quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Exemplo supremo na construção da Justiça

23/09/2015 - O Supremo Tribunal Federal vem cumprindo sua fundamental função constitucional e tem sido exemplo de trabalho no enfrentamento de milhares de processos. Eventuais conflitos de posição e votos dos seus membros são próprios dos julgamentos colegiados, resultado do confronto democrático, benéfico para a sociedade. 

Dois pontos, entretanto, precisam ser aprimorados para que o Supremo seja exemplo supremo. O primeiro é sobre o déficit de legitimidade substancial da Corte. Constitucionalmente instituído, com formação democrática e legitimidade inicial derivada da indicação do presidente da República e aprovação do Senado, o Supremo, entretanto, tem recebido críticas pela falta de controle social. 

Nomeado ministro do Supremo, o eleito entra em uma redoma inalcançável de proteção e poder até os 75 anos de idade. Vêm ganhando espaço entendimentos que pregam a conveniência de limitar o tempo de permanência no cargo, destacando um prazo máximo de dez anos, permitindo maior renovação da Corte. Paralelamente, ganham força os argumentos para criação de procedimentos legais de controle das obrigações funcionais dos seus membros, suprimindo o tabu de intocáveis, sem desnaturar a elevada função jurisdicional. É tempo de o Supremo liderar movimento político-jurídico para mudar a estrutura judicial.

A instituição de procedimentos legais de controle das obrigações funcionais não significa ofensa à honorabilidade dos magistrados supremos, mas apenas parâmetros normativos e meios de responsabilização, combatendo encastelamentos particulares de poder, pedidos de vistas intermináveis e pautas de julgamento discricionárias, assim confirmando a legitimidade da Corte no passar do tempo. Os ministros de tribunais inferiores, desembargadores e juízes de primeira instância, também têm cargo vitalício, sendo removidos compulsoriamente quando da aposentadoria por idade. Mas, diferente dos ministros do Supremo, suas decisões são passíveis de mudanças na instância superior e suas obrigações funcionais sujeitas a severas fiscalização e controle pelos respectivos tribunais e corregedorias. Na comparação com os eleitos do Executivo e Legislativo, a discrepância de legitimidade e controle social é gritante. Os membros desses poderes, além dos procedimentos internos de corregedoria, fiscalização popular e entre partidos, têm as suas legitimidades testadas e confirmadas em amplos e abertos confrontos políticos de candidatura e eleição, atualmente a cada quatro anos. 

O segundo é sobre a funcionalidade do sistema judicial. É de conhecimento geral que o Supremo está sobrecarregado com quase 60 mil processos para julgamento, um estoque incompatível com o limite dos 11 ministros e com a alta função do tribunal. O Supremo arrasta-se com a tríplice competência de Corte constitucional, Corte recursal extraordinária e Corte instrutória em alguns casos. Como resultado, um afunilamento de milhões de processos, em quatro instâncias de julgamentos, recheadas com dezenas de recursos pontuais e inaceitável demora na conclusão e formação de jurisprudência. A instituição de filtros processuais e procedimentos de repercussão não têm resolvido o problema do estoque de processos. 

O sistema judicial está insustentavelmente dependente do Supremo. O marco regulatório nacional, fundamento indispensável para o desenvolvimento do país, depende de rápida confirmação da legislação pela jurisprudência dos tribunais superiores. Demora na formação de jurisprudência (até 20 anos), passando por até quatro instâncias de julgamento (local, regional, superior e STF), gera insegurança, desconfiança e afeta negativamente o sistema produtivo e a pacificação social.

Nos Juizados Especiais, criados para julgar rapidamente pequenas causas, o sistema recursal é um despautério. Nos Juizados Federais, por exemplo, contra a decisão do juiz cabe recurso para a turma estadual, recurso para a turma regional, recurso para a turma nacional, recurso ao STJ e, por fim, recurso extraordinário ao Supremo, formando uma cadeia de inacreditáveis seis instâncias de julgamento. Distorção estrutural é patologia grave. Propaga-se por todo sistema, no caso influenciando na produtividade das instâncias inferiores, dependentes de jurisprudência constitucional, devendo ser debatida sem paixões e enfrentada com elevado espírito público. A diminuição do número de instâncias recursais ao padrão mundial (três instâncias) para os litígios subjetivos parece ser um caminho incontornável.

O sistema judicial americano, que serviu de inspiração para o brasileiro, concluiu - e adotou desde 1925 -, nas palavras do Chief Justice Vinson, que "para permanecer efetiva a Suprema Corte deve continuar a decidir apenas os casos em que contenham questões cuja resolução haverá de ter importância imediata para além das situações particulares e das partes envolvidas". É compreensível a ânsia humana de pretender um julgamento pelo Supremo para questões particulares. 

Também é compreensível interesse corporativo de manter o máximo de espaço para recursos processuais, em nome da ampla defesa e para garantir maior espaço de trabalho. Esses interesses, entretanto, não podem sobrepor-se à necessidade maior de funcionalidade do sistema judicial.

Os dois problemas, ilegitimidade e sobrecarga de processos, estão interligados, são interdependentes e se alimentam mutuamente. É quase impossível estabelecer um procedimento legal de controle social das obrigações funcionais dos membros do Supremo com uma sobrecarga desumana de processos na fila de julgamento. O caminho exige coragem e enfrentamento concomitante das duas distorções. É tempo de o Supremo liderar movimento político-jurídico de mudança na estrutura judicial, concentrando sua atuação na função de Corte constitucional, transferindo competência para os tribunais superiores, reduzindo para três as instâncias de julgamento, diminuindo em um quarto o prolixo espaço recursal e sugerindo controles, dando exemplo supremo na construção da Justiça, para o bem do Brasil. 

Fonte: Valor Econômico

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