domingo, 1 de maio de 2016

Ziraldo: ‘Dilma é uma fortaleza’


“Se cassarem Dilma, ela vai passar para a história como a Joana d’Arc, vai ser uma das maiores heroínas da história recente do Brasil”. Foto: Blog do Planalto

Em entrevista ao Blog do Planalto, nesta sexta-feira (1), o cartunista Ziraldo analisa o atual momento político no Brasil, traça paralelos entre o período da ditadura e enaltece a força da presidenta Dilma, que segundo ele, está sendo “atacada e perseguida”. Para Ziraldo, os mesmos atores que apoiaram o regime militar são os que defendem hoje o impeachement.

Ziraldo, você já viveu outros momentos parecidos com o atual, de grande agitação política. O que você está vendo agora, você já viu acontecer antes, do mesmo jeito?

Olha, a história política do Brasil, ao longo da minha vida, sofreu muitas alterações mas todas fáceis de identificar pela coerência delas. Eu fiz 18 anos em 1950 e eu comecei a viver adulto toda a metade do século 20, e venho vivendo observando o que está acontecendo muito atentamente por causa da natureza do meu trabalho de chargista e tudo mais. Depois, durante a ditadura, eu e os meus amigos fizemos um jornal, que se chamava Pasquim. Então o que eu digo é o seguinte, foi o que eu falei ontem lá no palanque da nossa manifestação, dessa data da década de 50, na morte do Getúlio, eu intuitivamente escolhi o lado que eu achava que era o lado certo da história. Eu vou permanecer ao lado do lado certo da história. Quer dizer, é uma convenção para mim. E vim coerentemente sempre desse lado. Às vezes me desesperando, às vezes cometendo erros, mas na essência eu mantive esse lado o tempo todo. E prestei atenção no outro lado que era exatamente o inverso do que eu pensava do Brasil, do que eu queria no Brasil, esse negócio todo. Então esse pessoal do outro lado eu conheço tanto quanto o pessoal do meu lado. Eu vim observando a vida deles e fiquei atento esse tempo todo, 50 anos mais 16, 66 anos que eu estou prestando atenção na história do Brasil e identificando esses dois lados. Então, nesse momento, eu chego aqui e fica claro para mim, eu percebo que os dois lados continuam os mesmos. E quem está querendo o impeachment da Dilma é o outro lado, o outro lado que eu venho observando. Não é o lado que eu venho achando que é o certo da história, são as mesmas figuras. Não são só as mesma circunstâncias não, são as circunstâncias que querem esse impeachment e são os mesmos atores. Eu acho que para continuar a viver com coerência eu tenho que me comprometer como eu sempre me comprometi. Eu estou aqui por um compromisso comigo mesmo. Não quero dar opinião sobre as coisas porque são muito controversas. Eu não estou querendo defender minha posição, estou só explicando qual é minha posição. Eu acho que eu continuo do lado certo da história e estou observando os caras que não considero no lado certo da história, e eles estão aí, são os mesmo atores e são as mesmas circunstâncias.

Os motivos também se repetem, o motivo dessa divisão que a gente vê nas ruas do País são os mesmos?

