sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Constituição não permite prisão processual para parlamentar, afirma Roberto Batochio

Senador não pode ser preso, exceto em situação flagrante de crime inafiançável, conforme estabelece o artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal. Com base nesse dispositivo, de cuja redação é autor, o criminalistaJosé Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, criticou a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo na Casa, após decreto expedido no Supremo Tribunal Federal. Para ele, a circunstância que levou à prisão do parlamentar não é de flagrante. “Inventou-se a expedição de mandado de prisão em flagrante. Se a prisão foi decretada, não houve flagrante. Não existe flagrante perpétuo”, afirmou.

O criminalista discorda da interpretação que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deu ao dispositivo constitucional. Delcídio foi preso sob acusação de tentar tentou atrapalhar a instrução de investigações na operação “lava jato”. De acordo com o ministro, o petista é acusado de integrar uma organização criminosa, um crime permanente que a jurisprudência do STF reconhece como autônomo. Por isso, o flagrante pode ser feito a qualquer tempo, afirmou Teori com base em um voto de Gilmar Mendes.

Assim, a interpretação do relator da “lava jato” no STF é a de que o artigo 53 da Constituição não pode ser interpretado isoladamente, mas em conjunto com outros preceitos constitucionais. “Aplicar o dispositivo sem considerar a Constituição”, disse Teori, seria “oposto aos fins do ordenamento jurídico brasileiro”. “É negar a submissão de todos ao Direito. Significa tornar um brasileiro imune à jurisdição.”

Para Batochio, senador só poderia se preso se fosse pego oferecendo dinheiro.

"Flagrante perpétuo"
Batochio, que redigiu a Emenda Constitucional 35/2001, a qual alterou a redação do artigo 53 da Constituição, discorda do entendimento de Teori e de seus colegas de STF sobre o flagrante permanente: "Trata-se de um conceito tão abstrato, tão fluido, tão aberto, que bastaria dizer então que numa determinada situação operada por duas ou quatro pessoas existe situação de flagrante permanente e perpétua a todos", afirmou aoBrasil 247. A seu ver, “a justiça está inovando”.

O criminalista explicou que o caso de Delcídio só poderia ser considerado flagrante se o senador tivesse sido pego oferecendo dinheiro e sugerindo a rota de fuga ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme a Polícia Federal acusa que fez. Para o ex-presidente da OAB, as gravações de uma conversa entre o petista, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, e o filho de Cerveró, Bernardo, não permitem que se conclua que a consumação do crime de organização criminosa estivesse ocorrendo no presente.

"Ela não alonga a ação de nenhum agente no tempo [para ser considerado crime permanente]. Como é que se prova que a voz é de quem se afirma ser senão depois de uma perícia, uma análise técnica? Dizer que um gravador pode mudar a natureza de um crime instantâneo para um crime permanente é realmente forçar muito a situação", criticou.

Na visão do advogado, o artigo 53 da Constituição deixa claro que não cabe nenhum tipo de prisão processual contra deputados federais e senadores. Assim, esses parlamentares só podem ser detidos em caso de flagrante ou condenação transitada em julgado. Mas sustentou que o flagrante só cabe se o infrator for pego no ato da consumação do delito ou quando o crime realmente for permanente, como o de sequestro, por exemplo.

Por isso, Batochio disse ser “surpreendente” que o STF tenha enxergado crime permanente na conduta de Delcídio. No entanto, ele ressaltou que não é a favor da impunidade: "Claro que queremos que a lei seja cumprida, mas sem excessos".

O advogado de Delcídio, Maurício Silva Leite, segue o mesmo raciocínio de Batochio e diz que a decisão do STF contrariou a Constituição.

“A defesa do Senador Delcídio do Amaral (PT-MS) manifesta inconformismo em relação à decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal e a convicção de que o entendimento inicial será revisto. Questiona-se o fato de que as imputações tenham partido de um delator já condenado, que há muito tempo vem tentando obter favores legais com o oferecimento de informações. Questiona-se também a imposição de prisão a um Senador da República que sequer possui acusação formal contra si. A Constituição Federal não autoriza prisão processual de detentor de mandato parlamentar e há de ser respeitada como esteio do Estado Democrático de Direito”.

Mandato mantido
A prisão de Delcídio não gera a perda de seu mandato, opinou o especialista na área eleitoral, Ulisses Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados, explicando que só a condenação criminal tem como consequência a perda dos direitos políticos. Porém, ele ressaltou que a manutenção da detenção pode tornar o exercício da atividade parlamentar dele inviável, uma vez que não poderá exercer normalmente suas funções no Senado.

Mesmo assim, a cassação não é automática em caso de decisão judicial, afirmou Sousa. Conforme destacou, após o trânsito em julgado, o Senado decide se o parlamentar deve perder o cargo, como estabelecido no artigo 55, parágrafo 2º, da Constituição. 

Promessas
De acordo com documentos apresentados pelo Ministério Público Federal, Delcídio, em reuniões com Edson Ribeiro, ofereceu R$ 50 mil por mês à família de Cerveró em troca de ele não assinar um acordo de delação premiada — caso assinasse, não deveria mencionar o senador ou o banqueiro. Delcídio também se comprometia a pagar R$ 4 milhões a Edson Ribeiro, que seriam custeados também por André Esteves.

De acordo com o pedido de prisão, Esteves mostrou a Delcídio cópia da minuta do acordo que seria assinado entre Cerveró e o MPF. Os papéis tinham anotações do executivo, mostrando, segundo o pedido, que ele teve acesso a documento sigiloso.

O advogado de Esteves, Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, disse que o banqueiro não estava presente às reuniões em que Delcído negociou os pagamentos e ainda não foram divulgadas as circunstâncias em que ele foi mencionado.

As reuniões foram gravadas pelo filho de Cerveró, Bernardo, e apresentadas ao MPF. Isso aconteceu depois que a família de Cerveró havia perdido a confiança em Edson Ribeiro quando descobriu que ele passou a atuar em acordo com o senador e o banqueiro. Assim, foi orientada a gravar as conversas. De acordo com as degravações, Delcídio afirmava que André Esteves é quem pagaria a quantia. O senador também garantia que conseguiria Habeas Corpus a Cerveró.

Nas reuniões, ainda de acordo com o MPF, Delcídio do Amaral disse que já havia conversado com os ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli e estava com um café marcado com o ministro Luiz Edson Fachin. O senador também prometeu falar com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) para que eles conversassem com o ministro Gilmar Mendes, garantindo a composição de uma maioria favorável à concessão do HC.

Nas reuniões, Delcídio ainda traçou um plano de fuga para o executivo, para depois que ele fosse liberado da prisão. Ele sairia do Brasil pela Venezuela, para ir ao Paraguai e, de lá, pegar um voo até a Espanha. O senador até explica que o melhor seria um jato Falcon 50, que faria um voo direto, sem escalas para abastecer.

Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2015, 18h47

Prisão de senador Delcídio Amaral materializa o Estado de exceção


A prisão cautelar do senador Delcídio do Amaral representa o descortinar de um Estado de exceção, verdadeira antítese do Estado de direito, a partir da materialização de um processo penal no qual os direitos e garantias fundamentais de um grupo são explicitamente violados e a separação das funções do poder é colocada em xeque.

No presente artigo, pretende-se análise da nova modalidade de prisão criada ao arrepio da Constituição Federal e da legislação processual penal pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra do ministro Teori Zavascki. Trata-se do que podemos chamar de prisão cautelar de congressista em situação de flagrância: um híbrido entre a prisão em flagrante e a prisão preventiva, aliada à desconsideração da imunidade parlamentar,jabuticabalmente forjada no contexto de um processo penal de exceção.

Dessa forma, independentemente de uma análise detalhada acerca da (in)existência concreta dos pressupostos utilizados como fundamento para a decretação da prisão no caso concreto, as linhas que se seguirão cingem-se a uma abordagem desta modalidade de prisão cautelar jurisprudencialmente construída pelo Supremo Tribunal Federal sob a ótica processual penal e suas implicações perante o Estado de direito.

