terça-feira, 14 de agosto de 2012

Folha é condenada por interpretação errada de decisão

Por Alessandro Cristo
Do Consultor Jurídico
Uma coisa é a mera exposição objetiva, ainda que em tom crítico, dos fatos reais. Muito diferente, porém, é a atribuição indevida a alguém de palavras e juízos de valor que implicam imputação de crime. Principalmente quando esse “alguém” é um juiz. O entendimento é da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou a favor de Apelação de delegado contra a Empresa Folha da Manhã S/A, que publica o jornal Folha de S.Paulo, e os jornalistas André Caramante e Rogério Pagnan.

O delegado Luis Augusto Castilho Storini ajuizou ação pedindo indenização por danos morais devido a reportagens do jornal que, segundo ele, divulgaram informações falsas e difamatórias e usaram indevidamente sua imagem (Leia as reportagens abaixo). Ele afirmou terem sido atribuídas, pelaFolha, à juíza que conduziu a instrução do processo “falsas afirmações e juízos de valor”. Nesta quinta (9/8), o tribunal reverteu decisão de primeiro grau e condenou os réus a pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais.

Storini foi representado pelo advogado Ronaldo Tovani. A Folha foi defendida pela advogada Mônica Filgueiras da Silva Galvão.

As reportagens foram publicadas nos dias 14 e 21 de agosto de 2009, e em 24 de janeiro de 2010. As duas primeiras tiveram os títulos: “Acusados de fraude na saúde ‘somem’ de investigação” e “Sumiço de nomes em investigação é apurado”. Na terceira, o delegado aparece em fotografia com a legenda “alguns exemplos de (delegados) afastados ou investigados na polícia de SP”.

Titular da Unidade de Inteligência do Departamento de Polícia Judiciária da capital paulista, o delegado Storini foi o responsável pela operação Parasitas, que em 2008 investigou irregularidades na Secretaria estadual da Saúde. A Polícia Civil chegou a prender cinco acusados de fraudar licitações em hospitais públicos da Prefeitura de São Paulo e do governo do estado, e de outros 29 municípios no Rio, Minas Gerais e Goiás.

Segundo as reportagens, o delegado teria favorecido as empresas Embramed e Halex Istar, investigadas na operação. Notícia publicada no dia 14 de agosto de 2009 afirmou que, segundo o Ministério Público, as duas empresas seriam alvo de inquéritos sob responsabilidade do delegado, mas que certidões obtidas pelo jornal confirmavam que as empresas não eram investigadas. Na denúncia apresentada à Justiça, segundo a Folha, foram acusadas 13 pessoas e seis pequenas empresas, mas não as consideradas “peças-chave” no suposto esquema.

No dia 21 de agosto de 2009, a Folha publicou texto em que informava a abertura de investigação contra o delegado, e citou trecho da decisão da juíza da 2ª Vara Criminal Daniela Martins de Castro Mariani Cavallanti, que, segundo o texto, considerou anormal a "ausência de indicação expressa dos nomes das empresas e seus sócios". Ainda segundo o jornal, documentos sobre o “sumiço” das empresas foram entregues ao então procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, ao então delegado-geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto, e à então corregedora da Polícia Civil, Maria Inês Trefiglio Valente, que abriram investigação contra o delegado.

Para o relator do caso, desembargador Alexandre Lazzarini, a primeira reportagem não violou os direitos de personalidade do delegado, por haver simples exposição de fatos, “ainda que de forma crítica, o que não ultrapassa o mero exercício da atividade jornalística”, disse em seu voto. “A reportagem teve a preocupação de abrir espaço, permitindo ao ora apelante que se manifestasse a respeito dos fatos.”

Já na segunda reportagem, para o relator, os jornalistas não tiveram o mesmo cuidado, uma vez que a notícia, segundo ele, “extrapola o direito de crítica, com a utilização de informações incorretas e juízos de valor falsamente imputados à magistrada condutora do processo crime”. Em informações enviadas à 6ª Câmara, a juíza Daniela Cavallanti “esclareceu que não concedeu qualquer entrevista aos corréus, bem como não autorizou a publicação de decisão”, afirma o desembargador em seu voto. Ele diz que a juíza não reconheceu as opiniões expressadas na reportagem.

“Tal reportagem, portanto, ultrapassa os limites da função jornalística, que é de informar à coletividade fatos e acontecimentos, de maneira objetiva, sem alteração da verdade, resvalando nos direitos de personalidade do autor”, disse o desembargador. “Mais grave do que a divulgação de fatos inverídicos, é a atribuição à autoridade julgadora de falsos juízos de valor, sendo evidente, em tal caso, o potencial lesivo da conduta (…), diante do imenso número de leitores do periódico de grande circulação.”

Lazzarini considerou abusiva também a publicação de foto do delegado para ilustrar reportagem sobre delegados investigados. “A divulgação da imagem e do nome do apelante, em destaque, em reportagem que, embora trate de delegados afastados ou investigados, não indica todos os profissionais que se enquadram em tal situação, implica exposição pública desnecessária e atentatória à honra e imagem”, escreveu. Para ele, mesmo que seja verídico o fato de o delegado ser investigado, a exposição causou “desgaste moral e psicológico”.

No entanto, a Câmara rejeitou o pedido de publicação da íntegra da decisão pelo jornal, uma vez que a regra que previa esse tipo de medida, a Lei de Imprensa, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo Lazzarini, a publicação da sentença nada tem a ver com o direito de resposta previsto no artigo 58 da Lei 9.504/1997, a Lei das Eleições.

A Folha, por sua vez, pediu a manutenção da sentença de primeiro grau, da 19ª Vara Cível da capital paulista, que negou a ação entendendo ter havido exercício regular da atividade jornalística. Pediu também a condenação do delegado por litigância de má-fé e que fossem riscadas expressões injuriosas da petição no recurso. Ambos os pedidos foram negados.

Participaram do julgamento os desembargadores Vito Guglielmi e Percival Nogueira, que seguiram o voto do relator.

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