Isso é fácil. Você pega as manifestações desde que eu entrei na dança, em 1950, é a mesma coisa, mataram o Getúlio, o Getúlio se suicidou. Quem matou o Getúlio? A carta dele explica lá qual é o lado. Apesar de ser uma ditadura ele tinha mudado a história do Brasil completamente e estava no poder eleito, ele não era mais ditador. Depois vem o golpe militar, é fácil ver qual é que era o meu lado, qual é o lado que eu não estava. Eu estava atuando no lado que eu achava certo, fazer minha revistinha do Saci Pererê, atuando politicamente. Depois, assim que a ditadura se manifestou concretamente, eu e meus amigos fundamos o Pasquim. Eu acho que o Pasquim estava do lado certo da história. Eu acompanhei toda a trajetória política do Lula e eu achei que a gente tinha avançado muito na eleição que tinha o Lula de um lado e o Fernando Henrique do outro. Eu falei: ‘puxa vida, batalhar como a gente lutou para ter essas duas pessoas como candidatos. Nunca houve uma dupla tão sensacional no mundo’. Mas depois as circunstâncias me provaram que não era bem assim. Um foi para o meu lado e o outro foi para o outro lado, está aí junto com eles. Então a história é essa. Isso deixou meu lado muito magoado. Está cheio de gente que eu esperava que permanecesse do meu lado e que está nessa jogada aí. Eu tenho pouco tempo de atuação política, estou com 84 anos, acho que depois dos 90 anos você não vai ter nem disposição para discutir. Mas enquanto eu tiver, como diria o Camões: ‘Enquanto houver engenho e arte, eu vou estar em toda parte lutando pelo que eu acredito’. Estou aqui por que eu creio que o lado certo não aceita essa coisa do impeachment, por que tem outra coisa: a República só conhece um fenômeno único na história da República no Brasil, que foi o impeachment do Collor. Então, olha, demorou mais de meio século para a República tomar essa medida drástica, profunda e que exigia muita conversa, muito debate, para poder ela ser tomada, porque era inédita. Agora, poucos anos depois, eles vão inventar impeachment de novo? O que é isso cara? Impeachment não é fácil assim não, tem que ter muita justificativa, muita prova, não é uma coisa açodada. E eu gosto de contar também outro fenômeno único na história da República, coisa que nem a ditadura militar fez, que foi mudar a Constituição para eleger o presidente que está no poder, para reeleger. Isto é a maior ofensa que a República sofreu. Nem os ditadores tiveram coragem de se manter no poder estando no poder. Esses dois fenômenos não podem se repetir, esse impeachment não pode ser tão fácil. Então eu acho que a gente tem que estar muito atento e dizer: sem uma grande discussão, profunda, sem ouvir o povo, quer dizer, se ouvir o povo até que iam discutir um pouco, porque manifestação popular é perigosa. O pessoal que quer o impeachment está orgulhoso por que botou 6 milhões, 7 milhões de pessoas na rua. Mas simultaneamente a TV Globo botou 102 milhões de eleitores no BBB. Então você não pode confiar nessa manifestação popular. Então a gente tem que ter, se você é eleito para representar o povo, tem que ter a responsabilidade que te deram. 

Acha que estão tratando de modo frívolo a democracia e os direitos sociais que foram alcançados nos últimos anos com Lula, com Dilma?

Eu falei da minha felicidade de a eleição estar com o Fernando Henrique e o Lula, quer dizer, nunca na minha época houve uma eleição que dois adversários fossem tão qualificados. A única liderança criada durante a ditadura e o pensador brasileiro que todo mundo respeitava. Não são dois frívolos, eram duas pessoas muito categorizadas. E eu acho que o que a gente avançou, se consolidou no governo do Lula. Porque primeiro o Fernando Henrique, não se pode negar, ele deu uma organizada no poder. E deixou uma herança a ser aperfeiçoada, que o Lula aperfeiçoou. Um metalúrgico aperfeiçoou. E foi o primeiro presidente que assumiu o poder no Brasil que não achava que o anterior era terra arrasada ‘e vou começar…’ Todo mundo começou da estaca zero. O Lula, que é um dos fenômenos mais fantásticos da história do Brasil, compreendeu que ele precisava, ao assumir o poder, entender tudo o que está acontecendo. E teve a humildade de dizer: ‘eu não entendo tudo, eu sei como manejar, mas eu preciso saber quem é que entende de economia. E aí fez aquela brincadeirinha de trazer o Delfim para poder orientar ele e buscar o [Henrique] Meirelles. Quer dizer, isso é de um talento absurdo. E aí ele fez depois do Juscelino [Kubitschek], por outros motivos, ele fez o melhor governo da história política do Brasil, principalmente dos que eu pude acompanhar, porque foi o primeiro governo voltado para o povo, voltado realmente para o povo. Quando ele entregou o governo para a Dilma os nordestinos estavam voltando para o Nordeste. Eu estive lá, acompanhei tudo, tinha gente que nunca tinha visto uma nota de [R$] 100 nunca tinha comido um pão. Então a história é essa, é a história que vai ser contada.

E o impeachment?

Se cassarem ela, ela vai passar para a história como a Joana d’Arc, ela vai ser uma das maiores heroínas da história recente do Brasil. Eles não perdem por esperar. Eu não vou ver, mas pode escrever. Agora eu acho, nesse momento, que não vai ser fácil assim cassar ela não. Apesar desse açodamento – é uma coisa de uma leviandade danada -, provar que é legal, que é legal todo mundo sabe, está na Constituição. Mas não é legítimo. Faltam muitas circunstâncias para você usar essa legalidade, não é fácil assim não. Eu tenho esperança, eu acredito muito no futuro do Brasil. Eu passei a vida inteira pacientemente esperando isso e acho que a gente teve vários momentos ‘agora o Brasil mudou’. Quando cassaram o Collor, agora não vai ser fácil. Agora a gente está cheio de esperança, porque é o primeiro governo que não interferiu nos outros poderes. Por que as empreiteiras ficaram com essa folga? Porque ninguém ousava mexer com eles, por que o presidente ajeitava logo, rapidamente. Não vem dizer que não ajeitava não, por que não pegaram eles? E hoje vai ser difícil a gente parar de condenar poderoso. Mas se a gente perder essa liderança, eles vão voltar todos do mesmo jeito, mas a luta é essa.