A existência de um Estado de direito pressupõe dois elementos básicos, quais sejam, a delimitação interdependente das funções do poder e o respeito aos direitos fundamentais. A partir da violação desses pressupostos exsurge a figura do Estado de exceção, lapidarmente definido por Pedro Serrano como “a contrafação do Estado de direito” [1] e situado por Giorgio Agamben “como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”. [2]

Incialmente, cumpre destacar que a prisão cautelar do senador Delcídio Amaral foi pleiteada pelo Ministério Público Federal explicitamente na forma de prisão preventiva, requerendo o afastamento (travestido de flexibilização) das normas constitucionais pertinentes, em prol da criação de uma nova hipótese de prisão preventiva destinada aos congressistas.

Em sua manifestação, o procurador-geral da República reconhece que a Constituição Federal apenas autoriza a prisão de congressista em flagrante por crime inafiançável. Nesse sentido, afirma que a “regra prevista no dispositivo é, aparentemente, absoluta, e a exceção, limitadíssima. Com efeito,a prisão cautelar não é cabível na literalidade do dispositivo”. [3]

Todavia, propõe a superação da interpretação literal da Constituição Federal a fim de que seja decretada a prisão preventiva de congressista, uma vez presentes três pressupostos: (i) clareza probatória “em patamar que se aproxime aos critérios legais da prisão em flagrante”, (ii) pressupostos legais da prisão preventiva e (iii) inafiançabilidade do crime. [4]

Ora, trata-se de verdadeira sentença de morte ao artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, que não faz qualquer ressalva ao dispor que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

Com efeito, não há espaço para qualquer interpretação (além da literalidade) apta a autorizar a transcendência da expressão “flagrante de crime inafiançável” aos pressupostos imaginados pelo Ministério Público Federal, notadamente a existência de uma suposta clareza probatória que se aproxime aos critérios de flagrância, seja lá o significado que tal expressão possa assumir.

Isso porque esta interpretação criativa (para dizer o menos) causa evidente prejuízo ao sujeito a quem se imputa a prática delitiva, o que é vedado pela legislação processual penal, que apenas admite a interpretação extensiva e aplicação analógica, jamais um “interpretação sistemática” que contradiga o conteúdo explícito da Constituição Federal.

A acusação propõe explicitamente a violação de uma garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal, o que não chega a surpreender se observarmos a postura de alguns membros da instituição no passado recente e suas “10 medidas de combate à corrupção”, que visam ao fim de direitos e garantias individuais em nome de um suposto combate [5].

Trata-se, dia após dia ― notadamente após os protestos e manifestações ocorridos no país em junho de 2013 ―, da construção de um processo penal de exceção a partir de referências a um combate em que o “corrupto” figura como inimigo.

Conforme destacado por Zaffaroni, este inimigo que dá origem ao processo penal de exceção “só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho” e sua construção se verifica a partir da “distinção entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não-pessoas)”, levando à construção de um sistema que pressupõe a existência de “seres humanos que são privados de certos direitos individuais”. [6]

Desse modo, a partir da distinção de um grupo identificado como inimigo passa-se à violação de seus direitos e garantias fundamentais, circunstância que assume a mais nítida repercussão diante da persecução criminal. Além disso, no caso da criação de uma nova forma de prisão cautelar por um órgão do Poder Judiciário direcionada a um membro do Poder Legislativo, há ataque ao próprio equilíbrio e interdependência das funções do poder.

No contexto de um verdadeiro Estado de direito, outra solução não caberia ao Supremo Tribunal Federal senão refutar a nova modalidade de prisão preventiva proposta pelo representante máximo do Ministério Público Federal, forjada a partir da violação de uma norma constitucional que simultaneamente se consubstancia em garantia individual e limite à separação das funções do poder.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal atendeu ao pleito do Ministério Público Federal, a partir da criação de novos ― e distintos daqueles originalmente propostos em manifestação assinada pelo procurador-geral da República ― fundamentos, requisitos e pressupostos.

Sem embargo, cumpre destacar uma vez mais que a decretação da prisão preventiva de congressistas, a partir da superação da norma constitucional, estaria fundamentada pelo Ministério Público Federal em três pressupostos, quais sejam (i) clareza probatória similar à flagrância, (ii) requisitos da prisão preventiva e (iii) inafiançabilidade.

De plano, salta aos olhos que a decisão de lavra do ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva ou em flagrante (o que seria ainda mais absurdo, dada a natureza pré-cautelar da medida) do senador Delcídio do Amaral. Ao contrário da redação utilizada em decisão proferida pelo ministro no mesmo dia, que determinou expressamente as prisõestemporária e preventiva de André Esteves e Diogo Ferreira [7], no caso do senador Delcídio do Amaral a decisão limita-se a decretar a sua prisãocautelar.

Que prisão, afinal, seria esta?

Ao enfrentar a questão do artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, o ministro Teori Zavascki propõe expressamente o afastamento da norma constitucional em uma “situação excepcional”, trazendo à colação voto da ministra Carmen Lúcia no qual se afirmou que “à excepcionalidade do quadro há de corresponder a excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar os princípios e regras do sistema constitucional” [8] a sinalizar com clareza ímpar e assustadora a existência de um Estado de exceção, que ensejaria a existência de medidas típicas de um processo penal de exceção.

Tão ou mais assustadores são os fundamentos apresentados para a decretação desta nova modalidade de prisão cautelar forjada pelo Supremo Tribunal Federal, em uma verdadeira “excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar os princípios e regras do sistema constitucional” [9].

Em primeiro lugar, embora não tenha adotado o conceito de clareza probatória similar à flagrância proposto pelo Ministério Público Federal, considerou-se que o senador Delcídio do Amaral estaria em “estrito flagrante”, em razão do crime de organização criminosa (artigo 1º, caput, da Lei 12.850/2013) ser permanente. [10]

Trata-se de equívoco na tipificação da conduta, uma vez que o próprio Ministério Público Federal imputou ao senador Delcídio do Amaral a prática do crime previsto no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013, que jamais poderia ser considerado crime permanente, pois é lição elementar que as condutasimpedir ou embaraçar são instantâneas.

Em segundo lugar, o conceito de crime inafiançável apresentado na decisão em questão é totalmente deturpado. Na decisão, afirma-se que “a hipótese é de inafiançabilidade decorrente do disposto no artigo 324, IV, do Código de Processo Penal”. [11]

Ora, deve-se distinguir o rol de crimes inafiançáveis ― previstos no artigo 323 do Código de Processo Penal e artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV da Constituição ― da situação de inafiançabilidade prevista no artigo 324, IV, do mesmo diploma, sob pena de tomarmos todos os crimes ao qual caiba prisão preventiva por inafiançáveis.

Portanto, é evidente que a expressão “crime inafiançável” apresentada pela norma constitucional remete ao rol de crimes inafiançáveis previstos no artigo 323 do Código de Processo Penal e artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV da Constituição, sendo equivocado estender esse conceito às situações do artigo 324 do Código de Processo Penal, que não tratam de crimes inafiançáveis, mas situações subjetiva ou sistemicamente consideradas em que não se deve conceder fiança, bem por isso as matérias diversas estão disciplinadas em artigos distintos.

Em terceiro lugar, talvez a situação mais preocupante no contexto da separação dos poderes em um Estado de Direito, destaca-se o caráter atentatório contra a interdependência dos poderes que a decretação da prisão cautelar do senador Delcídio do Amaral aparenta ostentar.

Na manifestação apresentada pelo Ministério Público Federal, afirma-se que o senador teria relatado influência por conversas direta, intenção de diálogo ou promoção de interlocução, perante ministros do STF nominalmente citados, dentre os quais os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes e o próprio Teori Zavascki, havendo inclusive transcrição do áudio capturado [12].

Diante desse argumento, é preocupante a fundamentação da prisão cautelar do congressista em uma situação excepcional, justificada por “linhas de muito maior gravidade” uma vez que não estaria praticando “crime qualquer”, mas sim “atentando, em tese, com suas supostas condutas criminosas, diretamente contra a própria jurisdição do Supremo Tribunal Federal, único juízo competente constitucionalmente para a persecução penal em questão” [13].

Conforme afirma Luhmann, a “desistência da manutenção da separação [dos poderes] acarretaria o colapso do sistema jurídico” [14], ao que podemos concluir com o pensamento de Pedro Serrano, no sentido de que a jurisdição passaria a assumir “não apenas um poder de direito, mas um verdadeiro poder de exceção, de inaugurar originariamente a ordem jurídica, exercendo, em verdade, um poder de caráter absoluto” [15].

