domingo, 3 de abril de 2016

Brasil resiste às tentativas de golpe

Publicado por CdB em 03/04/2016 

O Brasil vive um clima de ódio alimentado em permanência pelos meios de comunicação que dificulta o dialogo político e coloca em perigo a coesão nacional tão necessária para superar a crise política

Por Marilza de Melo Foucher – de Paris

Acabo de chegar do Brasil. Foi um mês tentando mergulhar na complexa realidade da política brasileira. Um mês de silêncio, apenas observando as reações por parte de uns e outros. Percebi que escrever um artigo dentro do atual contexto da política brasileira é tarefa árdua, num país dividido e traumatizado.

Manifestantes protestam contra apoio da TV Globo à tentativa de golpe de Estado, em curso

Ser minoria no seio de famílias reacionárias exige muito autocontrole e comportamento democrático para escutar, entender suas contradições e gerenciar os conflitos. Como jornalista este exercício por vezes é útil, trata-se de um treinamento para guardar os nervos sólidos para não atrapalhar o raciocínio lógico. No calor dos trópicos às vezes derrete… Eu estava na Amazônia com um calor intenso e muita umidade…

Corrupção como estratagema de
um golpe político- mediático- judiciário

O Brasil vive um clima de ódio alimentado em permanência pelos meios de comunicação que dificulta o dialogo político e coloca em perigo a coesão nacional tão necessária para superar a crise política. A grande mídia age com parcialidade quando relata os fatos ligados à corrupção. Ela decidiu que existe um único réu culpado de corrupção no Brasil, trata-se do Partido dos Trabalhadores. A luta contra a corrupção não pode se restringir somente a um partido político, enquanto os maiores envolvidos nos escândalos de corrupção não são perseguidos, sequer mencionados, ao contrário, são protegidos. A grande mídia desinforma mais do informa, ela incentiva uma convulsão social no intuito de abrir espaço para soluções golpistas e fascistas. Um fato notório e lamentável é a cumplicidade existente entre a grande mídia e alguns membros do setor judiciário e da policia federal. Eles se retroalimentam em permanência sobre o andamento das investigações da Operação Lava-Jato, os vazamentos são seletivos e sistemáticos. Em seguida, as informações são astuciosamente comentadas pela grande imprensa e pela Rede Globo que volta à sua origem golpista (ela colaborou com a ditadura e foi aliada incondicional). Agem de modo sensacionalista sem nenhum respeito à presunção de inocência e soterram o direito de defesa. O único objetivo é a derrubada do governo Dilma e a prisão de Lula. Essa atitude de manipulação expressa da grande mídia e arbitrariedade dos setores da justiça é um atento ao estado de direito e a legalidade democrática.

O abuso de poder cometido pelo juiz Sérgio Moro ao agir como agente político e sua cumplicidade com a Rede Globoevidenciam o quanto o Judiciário está sendo utilizado como instrumento do golpe de Estado. A instância máxima da Justiça brasileira (O Supremo Tribunal Federal – STF) tem obrigação de assumir o papel para preservar a imparcialidade que a Justiça requer. Os magistrados não podem incitar a população contra quem quer que seja. Este clima de instabilidade política tem gerado controvérsia entre juristas, cientistas sociais e políticos, parlamentares e militantes partidários e associativos.

A Operação Lava-jato ao se politizar deixou de ser um avanço para ser um retrocesso na luta contra a corrupção. Qualquer investigação deve respeitar os princípios constitucionais, seguindo a regra que todos são iguais perante a lei. Não se pode politizar o judiciário, qualquer desrespeito à lei fragiliza a democracia. Com este modo de proceder alguns membros do setor judiciário e da grande mídia perderam a oportunidade de envolver a sociedade brasileira para um amplo debate sobre o tema tão arraigado ao modo de agir da maioria dos brasileiros. Seria uma excelente ocasião de combater todas as formas de praticas corruptas existente em várias camadas sociais da população. Entender o vírus da corrupção e porque ele continua enraizado na cultura do jeitinho brasileiro seria fundamental, pois o momento era ideal.

Todavia, ficou claro que o que está em jogo é a tomada de poder, o combate à corrupção não é a meta nem a preocupação dos chamados justiceiros e nem dos políticos da direita brasileira. A corrupção é apenas um pretexto com fins politiqueiros. Sabe-se que a corrupção de hoje não é maior do que a historicamente existente no país. A única diferença é que ela hoje está sendo investigada e com condenações. E isto só aconteceu nos governos petistas, o que representa uma situação inédita no Brasil e uma evidência clara que as instituições republicanas, ainda que frágeis, começam a se consolidar.

