domingo, 20 de novembro de 2016

Gilmar Mendes e o ninho tucano

Publicado por CdB em: 18/11/2016

Quando da indicação para o STF, Dalmo de Abreu Dallari, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirmou que a indicação de Gilmar Mendes representava um sério risco para a proteção dos direitos no Brasil

Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro

Gilmar Mendes – o mal-amado ministro do STF, indicado pelo então presidente FHC em 2002, antes, advogado-Geral da União. Atual presidente do TSE. Em 1998 fundou uma escola privada que oferece cursos de graduação e pós-graduação em Brasília. Segundo reportagem da CartaCapital esse Instituto faturou cerca de R$ 1,6 milhão em convênios com a União até 2008. Ainda segundo a reportagem, de seus dez colegas no STF, seis são professores desse Instituto, além de outras figuras importantes nos poderes executivo e judiciário. Sempre esteve e está muito próximo de Ives Gandra Martins, um expoente das letras jurídicas de extrema-direita, conservador católico, um dos primeiros brasileiros a ingressar na Opus Dei. Já por isso, Gilmar Mendes jamais poderia assumir-se ministro do STF, por ausência de idoneidade ilibada: o IDP é a ponte que o permite manter seus colegas sob rédea curta, num emaranhado de trocas de favores e negócios escusos.

Presidente do TSE, Gilmar Mendes entrou com pedido de extinção do PT

Quando da indicação de Mendes para o STF, Dalmo de Abreu Dallari, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirmou, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, que tal indicação representava um sério risco para a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Segundo ele,Mendes estaria longe de preencher os requisitos necessários para ser membro da mais alta corte do país. Dallari estranhava a afoiteza de FHC, a indicação foi noticiada antes da abertura da vaga, alertando: “Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.” É importante assinalar que enquanto alto funcionário do Executivo ele especializou-se em ‘soluções’ jurídicas no interesse do governo.Foi assessor próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito.No governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, sob uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações.

As acusações extremamente sérias não foram tomadas em consideração pelo Senado da República e assim começavam a montar o esquema que veio permitir ao PSDB o controle absoluto do Poder Judiciário. Gilmar Mendes tomou posse como Presidente do STF em 2008, tendo determinado nos autos da reclamação nº 2186, o arquivamento de duas ações de improbidade administrativa contra dois dos ex-ministros do governo: Pedro Malan e José Serra (decisão muito recentemente revista e anulada). Durante os mandatos sucessivos de Lula e Dilma Rousseff, nada, absolutamente nada foi feito para o ‘desfazimento’ do esquema. Muito ao contrário, responsáveis pela indicação de nove dos onze ministros do Supremo, Lula e Dilma, com decisões tristes, consolidaram o perfil do STF, que se tornou um tribunal assentado na vaidade e comprometimento de homens e mulheres de parcos conhecimentos jurídicos, com os mesmos interesses das elites, defendidos pelos políticos do PSDB.

A associação de Gilmar Mendes, especificamente com FHC, e com o PSDB como um todo, ficou evidente e provada em 2008, na sua ação de defesa intransigente de Daniel Dantas. Vindo de famílias baianas de relevo,Dantas, filho de grande amigo de Antônio Carlos Magalhães, não se confunde com algum arrivista de pequena categoria: formado pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas, onde se doutorou, fazendo seu pós-doutoramento no MIT, chegando a alimentar o sonho de uma carreira acadêmica. Iniciou sua carreira no Bradesco e foi um pioneiro na área dos “bancos de negócios” que proliferaram nos tempos de FHC. Tornou-se amigo de Luis Eduardo Magalhães e a partir dai, consolidou estreita relação, tornando-se seu afilhado político e principal conselheiro financeiro. Foi encarregado por ACM de negociar uma solução para o Banco Econômico com Pedro Malan e Gustavo Loyola, então presidente do Banco Central. A partir dessa ligação,criou laços com o PFL.