O desfecho da decisão proferida pelo ministro Teori Zavascki é no sentido de que “presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio Amaral” [16].

É dizer que, a despeito dos três critérios elencados na manifestação do Ministério Público Federal para a prisão preventiva do congressista ― (i) clareza probatória similar à flagrância, (ii) requisitos da prisão preventiva e (iii) inafiançabilidade ―, a decisão do Supremo Tribunal Federal contentou-se, ao menos em seu dispositivo, com (i) a situação efetiva de flagrância e (ii) uma parcela dos requisitos da prisão preventiva, ou seja, o artigo 312 do Código de Processo Penal.

Não obstante as críticas à inexistência de situação autorizadora da prisão em flagrante (pois inexiste crime permanente) e ao conceito de crime inafiançável equivocadamente utilizado como fundamento da decisão, os contornos que o Supremo Tribunal Federal atribuiu à gravidade do crime a partir do atentado direto “contra a própria jurisdição do Supremo Tribunal Federal”, resultando na criação de uma nova modalidade de prisão ao arrepio das normas constitucionais e da legislação processual penal, afronta o equilíbrio entre as funções do poder.

No mais, certamente não é pela flexibilização dos direitos e garantias fundamentais que passará o combate eficiente da corrupção ou de qualquer outro problema, razão pela qual, a título de conclusão, fica-se com o ensinamento de Zaffaroni, para quem é “um erro grosseiro acreditar que o chamado discurso das garantias é um luxo ao qual se pode renunciar nos tempos de crise”. [17]

Ao violar garantias individuais e colocar em risco o próprio equilíbrio entre os poderes da República a partir da criação do que se pode chamar de prisão cautelar de congressista em situação de flagrância [18], o Supremo Tribunal Federal torna explícita a existência de um processo penal de exceção destinado ao combate de supostos inimigos, fato que por si só demonstra já não estarmos vivendo sob a égide de um Estado de direito.

[1] SERRANO, Pedro Estevam Pinto. Jurisdição e exceção. 2015. Tese de pós-doutorado – Universidade de Lisboa, p. 3.

[2] AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2011, p.13.

[3] Ação Cautelar 4039 – fls. 176

[4] “Nessa ordem de ideias, deve ter-se por cabível a prisão preventiva de congressista desde que (i) haja elevada clareza probatória da prática de crime e dos pressupostos da custódia cautelar, em patamar que se aproxime aos critérios legais da prisão em flagrante (os quais incluem, vale lembrar, as hipóteses

legais de quase-flagrante e flagrante presumido, em que o ato delituoso não é visto por quem prende), e (ii) estejam preenchidos os pressupostos legais que autorizam genericamente a prisão preventiva nos dias de hoje (art. 313 do Código de Processo Penal) e os que impunham inafiançabilidade em 2001.” (Ação Cautelar 4039 – fls. 177)

[5] http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p.18.

[7] “Ante o exposto, observadas as especificações apontadas, (a) decreto a prisão preventiva de Edson Ribeiro, qualificado nos autos, a teor dos arts. 311 e seguintes do Código de Processo Penal; (b) decreto a prisão temporária de André Esteves e Diogo Ferreira, também qualificados nos autos, nos termos do art. 1 0 , I e I", da Lei 7.960/1989”. (Ação Cautelar 4036 – fls. 161 - grifei)

[8] Ação Cautelar 4039 – fls. 202 - grifei

[9] Ação Cautelar 4039 – fls. 202 - grifei

[10] Ação Cautelar 4039 – fls. 199

[11] Ação Cautelar 4039 – fls. 199

[12] DELCÍDIO: Agora, agora, Edson e Bernardo, é eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também.

[13] Ação Cautelar 4039 – fls. 201 - grifei

[14] LUHMANN, Niklas. A posição dos Tribunais no sistema jurídico. In: Revista da Ajuris. N.º 49. Porto Alegre: Ajuris, julho de 1990 (trad. de Peter Nauman ver. Vera Jacob de Fradera), p. 155.

[15] SERRANO, Op cit., p. 112.

[16] Ação Cautelar 4039 – fls. 202

[17] ZAFFARONI, Op. Cit., p.187

[18] Que não é prisão preventiva ou flagrante, mas mistura ― ao arrepio da Constituição Federal e da legislação processual penal ― elementos de ambas, somados à desconsideração da imunidade parlamentar.

Fernando Hideo I. Lacerda é advogado criminal e professor de Direito Penal e Processual Penal. Doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP e mestre em Direito Processual Penal pela mesma instituição.

Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2015, 14h50

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

MICRO E PEQUENOS INDUSTRIAIS ACREDITAM QUE A CRISE POLÍTICA É A PRINCIPAL CAUSADORA DA CRISE ECONÔMICA BRASILEIRA

Segundo pesquisa do Sindicato da Micro e Pequena Indústria, 83% dos empresários culpam a crise política pelo atual cenário econômico do país

Segundo pesquisa encomendada pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi) ao Datafolha, realizada entres os dias 11 e 13 de novembro, 83% dos dirigentes da categoria concordam que a crise política é principal causa da turbulência econômica enfrentada pelo país. Tal resultado leva 75% dos micro e pequenos industriais à insegurança quanto à economia do país, 21% confiam um pouco e apenas 3% confiam muito.

Questionados sobre o ajuste fiscal, 58% dos empresários avaliam que ele não contribuirá em nada para o fim da crise econômica e 41% deles acreditam que pode contribuir de alguma forma. Um quinto (21%) dos proprietários de MPI’s concordaria em pagar um pouco mais de impostos, desde que isso fizesse com que o país se recuperasse mais rapidamente. As micro e pequenas indústrias correspondem a 95,2% de todas as indústrias paulistas. São 280 mil empresas responsáveis por mais de 1 milhão de empregados diretos.

Sobre o Simpi

Fundado em 14 de dezembro de 1988, o Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi) representa as micros e pequenas indústrias com até 50 trabalhadores, que correspondem a 95,2% de todas as indústrias paulistas.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O lento trem do PSDB

Folha de S. Paulo (editorial)

Diante da celeridade com que transcorreram investigações do mensalão e do petrolão, causa espécie a modorra com que são apuradas as alegadas fraudes em serviços ferroviários metropolitanos no Estado de São Paulo.

Como estas atingem governos do PSDB, se cristaliza em parte da opinião pública a suspeita de que os processos andam mais rápido quando na mira se acha o PT.

A Polícia Federal (PF), o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça têm a obrigação de demonstrar que esse não é o caso. Os sinais, no entanto, não são alentadores.

Completou-se um ano, afinal, desde que a PF concluiu o alentado inquérito criminal sobre o cartel que manipulou licitações de trens nas administrações dos tucanos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, de 1998 a 2008. O processo, contudo, estacionou no MPF.

Ao todo, 33 pessoas foram indiciadas pela PF por diversos crimes, como corrupção ativa e passiva, formação de cartel e fraude a licitações. Entre elas figuram ex-dirigentes da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e das suas fornecedoras Siemens, Alstom, CAF, Bombardier, Daimler-Chrysler, Mitsui e TTrans.

Para o procurador da República encarregado do caso, Rodrigo de Grandis, a demora em apresentar denúncia à Justiça decorre da necessidade de aguardar documentos de países estrangeiros que comprovem lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Faltariam provas para fechar o cerco a contas bancárias no exterior e empresas offshore.

O procurador, evidentemente, não deve atropelar procedimentos. O problema é que Grandis já esteve na berlinda, inclusive com processo disciplinar na corregedoria do MPF depois suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, por atrasar por quase três anos resposta a pedido da Suíça para colaborar na investigação da companhia Alstom.

Para a PF, já há indícios suficientes para uma ação penal. A inclinação da Justiça a instaurá-la já teria sido evidenciada com sua decisão de decretar o bloqueio de R$ 600 milhões das empresas envolvidas.

A precipitação nunca garantiu –ao contrário– que um processo será bem instruído e levará à condenação dos culpados e ao ressarcimento dos prejuízos. O mesmo, ou ainda mais, se deve dizer da morosidade na investigação, sobretudo quando pode ser entendida como proteção a certo partido político.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A intolerância

Por CdB em novembro 16, 2015

Por Antonio Lassance – de Brasília

A intolerância é a imbecilidade à procura de uma multidão. É o espetáculo da estupidez com entrada franca, mas todos pagam caro ao final, quando as portas são fechadas, uma após outra.