O mais trágico nesse imbróglio político-judiciário é que os presidentes da Câmara e do Senado, além de 34 integrantes da comissão do impeachment estão sendo investigados no Supremo Tribunal Federal (STF). Este fato questiona a legitimidade dos condutores do processo na ação contra a presidente Dilma. O eminente jurista brasileiro Dalmo Dallari afirma que oimpeachment está previsto na Constituição, nos artigos 85 e 86, mas estabelece exigências muito precisas, muito específicas. Se não atender a essas exigências, é golpe. No caso da presidente Dilma, as pedaladas fiscais não caracterizam crime de responsabilidade. Diz ainda que governo fraco ou ruim não é fundamento para impeachment. Pelo contrário, pode até facilitar a vida dos adversários na próxima eleição. E conclui que está sendo praticado um golpe no Brasil sem uso de armas.

Hoje, o governo é refém de conspiradores políticos denunciados por vários crimes de corrupção e sonegação de impostos, desvio de dinheiro publico etc. O mais absurdo é que são eles que querem assumir as rédeas do poder! Ao tentar mergulhar o país no caos e esmagar os direitos conquistados, a oposição assume a responsabilidade na deflagração do ódio e da violência sem limite com imprevisíveis consequências. No lugar de agir pela manutenção da paz social e o bem-estar da nação brasileira, eles alimentam o monstro que tanto mal fez a Europa, o fascismo e o nazismo. Lamentavelmente, muitos correspondentes dos jornais estrangeiros não buscam informações fora do circuito da grande mídia, hoje o maior partido de oposição ao governo e ao PT. Existem correspondentes que simplesmente copiam e traduzem diretamente as informações da grande imprensa, sem cruzar com outras fontes de informações. Por vezes sem análise política alguns correspondentes contribuem para deturpar a realidade brasileira hoje extremamente complexa.

A crise política e os erros do PT

Em primeiro lugar, não podemos negar que alguns dirigentes do Partido dos Trabalhadores cometeram erros demonstrando uma fragilidade diante do exercício do poder. Alguns se corrompem pelas facilidades nas relações que mantém com os poderes. Não se pode negar que alguns membros do PT traíram a filosofia do partido. Podemos dizer também que traíram o ideal político, o PT foi o partido que mais lutou pela democracia no Brasil e pela ética na política. O PT foi o único partido na América latina que nasceu composto de uma pluralidade de tendências políticas de esquerda, um exercício único de respeito democrático dentro de um partido. Mesmo sabendo-se que a degeneração ética da política brasileira atravessou o século XX, nada justifica o envolvimento de alguns membros do PT que se ajustaram à lógica corrupta da democracia representativa brasileira.

Estes fatos decepcionaram uma grande parte da militância petista. Tanto que muitos deles abandonaram o PT e criaram outros partidos mais radicais, considerados mais à esquerda, exemplos dos partidos de origem trotskistas como PSTU e PSOL e alguns que aderiram aos partidos de centro-esquerda como o PSB e, por último, a Rede. Entretanto, apesar de erros de conduta política não podemos negar que este partido ao chegar ao poder com a figura emblemática de Lula mudou a cara do Brasil. Por mais fragilizado que esteja hoje o PT, sua base social e eleitoral continua sendo expressiva. Talvez esta crise política possa ser benéfica para o PT se reconstruir a partir de seus erros. O Lula já praticou seu mea-culpa em varias ocasiões.

Qualquer brasileiro tem direito de ser contra o governo, de ir para as ruas para protestar, todavia, ele não pode contribuir para a destruição da nova democracia. Ninguém pode negar os esforços dos governos petistas em reforçar o estado de direito no Brasil, e de ter tentado garantir aos brasileiros melhores condições de vida.

O Brasil antes era visto como o país dos excluídos, dos miseráveis. Era o país rico entre os mais desiguais do mundo. Com os governos de Lula e no primeiro mandato de Dilma, o Brasil passou a ser visto no plano internacional como o país da inclusão social. Considerado por todas as instancias multilaterais como o país que mais lutou contra a fome e melhoria das camadas pobres em todo território nacional. Todos reconhecem os esforços dos governos petistas para melhorar o quadro das desigualdades sociais, os exemplos aos programas de distribuição de renda e de acesso aos direitos foram muitos, e isso não se apaga da historia porque a realidade está presente, basta analisar os dados comparativos, basta averiguar as estatísticas sociais e econômicas dos governos pós-ditaduras e comparar os avanços obtidos.

Outro dado importante foi o aumento de renda de todos os brasileiros, os dois governos de Lula adotaram o slogan do Brasil para todos, os ricos ficaram mais ricos e a classe média viu seu poder aquisitivo aumentar e os pobres acederam a muitos direitos até então negados e passaram a viver com mais dignidade. A miséria caiu cerca de 70% no país entre 2003 e 2012. A renda dos 10% mais pobres no Brasil avançou 106% entre 2003 e 2012. O salário mínimo teve um aumento real de 72,75%, não só recompôs as perdas sofridas pelos trabalhadores durante a década perdida de 1980 e o período neoliberal dos anos 1990 – marcado por baixo crescimento e pelas privatizações –, como garantiu o maior poder de compra de sua história. Vale ressaltar que esta iniciativa se distingue das medidas tomadas pelos governos da França e outros países europeus, tais como a Espanha, Portugal e a Grécia, no enfrentamento da crise da economia global, onde o crescimento do desemprego tem vindo acompanhado da redução dos direitos trabalhistas e sociais.
A Globo e o golpe