Para participar da privatização de empresas de telefonia o grupo Opportunity criou três fundos: um concebido para utilizar dinheiro público dos fundos de pensão das empresas estatais brasileiras (Previ, Petros e Funcef); um estrangeiro, criado nas Ilhas Cayman, a ser capitalizado com founding do Citibank; e um terceiro, o Opportunity Fund, criado também nas Ilhas Cayman, sob o comando do próprio Opportunity, ao abrigo do “Anexo IV” do Banco Central do Brasil que, legalmente, só poderia ser utilizado por investidores não residentes no Brasil. Para coordenar essas operações Dantas convidara Pérsio Arida ex-presidente do Banco Central no governo FHC para associar-se ao Opportunity. Arida facilitaria o acesso aos então homens-chave na privatização: o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e André Lara Resende, então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O Opportunity contratou ainda a então namorada de Arida, a economista Elena Landau, que comandara, na qualidade de diretora de desestatização do BNDES, as primeiras privatizações ocorridas no início do governo FHC.

A Polícia Federal prendeu de forma temporária, no dia 8 de julho de 2008, o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Naji Nahas na operação denominada Satiagraha, que começou a investigar desdobramentos do caso mensalão, mas que se extenderia à época da privatização do sistema Telebrás. Além de Daniel Dantas, foram presos: sua irmã Verônica e seu ex-cunhado e dirigente do Opportunity, Carlos Rodenburg, o diretor Arthur de Carvalho, o presidente e controlador do Banco Opportunity, Dório Ferman, a diretora jurídica Daniele Silbergleid Ninio; a economista Maria Amália Coutrim e que trabalhava há mais de dez anos com Dantas; Itamar Benigno, também diretor do banco e Norberto Tomaz, e o ex-diretor Rodrigo Bhering, além do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta.
Gilmar Mendes, com apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, decidindo pela necessidade da aplicação do princípio do contraditório em todo o período da persecução penal e inclusive na investigação, deferiu no dia 9 de julho de 2008 Habeas Corpus a Daniel Dantas permitindo o acesso aos processos e sua liberação temporária do cárcere. A despeito do Habeas Corpus, no dia seguinte, o Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, Fausto de Sanctis, determinou nova prisão preventiva com novos argumentos. Em nova decisão, em 11 de julho de 2008, Gilmar Mendes suspendeu os efeitos desta segunda prisão preventiva, sob o entendimento de que sua fundamentação não se configurava suficiente para justificar a restrição do direito de ir e vir do banqueiro. Mendes também argumentou que esta segunda prisão fora articulada por setores da polícia federal em conluio com o Ministério Público e a Justiça Federal para desmoralizar o STF.

O resultado prático dessa operação foi o afastamento, determinado pela cúpula da Polícia Federal, dos três delegados incumbidos das investigações e a instauração de inquérito administrativo contra o juiz Fausto de Sanctis por ordem do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. . Mendes foi alvo de violentas reações contrárias à sua atuação. 134 juízes federais da Magistratura Federal da Terceira Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) divulgaram carta de apoio ao juiz federal da 6ª Vara, Fausto Martin de Sanctis e demonstraram sua “indignação com a atitude” de Gilmar Mendes. Mais do que tudo isso: o resultado das iniciativas de Gilmar Mendes, pondo a salvo não apenas Daniel Dantas, mas toda quadrilha que processou o programa de privatizações, a começar do chefe de todos os chefes, com uma decisão praticamente unânime do Tribunal, provocou a sua falência moral, dez ministros submetendo-se às vontades de Gilmar Mendes, que, por narcisismo, deixou sempre claro seu total desprezo pelos demais ministros (ele dorme durante as reuniões, ausenta-se ostensivamente, diz palavras agressivas, não disfarça o enfado que o cerimonial pomposo das palavras ocas lhe provocam.