A intolerância é o ofício de trucidar inocentes. Por isso o ódio é um requisito – veneno trazido em embalagem de remédio. O ódio justifica culpar, perseguir, condenar e executar pessoas que não merecem ser tratadas como pessoas, nem mesmo como adversários, e sim como inimigos.

A intolerância é uma seita cultuada e inculta. Com ideias em falta, os xingamentos sobram. A narrativa dos intolerantes não é a de contar histórias, mas a de encontrar culpados. O discurso dos intolerantes não é a conversa e a argumentação, é a ofensa.


Os intolerantes não são burros. Quem dera fossem. Burros são criaturas simpáticas, pacíficas, úteis, laboriosas, respeitadoras. Sequer fazem asneiras, ao contrário do que se lhes atribui. Burros relincham, mas não gritam nem ofendem. Burros cometem erros, mas, nunca, injustiças.

A intolerância é um Mar Morto salgado até trincar. É um monumento granítico impermeável ao bom senso. É a corrupção da alma – por isso, a corrupção é seu assunto predileto.

A intolerância é obscena, pois desconfia que tudo é uma vergonha. A perseguição seletiva apresenta-se como seu principal espetáculo, protagonizado por heróis da repressão.

Os intolerantes fazem sucesso e são notícia, quando não são eles próprios âncoras de programas ou donos dos meios de comunicação – assim se faz da intolerância um modelo de comportamento e um mercado lucrativo.

A intolerância precisa de Estado – do Estado de exceção, do estado de indigência do espírito humano, do estado de mal-estar social.

A intolerância é a inversão de valores básicos, como o respeito ao outro, ao diferente, a ponto de o poeta Goethe nos alertar do risco de quando tolerar é que se torna injurioso. Ser diferente é tido como ameaça coletiva.

Quando se completa a banalização do mal, é sinal de que a intolerância alcançou seu ápice enquanto instrumento de manipulação na luta pelo poder.

A intolerância é um prato de pus oferecido como iguaria. Alguns apreciam. Outros engolem a contragosto. Os que a recusam com coragem e altivez fazem a humanidade ser mais digna desse nome.

Antonio Lassance é cientista político.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Especialista dá cinco dicas do que não colocar no currículo

São Paulo, 12/11/2015 – O cenário de retração da economia brasileira e a consequente desaceleração do mercado de trabalho têm imposto desafios para profissionais em busca de uma oportunidade. Um aspecto fundamental para superar essas dificuldades é um currículo bem preparado, a porta de entrada para uma nova vaga. 

No segundo dia da Semana do Emprego, que ocorre de 9 a 13 de novembro, a Catho organizou uma palestra indicando onde os profissionais não podem errar na hora de desenvolver o currículo.

O que não incluir no currículo

1. Erros de português ou falhas de digitação
2. Características pessoais
3. Pretensão Salarial (só se a empresa pedir)
4. Fotos (só se a empresa pedir)
5. Informações pessoais como endereço, RG, CPF ou número da carteira de trabalho

Segundo Larissa Meiglin, assessora de carreira da Catho, o pior deslize na elaboração de um currículo é a presença de erros ortográficos ou falhas na digitação. Esses são aspectos que demonstram falta de conhecimento do português e também desatenção do profissional ao escrever o texto.

Outro ponto importante é não apresentar características pessoais já no currículo. De acordo com Larissa, o momento mais adequado para apresentar esse tipo de informação é na entrevista, sempre tentando associá-las a situações profissionais. A pretensão salarial é algo que só deve ser informado quando solicitado na descrição da vaga.

Já a as fotos só devem aparecer nos currículos de profissionais que trabalhem com imagem, como modelos, por exemplo, ou quando a empresa solicitar.

A assessora de carreira da Catho também falou sobre o que nenhum candidato pode deixar de colocar no currículo. Confira abaixo cinco dicas: 

O que deve estar no currículo

1. Objetivo profissional
2. Resumo de Qualificações e Experiências Profissionais
3. Escolaridade e Cursos
4. Proficiência em línguas estrangeiras
5. Conhecimentos em informática

É importante indicar o objetivo profissional de forma clara, com nome do cargo que o trabalhador deseja alcançar, afirma Larissa. Já os resumos de competências e demais experiências profissionais devem ser selecionadas com cautela, apresentando somente as informações mais relevantes e atuais. O mesmo se aplica para graduações e cursos.

A proficiência em línguas estrangeiras e noções em informática costumam aparecer por último, mas devem ser mencionadas. É preciso, no entanto, fazer uma autoanálise e informar com veracidade os conhecimentos. Nos casos em que o profissional só teve contato com o idioma durante aulas do Ensino Fundamental ou Médio, por exemplo, não é uma boa estratégia declarar conhecimento básico do idioma.

“É importante que o profissional consiga resumir toda a sua experiência em no máximo duas páginas. A atualização constante dos dados e a personalização do currículo para cada vaga aplicada são fatores que ajudam o trabalhador a conquistar oportunidades”, afirma a assessora de carreira da Catho.

Para participar das demais palestras da Semana do Emprego, basta entrar no site www.catho.com.br/semana-do-emprego, se cadastrar nas apresentações desejadas e acompanha-la no horário indicado. As primeiras palestras da Semana do Emprego já estão disponíveis no canal da Catho no Youtube

Sobre a Catho

A Catho tem como objetivo principal facilitar contratações, funcionando como um canal entre o candidato que busca novas oportunidades e as empresas e consultorias de RH que buscam candidatos. Todos os meses, mais de 10 mil contratações são feitas por meio do site, que hoje tem mais de 290 mil vagas de emprego anunciadas. Atualmente, a Catho oferece produtos direcionados aos profissionais, como Análise e Elaboração de Currículo, Guia de Profissões e Salários, Por Dentro das Empresas, Simulação de Entrevista e Cursos Rápidos, bem como soluções para empresas na atração e gestão de pessoas, como a publicação de vagas, a busca de currículos e a Pesquisa Salarial e de Benefícios.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Audiências de Custódia do Conselho Nacional de Justiça — Da política à prática


Números divulgados pelo Departamento Penitenciário (Depen), órgão do Ministério da Justiça do Brasil, asseguram a existência de 607.731 pessoas presas no país. Entre essa população, 41% correspondem a presos provisórios, encarcerados ainda sem culpa formada, sem uma condenação definitiva.

Esse levantamento, analisado sob qualquer perspectiva, revela o excesso de prisões, notadamente as de natureza cautelar, determinadas pelo Poder Judiciário brasileiro, dominado por uma “cultura de encarceramento”.

Mostra-se ainda mais grave esse quadro ao se ter em vista que, desde o ano de 1992, integram o ordenamento jurídico brasileiro normas que determinam que o preso deverá ser conduzido “sem demora” à presença de uma autoridade judicial. Notadamente, é o que se estabeleceu na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (artigo 7º, item 5) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 9º, item 3).

“Audiências de custódia” servem para evitar o encarceramento desnecessário de pessoas que, ainda que tenham cometido delitos, não devam permanecer presas durante o processo. Além do mais, já sinalizam ser notórios mecanismos a resguardarem a integridade física e moral dos presos, coibindo práticas de tortura, e que consolidam o direito ao acesso à justiça, ao devido processo e à ampla defesa, desde o momento inicial da persecução penal.

Atento a essas premissas, em 24 de fevereiro de 2015, o CNJ em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo operacionalizou a rotina de apresentação de toda pessoa presa em flagrante a um juiz, no prazo de 24 horas.

Desde a implantação da experiência piloto, a nova rotina procedimental foi ganhando, um a um, a adesão de todos os demais entes federativos, dos Tribunais de Justiça Estaduais e Federais ao Termo de Cooperação Técnica 007/2015, firmado entre o CNJ, o Ministério da Justiça e o Instituto de Defesa de Direito de Defesa (IDDD)[1]. Nesse instrumento está consignada a “conjugação de esforços” de todos os atores do sistema de justiça criminal brasileiro pela implantação de audiência de custódia em todo o país.

