quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O regime jurídico da liberdade de programação

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Analisando o sistema de normas que tratam direta ou indiretamente da liberdade de programação, observamos a existência de regras que impõem uma obrigação de fazer aos que exercem a liberdade de programação, mas também outras que veiculam verdadeiras proibições, ou seja, obrigações de não fazer a tais pessoas.

Assim, para melhor compreensão do tema, podemos dividir tais regras em limitações positivas e limitações negativas da liberdade de programação.

Em nosso ordenamento, as limitações positivas são essencialmente as seguintes:

a – os programas devem dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (art. 221, I, da CF/88);

b- os programas devem promover a cultura nacional e regional (art. 221, II, da CF/88);

c- os programas devem existir de forma a respeitar a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei (art. 221, III, da CF/88);

d- os programas devem respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221, IV, da CF/88);

e- devem ser transmitidas as chamadas mensagens obrigatórias nos termos da lei (por exemplo A Voz do Brasil - Lei 4.117/1962, art. 38, “e”);

f- o direito de resposta assegurado na Constituição deve ser observado, tal como determinado, inclusive por meio de sua transmissão pelo mesmo meio utilizado na ofensa (art. 5º, V, da CF/88; art. 14, 1, do Pacto de São José da Costa Rica);

g- os programas devem ter sempre uma “pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial” (art. 14, 3, do Pacto de São José da Costa Rica – art. 223, § 2º, da CF/88).

Tratam-se dos chamados “direito à programação de qualidade” (itens “a” a “d” supra), “dever de transmissões obrigatórias” (itens “e” e “f”) e “dever de responsabilidade” (item “g”).

Com efeito, as telecomunicações são serviços públicos (art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988) e, como tal, sujeitam-se a princípios próprios, como os da continuidade e da qualidade (art. 37, § 3º, I, da CF/88), o que é explicitado e detalhado neste particular pelas regras do artigo 221 da CF/88.

De outro lado, as limitações negativas impõem abstenções aos que exercem a liberdade de programação, sendo as principais:

a) vedado o anonimato (art. 5º, IV, da CF/88);

b) não ofender a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF/88);

c) dever de observar a regulamentação das diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (art. 220, § 3º, I, da CF/88);

d) não produzir ou veicular propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (art. 220, § 3º, II, da CF/88);

e) obedecer às restrições legais quanto à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias (art. 220, § 4º, da CF/88).

Como se vê, a liberdade de programação encontra limites previstos diretamente na Constituição, mas também os que emergem da colisão deste direito com outros de mesmo status.

Não há, em nossa Constituição, previsão para que a legislação infraconstitucional possa limitar a liberdade de expressão, tal como faz a Carta Alemã.

No entanto, isso não proíbe a edição de leis com o objetivo de preservar valores constitucionalmente relevantes, que restrinjam a liberdade de programação, uma vez que, como visto, não são apenas aqueles bens jurídicos expressamente mencionados pelo constituinte que operam limites a essa liberdade.

Em outras palavras, qualquer outro bem jurídico albergado pela Constituição pode entrar em conflito com essa liberdade, devendo, nesse caso, haver sopesamento dos valores envolvidos de forma a harmonizá-los.

Exemplificando, a liberdade de programação, num contexto que estimule a violência e exponha criança à exploração de toda sorte, inclusive a comercial, tende a ser proibida em face do previsto no artigo 227 da CF/88.

A análise do eventual conflito entre os direitos deve ser feita à luz da razoabilidade, atendendo-se aos critérios informadores do princípio da proporcionalidade, ou seja, verificando-se a adequação da restrição, sua necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Em suma, a chamada Liberdade de Programação constitui uma das dimensões essenciais da liberdade de expressão, que, por essência e como regra, não aceita limitações.

Certamente, a liberdade de expressão deve ser interpretada de forma ampla a garantir a criação, expressão e difusão do pensamento e da informação sem interferências.

No entanto, como já visto acima, não há liberdade pública absoluta, que se sobreponha às demais.

Nas palavras dos doutrinadores portugueses Canotilho e Machado, “a liberdade de programação não é incompatível com o estabelecimento de algumas restrições, à semelhança do que sucede com todos os direitos, liberdades e garantias” (Canotilho, J. J. Gomes; Machado, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de Programação”. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 32).

Devem, portanto, ser harmonizados os direitos fundamentais envolvidos num conflito instaurado, sendo o princípio da proporcionalidade o instrumento adequado para tanto.

Nesse sentido, “mutatis mutandis”, também já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130, relatada pelo ministro Carlos Britto (julgamento em 30-4-09, Plenário, DJE de 6-11-09).

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