As decisões ostensiva e grosseiramente equivocadas, como se a Gilmar Mendes coubesse de fato a missão abjecta desmoralização da Justiça brasileira, foram se repetindo. Em 23 de dezembro de 2009, Gilmar Mendes, na época presidente do Supremo Tribunal Federal, concedeu habeas corpus que revogava a prisão preventiva do médico Roger Abdelmassih acusado por 56 crimes sexuais. Como consequência, o médico permaneceu foragido até o ano de 2014, quando suas vítimas mobilizaram-se e conseguiram encontrá-lo no Paraguai. Para o ministro Gilmar Mendes, como o Conselho Regional de Medicina suspendeu o registro profissional do médico, não haveria possibilidade de reiteração dos supostos abusos sobre clientes, e por isso, não seria necessária a prisão provisória. “A prisão preventiva releva, na verdade, mero intento de antecipação de pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico”. Com a repercussão do polêmico ato de Mendes, diversas vítimas Abdelmassih publicaram moções de repúdio, concederam entrevistas, organizaram abaixo-assinados. Uma delas, Vanuzia Leite Lopes, em entrevista chegou a declarar: “O maior estupro foi feito por Gilmar Mendes”.

Pronunciado-se contrário à Lei da Ficha Limpa, rotulando-a de “barbárie da barbárie”, Gilmar Mendes, ao julgar a sua validade para as eleições de 2010, comparou-a às leis do período nazista, afirmando que “o povo não é soberano na democracias constitucionais”. Ao ouvirem calados, os dez outros ministros aceitaram-se prostitutos. A declaração de inconstitucionalidade do financiamento de campanhas políticas por empresas, já praticamente aprovada, foi sustada pelo pedido de vistas ao pocesso por parte de Mendes, e assim ficou à margem por ano e meio. Endossando o autoritarismo do juiz Sérgio Moro, Gilmar Mendes, em tese um professor de Direito, votou pela prisão para os condenados em segunda instância. Para ele: ““Uma coisa é termos alguém como investigado. Outra coisa é termos alguém como denunciado. Outra coisa é ter alguém com condenação. E agora com condenação em segundo grau. O sistema estabelece uma progressiva derruição da ideia de presunção de inocência”. Sabedor de seu poder sobre as decisões do Poder Judiciário, Gilmar Mendes permite-se derrubar um princípio universal do Direito: ele substitui a “presunção de inocência” pela “presunção da culpa”, formalizando a indecência dos crimes que foram praticados por Joaquim Barbosa.

Foi de Mendes, por exemplo, a façanha de, 24 horas após autorizar a abertura de inquérito envolvendo Aécio Neves, suspender a coleta de contra o tucano, autorizando a reabertura do processo apenas três semanas depois . Ele também criticou o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, quando do vazamento dos pedidos de prisão contra os figurões do PMDB, entre eles os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá (OESP, 06.06.2016). Uma crítica que lhe rendeu notas públicas da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e manifestações contrárias de vários promotores. A cada dia, mais seguro de si mesmo, o ministro Gilmar Mendes foi se permitindo deboches sempre maiores: agora, ele será a estrela do 2º Congresso Nacional do Movimento Brasil Livre (MBL) entre os dias 19 e 20 de novembro, em São Paulo. O MBL promoveu manifestações autodenominadas apartidárias contra a ex-presidente Dilma Rousseff a partir de 2013, mas pretende formar um partido para concorrer nas eleições. Além do presidente do TSE, do ministro da Educação e da autora do impeachment, o evento partidário terá as participações do prefeito eleito de São Paulo, João Doria, o humorista Cláudio Manoel e o colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo, além de figuras conhecidas do MLB, como Kim Kataguirgiai.

Gilmar Mendes vai montando a sua estratégia política, sabedor de que manda e desmanda no Supremo Tribunal Federal, posto de vez como triste “gaiola das loucas pedantemente ridículas”. Terá que desempenhar seu papel com engenho e arte. Os esforços para livrar Aécio Neves vêm exigindo alta performance: ele foi delatado por Alberto Youssef (UOL, 25.08.2015), Carlos Alexandre de Souza Rocha (OGLOBO, 30.12.2015), Fernando Moura (FSP, 03.02.2016), Delcídio do Amaral (OESP, 15.03.2016), Sérgio Machado (FSP, 15.06.2016) e Leo Pinheiro (FSP, 27.08.2016). Com bom trânsito entre os golpistas, Mendes vem criticando com frequência os abusos da Lava Jato. Vale destacar suas críticas contra Moro. “Você não combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ´ó do borogodó´. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia! Calcem as sandálias da humildade!” disse em agosto. Mas as críticas são convenientemente temperadas: “A Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas. Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância”. Quanto à ação do Ministério Público porém não cabem meias-palavras: “É uma visão ingênua. É aquela coisa de delírio. Veja as dez propostas que apresentaram. Uma delas diz que a prova ilícita feita de boa-fé deve ser validade. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de um sistema. É um cretino absoluto” (OGLOBO, 23.08.2016).