Poder Judiciário, Poder Executivo e Sociedade Civil, enfim, deram conta de que a quebra dos paradigmas que fazem do “culto às prisões um ciclo pernicioso da construção de mais presídios e do aumento da população carcerária” pode, sim, justificar a adoção de outros caminhos mais efetivos no combate à criminalidade, sem comprometer a expectativa de segurança da sociedade (leia aqui e aqui).

Para além desse importante pacto, outros dois significativos acordos têm por objetivo disseminar as medidas alternativas à prisão (TCT 006/2015) e a monitoração eletrônica (TCT 005/2015), a partir da experiência das audiências de custódia. Viabilizar estruturas como opções concretas ao encarceramento provisório de pessoas, por meio da criação ou fortalecimento de centrais de alternativas penais à prisão provisória, centrais de monitoração eletrônica e serviços correlatos que detenham enfoque restaurativo, a fim de cultivar, também, ambiente fecundo à realização da mediação penal quando assim possível, tem o condão de humanizar o exercício da atividade jurisdicional, aproximando o juiz da sociedade.

Resultados levantados em meados de outubro já contabilizavam a apresentação de 20.836 pessoas presas em flagrante delito a um juiz. Entre esses, 9.852 (45,98%) acabaram liberados e 11.554 (53,93%) tiveram a prisão preventiva decretada. Ainda: 1.341 (6,25%) casos de violência no ato da prisão foram denunciados e outros 2.551 (11,90%) encaminhamentos assistenciais realizados. A repercussão econômica de todo esse movimento também é considerável: dados preliminares apontam que aproximadamente 50% dos presos em flagrante, quando colocados face a face com um juiz, deixam de ser recolhidos aos já superlotados cárceres brasileiros, estimando uma economia de cerca de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, nos próximos dozes meses[2].

Para o aperfeiçoamento da coleta dessas informações, o CNJ desenvolveu o Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), com o objetivo de também contribuir para a celeridade do procedimento de registro das audiências. E a melhor estruturação dos resultados advindos possibilitará chegar-se a números mais encorpados sobre o controle da “porta de entrada” do sistema prisional brasileiro, oferecendo subsídios mais significativos para a construção de políticas públicas judiciárias. A ferramenta já foi disponibilizada aos tribunais de Justiça do Paraná, Pará, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Tocantins e Piauí, estando em período de teste nesses estados.

O próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro, debruçando-se sobre o tema “audiências de custódia”, recentemente, foi responsável por duas importantes decisões sobre a novel prática: no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.240), em 20 de agosto passado, “declarou constitucional o projeto, que se iniciou perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, em fevereiro de 2015[3], e no último dia 9 de setembro, julgando medida cautelar em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347), determinou a implantação das audiências de custódia em todo o país, no prazo máximo de noventa dias.

São esses mesmos números e a dinâmica como se deu a implantação das audiências de custódia que justificaram, em 20 de outubro de 2015, ao ensejo de audiência pública perante da CIDH da OEA, a apresentação pelo ministro Ricardo Lewandowski do projeto do CNJ, reconhecido como exemplo para toda a América (leia aqui e aqui).

Na mesma ocasião, a assinatura de memorando de entendimento para o fortalecimento da cultura dos direitos humanos no país, habilitou a capacitação de juízes e servidores do Poder Judiciário como instrumento adequado para uma melhor difusão de práticas e rotinas condizentes com a valorização e o protagonismo de valorização dos direitos humanos.

A mudança de paradigmas a que está o Poder Judiciário exposto com as audiências de custódia mostra como podemos (e devemos) evoluir. E é para esse caminho que devemos apontar!

1 A cronologia da implantação nos Estados e os números atualizados da prática das audiências de custódia podem ser acessados pela internet, através do endereço: http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil.

2 O cálculo do CNJ considera um custo de R$ 36 mil por preso ao ano. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80438-audiencia-de-custodia-no-acre-encaminha-viciado-para-tratamento, acesso em 16.09.2015.

3 Cuja constitucionalidade havia sido questionada pela Associação dos Delegados de Polícia (ADEPOL).

Ricardo Lewandowski é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2015, 12h57

Chega de notícias ruins (Sidney Rezende)

SRZD - Em todos os lugares que compareço para realizar minhas palestras, eu sou questionado: "Por que vocês da imprensa só dão 'notícia ruim'?"

O questionamento por si só, tantas vezes repetido, e em lugares tão diferentes no território nacional, já deveria ser motivo de profunda reflexão por nossa categoria. Não serve a resposta padrão de que "é o que temos para hoje". Não é verdade. Há cinismo no jornalismo, também. Embora achemos que isto só exista na profissão dos outros.

Os médicos se acham deuses. Nós temos certeza!

Há uma má vontade dos colegas que se especializaram em política e economia. A obsessão em ver no Governo o demônio, a materialização do mal, ou o porto da incompetência, está sufocando a sociedade e engessando o setor produtivo.

O "ministro" Delfim Netto, um dos mais bem humorados frasistas do Brasil, disse há poucas semanas que todos estamos tão focados em sermos "líquidos" que acabaremos "morrendo afogados". Ele está certo.

Outro dia, Delfim estava com o braço na tipoia e eu perguntei: "o que houve?". Ele respondeu: "está cada vez mais difícil defender o governo".

Uma trupe de jornalistas parece tão certa de que o impedimento da presidente Dilma Rousseff é o único caminho possível para a redenção nacional que se esquece do nosso dever principal, que é noticiar o fato, perseguir a verdade, ser fiel ao ocorrido e refletir sobre o real e não sobre o que pode vir a ser o nosso desejo interior. Essa turma tem suas neuroses loucas e querem nos enlouquecer também.

O Governo acumula trapalhadas e elas precisam ser noticiadas na dimensão precisa. Da mesma forma que os acertos também devem ser publicados. E não são. Eles são escondidos. Para nós, jornalistas, não nos cabe juízo de valor do que seria o certo no cumprimento do dever.

Se pesquisarmos a quantidade de boçalidades escritas por jornalistas e "soluções" que quando adotadas deram errado daria para construir um monumento maior do que as pirâmides do Egito. Nós erramos. E não é pouco. Erramos muito.

Reconheço a importância dos comentaristas. Tudo bem que escrevam e digam o que pensam. Mas nem por isso devem cultivar a "má vontade" e o "ódio" como princípio do seu trabalho. Tem um grupo grande que, para ser aceito, simplesmente se inscreve na "igrejinha", ganha carteirinha da banda de música e passa a rezar na mesma cartilha. Todos iguaizinhos.

Certa vez, um homem público disse sobre a imprensa: "será que não tem uma noticiazinha de nada que seja boa? Será que ninguém neste país fez nada de bom hoje?". Se depender da imprensa brasileira, está muito difícil achar algo positivo. A má vontade reina na pátria.

É hora de mudar. O povo já percebeu que esta "nossa vibe" é só nossa e das forças que ganham dinheiro e querem mais poder no Brasil. Não temos compromisso com o governo anterior, com este e nem com o próximo. Temos responsabilidade diante da nação.

Nós devemos defender princípios permanentes e não transitórios.

Para não perder viagem: por que a gente não dá também notícias boas?

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Homem envolvido em atentado na Parada Gay não tem direito ao esquecimento

Para juíza, reportagens limitam-se a veicular informações sobre fatos importantes para a sociedade.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A juíza de Direito Maria Rita Rebello Pinho Dias, da 18ª vara Cível de SP, julgou improcedente ação contra a Agência Estado e a Editora Gazeta do Povo ajuizada por homem que respondeu a processo por jogar uma bomba na Parada Gay em junho de 2009, causando ferimentos em cerca de 10 pessoas. Os advogados Camila Morais Cajaíba Garcez Marins, Manuel Alceu Affonso Ferreira e Afranio Affonso Ferreira Neto, da banca Affonso Ferreira Advogados, atuaram na causa pela Agência Estado.

O autor afirmou que foi absolvido pela Justiça, mas que diante de anos decorridos do fato a Agência Estado “ainda noticia falsa condenação em sua página da internet, informando que havia sido condenado por tal explosão, o que é falso”.

Direito ao esquecimento

De acordo com a magistrada, o conflito concernente ao processo consiste em saber se o autor tem o direito ao “esquecimento”. Consignou, de início, que as reportagens não veiculam falsidade. “Foi condenado pela prática de associação criminosa, muito embora tenha sido absolvido por falta de provas no tocante aos delitos de lesão corporal, explosão.”

