comissão de Direitos Humanos da ALMG
Fernando Fernandes - advogado
Gabriel Ivo - advogado, procurador do estado em Alagoas e professor da Universidade Federal de Alagoas
Gabriel Lira, advogado
Lindomar Gomes - vice-presidente dos Advogados de Minas Gerais
Jarbas Vasconcelos - presidente da OAB-PA
Luiz Tarcisio Teixeira Ferreira - advogado
Marcio Sotelo Felippe - ex-procurador-geral do Estado de São Paulo
Pedro Serrano - advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
Pierpaolo Bottini - advogado
Rafael Valim - advogado
Reynaldo Ximenes Carneiro - advogado
Roberto Auad - presidente do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Ronaldo Cramer - vice-presidente da OAB-RJ
Wadih Damous - presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
William Santos - presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG

Mais as entidades:

Associação dos perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos políticos do Brasil
NAP - Núcleo de advogados do povo MG
RENAP- Rede Nacional de Advogados Populares MG
Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Sindicato dos Jornalistas Profissionais MG
Sindicato dos empregados em conselhos e ordens de fiscalização e do exercício profissional do Estado de Minas Gerais