Por que o governo Dilma deve continuar?

Eu não tenho partido. Não tenho nem nunca tive, eu não sou filiado a partido nenhum. Mas a gente, o meu lado tem que começar tudo da estaca zero. O PMDB tem um slogan: “A luta continua”. Aquele slogan foi eu que desenhei, o partido não ia chamar PMDB. Eu também interferi nisso, conversando com o Ulisses [Guimarães], com o Tancredo. Porque o negócio é o seguinte: quando a gente tirou o PMDB, a luta ia continuar, então eu falei: vamos botar “a luta continua”. Agora, nós não podemos usar esse slogan porque o PMDB provou que a luta não continua. Abandonaram o barco como os ratos fazem quando o navio afunda. Mamaram a vida inteira no poder, na hora que precisou dele mesmo, todo mundo saiu. Agora tem que ver, nem todo mundo saiu. O PT sempre foi uma mãe com o coração aberto para todo mundo, cada um com seu propósito. Agora as coisas ficaram mais claras, ficou provado que eles não prestam para nada, porque agora que era a hora da luta, de dar uma arrumada no País, eles fazem um papel desse? Então nós vamos ver, tem muitas circunstâncias novas para a gente saber o que vai acontecer. Não tem ninguém, não tem futurólogo nenhum aí que pode dizer. Eu espero que, como a história do Brasil foi feita para dar certo – que esse país historicamente não era para dar certo. É só ler os livros do Laurentino Gomes para a gente ver que não era para dar certo. E misteriosamente a gente está entre as doze, treze nações mais importantes do mundo, mais poderosas do mundo, mais respeitadas do mundo, apesar desse… É só ler ‘El País’ que você fica orgulhoso de ser brasileiro, porque a paixão deles pelo Brasil e pelo Lula é uma alegria. Então vamos ver o que acontece. Eu tenho muita esperança. O único defeito é eu estar com 84 anos e ver os resultados desse embate, vai ser difícil. E como eu acho que não dá para observar lá do infinito, eu espero que meus filhos usufruam esse país melhor. Você falou de a Dilma estar sendo atacada, estar sendo perseguida, inclusive, por ela ser mulher.

Como é que ela está reagindo a isso?

Eu estive com ela ontem, foi uma audiência informal. Eu fui conversar com ela e tive uma surpresa imensa. Ela é realmente uma fortaleza. O Lula está muito mais atordoado do que ela. Foi uma conversa muito saudável e a gente falou da viagem a Bulgária, que foi um momento muito feliz no governo dela, porque a Bulgária estava orgulhosa dela. O desfile que a gente fez do aeroporto até o palácio foi de carro aberto e a multidão estava na calçada, Sófia inteira: “Dilma, Dilma!” E a pronúncia direito, “Dilma, Dilma”. ‘Eu devo estar em Belo Horizonte’. Foi uma coisa emocionante. Então a conversa foi essa, eu fiquei encantado.

Uma palavra de apoio a ela:

Tem um livro do Rubem Braga que o título é “Uma brava mulher”. Outro dia eu li um negócio do Clóvis Rossi, eu fiquei muito preocupado. O sujeito que se refere a qualquer mulher do mundo com os adjetivos que ele usou, eu começo a duvidar um pouco dele. Isso não é conversa de homem. Nenhum homem pode ser tão indelicado com uma mulher dessa maneira. Então é o seguinte: tem uma coisa qualquer, uma forma de sentimento que não é bem inveja, mas que é uma falta de respeito, ninguém, meu Deus do céu, pode dizer uma má palavra para uma mulher com a biografia da Dilma. Aquela foto dela no julgamento que os juízes estão todos lá no fundo, um com a mão na cara, outro assim é emblemática. Ela é aquela pessoa que está ali. E ela é essa mulher que eu vi no gabinete enfrentando isso e lembrando a viagem que ela fez. Uma conversa em que ela dava exemplos de figuras do Proust. Daí você vai conversar literatura com ela, você vai levar um susto. Então ninguém vê a Dilma como ser humano, acham que ela é um motor. Ela é um ser humano fantástico! Por isso que naquela cerimônia lá no Rio – que estava o Niemeyer, estava o Chico, estava o Frei Betto, o Leonardo Boff, estava todo mundo -, quando eu fui chamado eu disse assim: “eu amo a Dilma”. Eu não teria ido com ela para a Bulgária, não. Eu acho que ela me chamou para ir porque eu disse que amava ela. Ela é uma figura histórica desse País. Ela vai passar para a história como uma figura inapagável da história brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.