No entender da julgadora, independentemente da condenação ou absolvição penal, as reportagens questionadas limitam-se a veicular informações que se referem a fatos que são importantes para a sociedade: a prática de atos decorrentes de ódio provocado por orientação sexual.
“Não se está dizendo, com isso, que o exercício do direito à livre manifestação da opinião é absoluto e que não está sujeito a eventuais punições. Ocorre que a punição à livre manifestação da vontade, quando for o caso, apenas pode se dar de forma repressiva, ou seja, após a exibição da opinião e, mesmo nesse caso, somente em vistas à indenização da pessoa eventualmente lesada. Em momento algum pode se impedir que o cidadão possa manifestar livremente sua opinião, nem, tampouco, privar os seus demais concidadãos do direito de ouvir tal opinião, analisá-la e criticá-la. Cercear o cidadão de tal direito, de fundamental importância, consiste em censura ao livre exercício de sua opinião e expressão, o que apenas pode ser admitido em Estados Autoritários. A censura é incompatível com o Estado Democrático do Direito. Trata-se de interpretação que atende ao princípio da proporcionalidade. Vale destacar, ademais, que, abstraindo-se da veracidade das informações constantes nas noticias questionados pelo autor, o fato é que elas tem por objetivo alertar outras pessoas sobre a ocorrência de crimes de ódio. Há, portanto, em princípio, interesse público na veiculação de tais informações, ainda que se mostrem, posteriormente, em razão da confrontação com demais evidências, equivocadas o que não parece ser o caso dos autos, frise-se.”

Tomando como parâmetro, para compatibilizar os direitos em oposição, o prazo da reabilitação criminal e o fato de as notícias serem, ainda, relativamente recentes, a magistrada apontou que, analisando a data da sentença de extinção de punibilidade (novembro de 2014) “o autor ainda não tem direito à reabilitação criminal”.

Assim, entendeu ser razoável manter as notícias íntegras, “permitindo que a sociedade possa tomar conhecimento dos relevantes fatos por elas veiculados e debatê-los”. Ademais, a juíza destacou que os processos judiciais são públicos, sendo que informações sobre eles contribuem com tal publicidade.

Processo: 1082349-15.2015.8.26.0100 
Fonte: Site Migalhas

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Manobra da gestão Alckmin diminui número de homicídios em SP

ROGÉRIO PAGNAN
LUCAS FERRAZ
DE SÃO PAULO

09/11/2015 02h00

Uma manobra estatística do governo Geraldo Alckmin (PSDB) ampliou a queda dos homicídios em São Paulo.

A redução dessas ocorrências em patamares recordes neste ano tem sido usada como bandeira do secretário Alexandre de Moraes (Segurança Pública), cotado para disputar a prefeitura da capital paulista nas eleições de 2016.

A mudança de metodologia começou em abril, sem divulgação, quando a gestão tucana passou a excluir das estatísticas de homicídios dolosos as mortes cometidas por PMs de folga em legítima defesa.

A estratégia permitiu ao Estado retirar, em apenas seis meses, 102 mortes das estatísticas oficiais de homicídios —equivalentes a mais de cinco chacinas como a registrada no dia 13 de agosto em Osasco e Barueri (Grande SP).

CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS - De abril a setembro

Os casos de assassinatos em São Paulo continuam em queda este ano, mas a revisão dos dados mostra que ela é bem mais tímida do que a das divulgações do governo.

No período de seis meses em que houve a mudança de metodologia, os números divulgados pela gestão Alckmin apontam diminuição de 16,3% dos homicídios na capital e 13,2% no Estado em relação ao mesmo período de 2014.

Na prática, no entanto, considerando os critérios adotados nos últimos dez anos, essa queda é de 6,7% e 8,1%, respectivamente.

A publicidade oficial também diz que, em setembro, pela primeira vez desde 2001, a taxa de homicídios no Estado ficou em 9,1 casos por grupo de 100 mil habitantes.

Mas isso só foi possível porque foram retiradas das estatísticas deste ano as mortes por PMs em horário de folga. O índice real foi de 9,4, já atingido antes, em julho.

O governo defende os critérios adotados e afirma seguir "metodologia internacional" — não explica qual. Diz considerar que os critérios estão explicados em um asterisco colocado em uma tabela.

Taxa de homicídios - Por 100 mil habitantes no Estado

A comparação com os números dos últimos dez anos, porém, fica contaminada, levando a uma queda artificial dos homicídios em 2015 -já que os anos anteriores incluem mortes de PMs de folga em legítima defesa.

'IRRESPONSABILIDADE'

Pelo novo critério adotado, se um PM de folga matar alguém ao reagir a um roubo, esse caso não é mais contabilizado como homicídio. Com isso, a gestão Alckmin passou a classificar essa ação em separado, assim como na chamada "morte em intervenção policial" em serviço.

Se um cidadão comum matar alguém em reação a um assalto, daí não há mudança - esse caso continua sendo classificado como homicídio.

Para a pesquisadora Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é preciso uma alteração em toda a série histórica para poder voltar a comparar os casos de homicídios.

"Quando muda uma metodologia que impacta não só nos indicadores de letalidade policial como nos homicídios, é preciso explicitar isso ao público. Então, isso foi absolutamente negativo. Diria até que foi uma irresponsabilidade da Secretaria da Segurança. Porque induz a erro. Se eles falam em transparência, isso não foi nada transparente", afirma.

A mudança de metodologia foi detectada por Samira ao analisar, a pedido da Folha, os dados de letalidade policial omitidos pelo governo. A pesquisadora é uma das principais especialistas do país em estatísticas de violência.

O secretário Alexandre de Moraes diz que a queda de homicídios é "consequência da eficácia do trabalho policial".

Ele tem neste ano adotado uma iniciativa criticada por especialistas, ao fatiar a divulgação -feita antes de uma só vez e completa- e antecipar alguns números positivos.

OUTRO LADO

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirma que a mudança nas regras de contagem de homicídios dolosos e letalidade policial segue "metodologia internacional".

O secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, disse, em nota, que a alteração dos critérios partiu da Corregedoria da Polícia Militar, padronizando sua publicação com a Polícia Civil —que já excluiria dos homicídios as mortes de agentes de folga em legítima defesa.

Os dados envolvendo policiais civis, porém, pouco interferem nas estatísticas gerais —em agosto, por exemplo, não foi registrado nenhum caso no Estado inteiro, contra 22 envolvendo PMs.

Questionado sobre por que divulga comparações de estatísticas com critérios diferentes, que levam à redução artificial dos homicídios, Moraes não deu resposta direta —limitou-se a negar alterações de contabilidade.

QUEDA NOS CASOS DE HOMICÍDIOS, EM % - Entre jan. e set. de 2014 e de 2015

Ele afirma ainda que as mortes cometidas por PMs que não sejam em legítima defesa, como chacinas, continuam classificadas nas estatísticas de homicídio.

Moraes também argumenta que a metodologia adotada a partir de abril consta de um "asterisco" em tabela de dados criminais —embora a mudança não esteja informada em comunicados oficiais.

O secretário de Alckmin diz que a decisão de mudar a metodologia foi correta porque, para ele, um homicídio com "excludente de ilicitude" (legítima defesa, por exemplo) deixa de ser homicídio.

"Trata-se de metodologia internacional, adotada tanto pelo direito penal brasileiro quanto pelo direito comparado, onde o crime de homicídio somente existirá se a conduta for típica e ilícita", diz.

Ele continua. "O fato típico (art. 121 - matar alguém) deixa de ser homicídio quando presente alguma das excludentes de ilicitude. Absolutamente todas as democracias ocidentais utilizam essa metodologia no sistema penal."

Os especialistas em segurança pública Luís Flávio Sapori, professor da PUC-MG, e Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dizem desconhecer outro lugar do mundo em que a polícia contabilize homicídios com a nova metodologia adotada pelo Estado de São Paulo. "É uma idiossincrasia paulista", afirma Sapori.

Moraes criticou os questionamentos feitos pela Folha. "Dessa forma, nos parece que aqueles que realizaram as indagações não entenderam até o presente momento a metodologia internacional, pois não podemos acreditar que haja leviandade e má fé em insinuação de manipulação de números e na continuidade de confusão entre homicídios dolosos e letalidade policial", afirma, em nota.