Em que pesem seus poderes imperiais, os que permitem que seja lembrado como um “Napoleão dos Trópicos”, está bastante longe de uma unanimidade nacional. Renomados juristas brasileiros, como Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato, também, já encabeçaram um documento pelo impeachment de Mendes, quando destacam que: “no exercício de suas funções judicantes, (Gilmar Mendes) tem-se mostrado extremamente leniente com relação a casos de interesse do PSDB e de seus filiados, tanto quanto extremamente rigoroso no julgamento de casos de interesse do Partido dos Trabalhadores e de seus filiados, não escondendo sua simpatia por aqueles e sua ojeriza por estes”.

Gilmar Mendes vai se fazendo despudorado, embora tenha cautela em alguns passos. Seu alinhamento com o PSDB e FHC não é disfarçado; ele é claro e incisivo. Implica na defesa intransigente dos pontos fundamentais do neoliberalismo hoje descarado dos antigos social-democratas. Não só justifica aquilo sobre o que é totalmente analfabeto, a política econômica de submissão ao sistema financeiro internacional; ou a nova forma de relacionamento internacional do troglodita Jose Serra; e ainda os programas sociais implantados pelo PT. Ele emite seus palpites infelizes sobre as relações de trabalho, defendendo o “pactuado” sobre o “legislado” e afirmando que vigora no Tribunal Superior do Trabalho, “um ativismo um tanto ingênuo, um sentimento de intervencionismo nas relações do trabalho talvez exagerado.O TST é na maioria formado por pessoal que poderia integrar até um tribunal da Antiga União Soviética”.

Não há dúvidas que 2017 será um ano decisivo na disputa entre os golpistas. A onipresença de Mendes nos meios de comunicação, embora não confirme sua candidatura ao cargo, faz pensar. Ele faz questão de lembrar: “Convivo com isso com naturalidade. Há uma falta de institucionalidade no país, de pessoas que cumpram a função de fazer as críticas adequadas. Os parlamentares temem criticar juízes porque amanhã estarão submetidos a um deles. Não falam sobre o Ministério Público nem sobre a Ordem dos Advogados. É razoável que alguém que não tenha que ter esse tipo de reverência possa falar e apontar rumos. Alguém que tenha responsabilidade institucional, que passou pela presidência do Supremo, que não deve ser um idiota e que não tem medo de críticas”.

O que sabemos à saciedade: dominando o Poder Judiciário,Mendes tem hoje em suas mãos o Congresso Nacional, a começar do Presidente do Senado, Renan Calheiros. Deputados, senadores, caciques dos grandes, médios e pequenos partidos políticos, toda essa gente só será libertada do risco da punição, encaminhada aos presídios, caso receba a anistia que só poderão sair de suas mãos. Só ele terá força suficiente para disciplinar a ação caótica do “lava jato” do juiz Sérgio Moro. Não por acaso o Imperador curitibano entende-se muito bem com a ministra Rosa Weber. Não por mera coincidência, a presidente do STF, Cármen Lúcia, forma um par com o companheiro Gilmar, ambos indo a visita a Michel Temer, acompanhados de FHC. Não por mero acaso, Cármen Lúcia divulga suas preocupações sociais, visitando penitenciárias e expressando-se sobre temas que extravasam os limites de competência do Judiciário. Carmén Lúcia será vaidosa? A ela agradará ser a Presidente que substitui a Presidenta e pacificará o Brasil? Gilmar Mendes não pretende ser desgastado com críticas, disputas, maledicências. Afinal, ele sabe muito bem o que é ser a eminência parda. Michel Temer, FHC, quem quer que seja, só enquanto beijar-lhe as mãos.

Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil.

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