Talvez, sejam estes dados que incomodam a direita brasileira, que detesta os pobres, que reclama pelo fato que hoje eles viajam de férias e compartilham o mesmo avião. Que a empregada domestica negra pode ter uma filha na Universidade. Como disse o cientista político que entrevistei para o jornal Mediapart de Paris Adriano Codato: Os “pobres” (isto é, aqueles que ascenderam socialmente ao nível de consumidores) são ignorantes porque desconhecem as informações verdadeiras que só aquela classe média tradicional alega possuir sobre os políticos, sobre o funcionamento da economia, o destino dos impostos, etc.

O presidente Lula entendeu que a política é a arte do compromisso e como sindicalista soube negociar preservando interesses contraditórios. Usou de sua habilidade para seduzir, conciliar e persuadir conseguindo cumprir a meta que havia fixado em resolver os problemas sociais mais agudos da sociedade brasileira. Alguns afirmam que na área econômica, ele teve uma postura conservadora e foi reformista na área social de políticas públicas. O Presidente Lula sempre teve uma grande capacidade de falar às massas e de reconstruir pontes com os empresários, os trabalhadores assalariados e os movimentos populares. O que falta na presidenta Dilma. Esse seu jeito de ser e agir incomoda a oposição política-mediático-judiciário protagonistas da armação do golpe e pela prisão de Lula. Temem que ele possa voltar a ser presidente e dê continuidade ao processo de inclusão social e continue sua batalha por um mundo multipolar, e, por uma cooperação baseada na reciprocidade, onde cada país possa discutir em pé de igualdade o que melhor convém para seu progresso social.

Uma coisa é certa, a política desenvolvimentista baseada no crescimento econômico adotada pelos governos petistas por si só não é suficiente para reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil. Os governos petistas tiveram um bom desempenho na política social brasileira, mas, existem interpretações contraditórias quanto à sua política de desenvolvimento. A meu ver eles deveriam ter esboçado um projeto de sociedade para o Brasil a partir de uma visão holística do desenvolvimento territorial, onde todos os setores se interagem numa visão de ecossistema. Numa política desenvolvimentista, as políticas de redução da desigualdade, a pobreza diminui apenas em termos de crescimento econômico.

A economia do Brasil mostra a trajetória da concentração de renda e sublinha a responsabilidade das políticas governamentais desfavoráveis a uma partilha mais equitativa da riqueza nacional. Lula foi criticado pela sua própria ala esquerda por ter favorecido certa concentração de renda no país para as categorias mais ricas e não ter feito uma reforma tributaria para taxar as grandes fortunas que continuaram a sonegar impostos e praticar a evasão fiscal. Acreditamos que é difícil ter uma melhor divisão de renda sem sistema fiscal eficiente daí a necessidade de tornar o sistema fiscal progressivo e ter uma despesa pública mais eficaz. Todavia, nem Lula e nem Dilma ousaram a fazer verdadeiras reformas estruturais entre estas a reforma tributaria e a reforma política.

Logicamente, um governo de coligação e com um parlamento fisiológico os ganhos políticos já foram consideráveis, entretanto, não foram suficientes para reformar estruturalmente o país. Quem sabe, se o golpe não ocorrer e com a saída do heteróclito PMDB que o escritor Jorge Amado já dizia em 1992 que era um saco de gatos (Velho Novo Jornalismo de Gianni Carta-Codex, 2003), com a condenação jurídica do Presidente da Câmara o deputado Cunha, o Brasil entre em normalidade institucional. O Presidente Cunha fundamentalista evangélico possui treze contas secretas na Suíça, é acusado de licitações fraudulentas na Companhia de Habitação do Rio de Janeiro, fez uso de documentos falsos, acusado na Operação Lava-jato no esquema de desvio da Petrobras, não daria pra citar todos os processos do qual ele é acusado, todavia, sempre foi defendido e acobertado pelo seu amigo Vice Presidente da Republica, o senhor Temer, pela Rede Globo de televisão e pela revista Veja.

As elites dominantes no Brasil querem tomar as rédeas da máquina do governo para manter seus privilégios e se apropriar da riqueza nacional gerada na ausência de qualquer vontade política para melhorar a distribuição de renda em todo o país assim que as condições de vida do povo brasileiro.

Os brasileiros que saíram às ruas no dia 31 de março foram mais de 2 milhões, mas o silêncio da grande mídia foi total. Muitas que foram às ruas não aprovam o governo Dilma, todavia, todos defendem a consolidação da democracia no Brasil hoje ameaçada pelo golpe mediático–político-jurídico. A manifestação popular foi belíssima, contou com a presença de artistas, intelectuais, Ongs, movimentos sociais, sindicatos, todas as categorias sociais estavam presentes, era o Brasil multicolorido nas ruas. A jovem democracia resistirá ao golpe!

Marilza de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris.

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