Os questionamentos foram encaminhados ao secretário após, em 26 de outubro, ele declarar que havia feito mudanças na contagem de letalidade da polícia paulista para aperfeiçoar e abarcar dados desprezados anteriormente.

"A mudança foi para deixar muito mais transparente, para auxiliar no combate à letalidade em serviço e fora de serviço. [...] Aqui é transparência total", disse na época.

Colaborou MARCELO SOARES, de São Paulo 

Fonte: Folha de São Paulo On Line 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Desafio aos pessimistas (Por Patrus Ananias)

Ao discorrer sobre a mentira, Razumíkhin, patrício de Raskólnikov, o protagonista do romance “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, reflete: “(…) mas nós não somos capazes nem de mentir com inteligência!”. Poderíamos, hoje, à luz das quimeras propagandísticas repetidas “ad nauseam”, adaptar aquela sentença: “Eles não são capazes nem de mentir com inteligência”.

Refiro-me a diatribes do tipo “o país quebrou” e “vivemos a pior crise da história”. O país não quebrou. Crises, já tivemos muitas. O que está posto hoje no Brasil não é a disputa pelo receituário econômico mais adequado, é a disputa de projeto político.

Para tanto é preciso constatar os avanços nos últimos 12 anos. Movido pela agenda do Ministério do Desenvolvimento Agrário, tenho viajado o Brasil. Por conta do projeto Territórios em Foco, quando mergulho numa região por três dias, experimento as políticas públicas e ouço a comunidade local. As andanças revelaram um Brasil muito maior do que a crise.

Em especial, chamou a atenção os quatro anos da seca no semiárido nordestino. Há 12 anos poderíamos prever as consequências da estiagem: levas de retirantes clamando por comida. O cenário hoje é visceralmente distinto.

Agora vi quilombolas, antes renegados, cultivando a terra e preservando suas tradições no Maranhão. Vi filhos de agricultores familiares nas escolas Família Agrícola, no Espírito Santo. No Ceará, vi plantação irrigada de feijão. Vi o sertanejo enfrentando a seca amparado em 1,2 milhão de cisternas.

Vi a eficácia do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que cresceu dez vezes nos últimos 12 anos e hoje assegura recursos de R$ 28,9 bilhões. Vi agricultoras recebendo títulos de terras das quais detinham apenas a posse. Vi filhos de agricultores beneficiados pelo Prouni.

Viajando, vi a eficiência dos programas implantados desde que o presidente Lula assumiu a Presidência, em 2003. Senti os efeitos positivos do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada.

Quando Lula lançou o Fome Zero, muitos disseram que o programa era inexequível. Duvidavam: “Acabar com a fome?”. Pois em 2014 vi a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) retirar o Brasil do mapa da fome.

Tudo isso não é passado, é presente. A propaganda que avassala o país cria o desvario da “terra arrasada”, como se tudo o que foi construído nos últimos 12 anos tivesse desaparecido. Ao contrário, foi incorporado de forma incontornável à nossa realidade. Por isso precisamos ter consciência da ameaça representada pelo pessimismo.

Claro que temos desafios pela frente. É preciso avançar nas reformas agrária, tributária e urbana. Acelerar o desenvolvimento da agricultura familiar, aumentando a produtividade, priorizando a produção de alimentos saudáveis, incrementando o cooperativismo. Radicalizar a distribuição do poder econômico, pois, sem ele, não teremos a distribuição do poder político.

É necessário reconhecer que houve equívocos nessa trajetória, mas não podemos olvidar nossas conquistas. Precisamos perseverar na trilha do país de oportunidades iguais para todos. Prognósticos irreais alimentam a incerteza e o medo; precisamos de expectativas conscienciosas, que inflem o ânimo dos cidadãos.

Como o otimismo versejado por João Cabral de Melo Neto ao final de seu “Morte e Vida Severina”. Ao descrever a desventura, apontou a esperança diante do nascimento do rebento: “E não há melhor resposta/que o espetáculo da vida/ (…) vê-la brotar como há pouco/em nova vida explodida”.

PATRUS ANANIAS, 68, professor da PUC-MG, é ministro do Desenvolvimento Agrário

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Desarmamento ajudou a frear homicídios, dizem especialistas

Marco Antônio Carvalho - O Estado de S. Paulo 

Assassinatos por arma de fogo ficaram estáveis entre os anos de 2003 e 2011; para Instituto Sou da Paz, projeto 'liberou geral'

SÃO PAULO - Promulgado em 2003, o Estatuto do Desarmamento é apontado por especialistas como um dos fatores mais importantes para frear a quantidade de homicídios cometidos com arma de fogo no País. Na época, o número de assassinatos crescia a uma taxa aproximada de 10% ao ano e, após a legislação, ficou estagnado na casa dos 39 mil casos. Na década de vigência do Estatuto, o número só voltou a crescer em 2012, quando chegou a 42,4 mil casos, de acordo com dados do Mapa da Violência “Mortes Matadas por Armas de Fogo”, do professor Julio Jacobo Waiselfisz.

Para o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, o projeto que irá à votação no plenário da Câmara “transfigura” a política atual de controle de armas ao “flexibilizar o acesso” a esse tipo de equipamento. “A facilidade para ter armas de fogo passa a ser muito grande. Apesar de se intitular ‘Estatuto do Controle de Armas’, o projeto nada mais é que a flexibilização generalizada, é um liberar geral. Nada mais é que o descontrole de armas.” 

Marques classificou o Estatuto do Desarmamento como a “única alteração existente no Brasil que conseguiu reverter uma crescente de homicídios”. “Numa ferida aberta que é a questão dos homicídios e da violência, o estatuto foi a única medida que o Estado teve para conter esse sangramento. É evidente que ele não pode ser a única medida, não é o remédio para todos os males da violência, mas incontestavelmente foi a única que conseguiu segurar a onda de homicídios”, disse.

A legislação atual foi responsável por dificultar o acesso a armas de fogo ao requerer uma justificativa plausível para o porte do equipamento - como ameaça de morte ou por força da profissão -, além de testes técnicos e psicológicos. A análise da justificativa apresentada cabe à Polícia Federal, que emite ou não a autorização para a compra e para o porte da arma. Em 2004, a PF havia concedido 3 mil autorizações de posse, mas viu a quantidade saltar para 18 mil em 2012. 

A lei previa restrição ainda mais dura, com a proibição completa da venda de armas e munições para civis, mas acabou revogada em parte após derrota no referendo do desarmamento no ano de 2005. O projeto atual prevê apenas o cumprimento de requisitos burocráticos e técnicos para acesso ao equipamento. 

Intimidação. Para o especialista em segurança pública coronel José Vicente da Silva Filho, o projeto passa a falsa sensação de segurança para parte da população. “Se o projeto com o conceito de que devemos armar a população para combater o crime for adiante, seria uma verdadeira tragédia. Vamos só piorar o quadro de violência atual. Não é verdadeira a ideia de que o bandido fica intimidado com a população armada. Isso só traz resultados mais trágicos”, disse. 

O oficial da reserva da Polícia Militar de São Paulo acredita que o mercado legal de armas alimenta a criminalidade, quando acontecem perdas, furtos ou roubos. “As armas compradas legalmente acabam na mão dos bandidos. São poucas as que vêm pela fronteira. As pessoas se iludem com a ideia de que poderão se defender.”

O ex-comandante da PM paulista coronel Carlos Alberto Camargo acredita que mais armas com a população dificulta o trabalho de policiamento, mas pede apoio de políticas públicas mais eficazes. “O cidadão naturalmente estaria dispensando a arma se sentisse seguro, se percebesse que o Estado está fazendo seu papel, mas o que ele vê é uma criminalidade cada vez mais equipada.”

Fonte: Estadao Online

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Coordenador de presídios acumula patrimônio milionário em dois anos

Com ganhos de R$ 18 mil no governo paulista, servidor ergue casas equivalentes a 32 anos de salário

Berni Neto cuida de licitações na gestão Alckmin; ele diz não misturar ação pública com a de empresa

ARTUR RODRIGUES, DE SÃO PAULO
LEANDRO MACHADO, ENVIADO ESPECIAL A SOROCABA

29/09/2015 - Responsável por 28 unidades prisionais do governo de São Paulo, Hugo Berni Neto, 52, recebe, como servidor público, um salário mensal bruto de R$ 18 mil. Entre outras funções, cuida de licitações milionárias da Secretaria da Administração Penitenciária.

Na coordenação de presídios desde 2006, ele se associou à irmã há dois anos em uma empresa imobiliária – que saiu quase do zero e construiu, só nesse período, casas em condomínios de alto padrão de Sorocaba (interior) avaliadas em mais de R$ 7 milhões, equivalentes a 32 anos de seu salário.

Berni Neto e sua empresa ainda mantêm em andamento obras de um condomínio inteiro, com 24 casas, que podem alcançar R$ 15 milhões.

A prosperidade da empresa da família, fundada em 2011, ocorreu com a entrada do coordenador dos presídios do governo Geraldo Alckmin (PSDB) na Midas Empreendimentos, em 2013.

Desde que ele se tornou cotista da empresa, oficialmente controlada pela irmã dele, a psicóloga Rita de Cássia Berni, a Midas aumentou seu capital social de R$ 2.000 para R$ 273 mil –e passou a adquirir uma série de imóveis em condomínios no interior.

Levantamento da Folha em cartórios identificou, de 2013 para cá, 12 terrenos adquiridos pela empresa em condomínios fechados –onde foram erguidas casas avaliadas entre R$ 650 mil e R$ 900 mil.

O servidor diz que, no total, já foram construídos 30 imóveis ao longo dos anos, mas nega relação com seu trabalho no Estado. "Minha vida pública não se misturou com a privada", afirma Berni Neto, funcionário de carreira que chegou a ser diretor do Carandiru e se tornou um dos homens de confiança do titular da pasta, Lourival Gomes.

Ele diz que, por ser funcionário público, não pode aparecer como administrador da empresa –oficialmente a cargo da sua irmã. Na prática, Berni Neto não possui nenhum imóvel no próprio nome, incluindo a casa onde mora, também no nome da irmã.

Entre outras funções na secretaria que cuida dos presídios do Estado, Berni Neto é responsável por licitações milionárias, como para fornecer as "quentinhas" aos presos.

Alguns dos contratos sofreram questionamentos do Tribunal de Contas do Estado –que, em 2010, por exemplo, reprovou contratação sem licitação de 2008, avaliada em R$ 1,2 milhão, para a alimentação de detentos da Penitenciária 2 de Itapetininga.

A empresa beneficiada na ocasião, a Geraldo J. Coan, teve seus proprietários entre os denunciados da "máfia da merenda", acusada de fraudar licitações e pagar propina em municípios do Estado.

Há também um inquérito do Ministério Público que investiga a coordenadoria chefiada por Berni Neto por suspeita de superfaturamento no fornecimento de alimentos do CDP Belém, em um contrato com a mesma empresa, a Geraldo J. Coan.

O servidor foi alçado a coordenador prisional das unidades da área central do Estado em 2006, após a prisão do então titular da vaga sob suspeita de vender transferências de detentos. Em seguida Berni Neto foi transferido para a coordenação das prisões da região metropolitana.

Foi nessa época que a irmã dele, Rita de Cássia, teve aumento expressivo de patrimônio. Em 2005, tinha só um imóvel, de R$ 56 mil. A partir de então, adquiriu outros 21.

OUTRO LADO

'Vou me defender para o Ministério Público'
Chefe dos presídios diz que avanço da empresa não tem relação com licitações sob suspeita no governo do Estado

(ARTUR RODRIGUES E LEANDRO MACHADO)
DE SÃO PAULO
Coordenador dos presídios da Grande SP, Hugo Berni Neto afirmou que o avanço da empresa Midas Empreendimentos Imobiliários não tem relação com o seu trabalho na Secretaria Estadual de Administração Penitenciária.

Segundo ele, o patrimônio é fruto de um "remanejamento" financeiro de outras duas empresas de sua família.

"Vou me defender no momento oportuno, para o Ministério Público, se ele entrar nessa história", afirma.

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Folha - O sr. é dono da Midas. Como o patrimônio da empresa cresceu tanto?
Hugo Berni Neto - A Midas [criada em 2011] não é minha, é da minha família. Só passou para o meu nome após o falecimento da minha mãe [também em 2011]. Os sócios eram minha irmã e minha mãe. Tinha que ter um sócio, esse sócio ficou sendo eu, natural. Este ano arrumamos uma pessoa amiga e passamos 1% para ela. Não sou mais sócio. Sou funcionário público, não posso gerenciar, não posso ter lucro, não administrava. Não tive lucros com essa empresa. Só posso ser cotista. Tenho tudo isso no Imposto de Renda.

São três empresas [da família]. Uma de serviços temporários [com capital de R$ 90 mil], uma de terceirização [capital de R$ 20 mil]. E essa de empreendimentos imobiliários. Houve remanejamento financeiro de uma para outra. Os imóveis dos últimos anos já eram patrimônio das outras empresas.

Funcionários da Midas dizem que o sr. é o dono da empresa.
Mas menti sobre isso para você? Falei que a empresa é da minha família, só tem eu e minha irmã. É que não posso aparecer.

Enquanto eu não conseguir minha aposentadoria, as decisões são da minha irmã. Tenho todos esses imóveis catalogados. Não tenho nada. Quem tem todo o patrimônio é a sócia [irmã].

A Midas está construindo um condomínio com 24 casas. Como conseguiu capital?
Na realidade, é uma permuta de imóveis. Nesse mercado imobiliário tem muita troca, muita compra. Tem muita coisa que você negocia. É difícil de explicar.

O sr. é citado como responsável por diversas licitações para serviços em presídios que estão sendo questionadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Uma delas foi declarada irregular. O que diz sobre isso?
Em momento nenhum sou gestor dos contratos de alimentação. Eu autorizo a licitação, não sou o gestor. O tribunal pode verificar irregularidade, mas não tenho um processo irregular. As ultimas decisões são regulares. Quem te passou isso mistura minha vida pública com a privada. Dá a entender que os recursos vêm daí [licitações] pra lá [imóveis]. Mas graças a Deus não tem nada a ver.

Sua irmã, até alguns anos atrás, não tinha grande patrimônio. Como ela conseguiu aumentá-lo em tão pouco tempo, com quase 20 imóveis?
Tenho como provar. A origem é realmente dela.

Com esse patrimônio todo, por que continua trabalhando como funcionário público?
Sou funcionário público há 29 anos. Faltam quatro para me aposentar. Tenho uma carreira, gosto do que faço. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Em dado momento, prosperaram as empresas, mas não vou perder meus 20 e poucos anos e deixar de me aposentar.

Quando o sr. saiu da empresa? Na Junta Comercial do Estado ainda consta como sócio.
Está errado.

Então o sr. não atua mais?
Não. Mas é aquela coisa: somos eu e minha irmã, nos falamos todos os dias sobre a situação. Não te falei que é uma coisa de família? Se não consta meu nome no documento, por que comandaria a empresa? Vou me defender no momento oportuno, para o Ministério Público, se entrar na história. Te contei a história toda. Não estou construindo casa de graça, sem lucro. Não é filantrópico o meu trabalho. Tem imóvel que está há oito anos no nosso nome. Minha vida pública não se misturou com a privada.

Servidores devem informar seus bens, diz governo
DE SÃO PAULO
A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que todos os dirigentes da pasta são obrigados por lei a prestar contas anualmente de seus bens.

A pasta, porém, não informou se Hugo Berni Neto, coordenador dos presídios da Grande São Paulo, fez essa prestação de contas nos últimos anos.

A secretaria também afirma que os servidores do Estado não são proibidos de participar de sociedades comerciais.

Mas faz uma ponderação: "Desde que essas empresas não tenham nenhuma relação comercial ou administrativa com o governo do Estado, sejam por este subvencionadas ou estejam diretamente relacionadas com a finalidade da repartição ou serviço em que esteja lotado", afirma a secretaria estadual.

TRIBUNAL DE CONTAS

Sobre a licitação do presídio de Itapetininga, a secretaria informa que acompanha o julgamento do Tribunal de Contas do Estado, atualmente em fase de recurso. A Corregedoria da pasta também está investigando a denúncia. 

Fonte: Folha de São Paulo On Line