domingo, 29 de abril de 2012

Agora técnico, Ricardinho luta contra 'sistema' e busca atletas esclarecidos

29/04/2012 07h05 - Atualizado em 29/04/2012 11h34
'Já vi muita desonestidade no futebol', diz o ex-meia, que foi chamado de 'traíra' na época de Corinthians e hoje tem a missão de reerguer o Paraná

Por Alexandre Lozetti Curitiba



Ricardinho virou treinador de um dia para o outro. Literalmente. O meia, de 35 anos, surpreendeu a todos quando, no último 17 de janeiro, rescindiu seu contrato com o Bahia e pendurou as chuteiras para, no dia seguinte, assumir o comando do Paraná, onde iniciara também a carreira de atleta.

E é inegável que Ricardinho foi corajoso. Desafios não faltam na nova função. Em 2012, o Paraná vai disputar a segunda divisão do Paranaense e do Brasileirão. Tem um time cujo atleta mais velho é o capitão Alex Bruno, de 29 anos. Com essa equipe, terá de vencer o Palmeiras por dois gols de diferença na Arena Barueri para avançar às quartas de final da Copa do Brasil. As missões do novo chefe não param por aí.

Ricardinho recebeu o GLOBOESPORTE.COM em Curitiba e afirmou: “Já vi muita desonestidade no futebol”. Ele sabe o que está falando. No Corinthians, foi acusado de traíra por entregar companheiros aos dirigentes. No São Paulo, seu alto salário virou motivo de picuinha. Mas o agora treinador nega todas as versões e “culpa” o fato de ser "mais esclarecido" do que os demais pelos rótulos que ganhou na carreira. Agora técnico, quer se cercar de atletas com mais voz ativa e que mostrem responsabilidade.

- Não vou ficar correndo atrás de jogador. Se ele for direito, terá sempre meu crédito. Se não for, o sistema tira - diz.

Com respaldo da torcida, que tem enchido o estádio, e apoio da diretoria, ele promete voltar a fazer o Paraná revelar jogadores e figurar entre os grandes clubes do país. E até o cabelo, pintado desde 2004, vai voltar a ganhar tons grisalhos.


Sua transformação de jogador em técnico foi muito rápida. Como e por que aconteceu?
Estava de férias e, numa pelada em Curitiba, o Marcelo Lipatin, meu amigo de infância que virou agente Fifa (hoje é empresário de Ricardinho), falou: “Acho que está na hora de você assumir o Paraná”. E eu respondi: “Você está louco!”. Ele estava mesmo. Agora nem tanto (risos). Eu ainda era jogador do Bahia. Depois ele me propôs um encontro com a diretoria do Paraná. Comecei a ponderar. O que eu poderia ganhar como atleta jogando mais um ou dois anos? E o que poderia agregar ao Paraná neste momento de queda para a segunda divisão do Paranaense, com meu conhecimento, empatia e respeito com o torcedor? Vi que havia fundamento naquela ideia maluca.

Para quem já foi sinônimo de títulos, foi difícil passar essa última etapa da carreira de jogador em times piores, sem ambição de conquistas?
Isso me fez refletir. Não é fácil para quem sempre disputou títulos estaduais, nacionais e internacionais, de repente fugir do rebaixamento (no Atlético-MG, em 2010). Entendi que nossa realidade era essa, tive de me equilibrar, sem revolta. Tomara que eu nunca viva isso como treinador, mas se tiver uma dificuldade parecida, terei experiência para conduzir. Não vou perder a sensibilidade de jogador porque é importante para tomar decisões, observar, ter o feeling do momento. É um ponto que não vou deixar de forma nenhuma.

Você fez alguma exigência ao Paraná para assumir?
Treinar na Vila Olímpica, porque tem estrutura ótima, dois campos, vestiários, academia, alimentação, espaço físico. Mas estava abandonada. Antes, (o time) treinava na Vila Capanema, no campo de jogo, que ficava em más condições. E (exigi) também retomar a base, que tinha parceria com dois empresários. O Paraná é um clube formador, não consumidor, e não conseguia mais revelar. Era preciso autonomia e profissionais capacitados. Na base, investimento tem de ser em educadores, que se envolvam no passe, chute, domínio, posicionamento. Temos de ter titulares vindos da base. Vai demorar um ou dois anos, mas o Paraná vai voltar a revelar jogadores compatíveis com a grandeza do clube.
Ricardinho diz que já viu 'muita desonestidade' no futebol (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)

E você vai estar no clube ao longo de todo esse período?
Meu compromisso, a princípio, é até o fim do ano. Quero desenvolver um trabalho com jogadores que vão acertar, errar, se assustar, se destacar. Vamos precisar de um grupo grande porque disputaremos as duas Séries B (do Paranaense e do Brasileiro), e a prioridade será o próximo jogo. Não vou ficar aqui para sempre, mas quando sair, daqui a um, dois ou três anos, quero deixar uma situação encaminhada.
É mais fácil você aceitar o sistema, mesmo errado, do que apontar ou tentar discutir para corrigir"
Ricardinho

Conversou com algum técnico para pedir conselhos?
Encontrei com o Marcelo Oliveira, técnico do Coritiba. Conversei com o Oswaldo (de Oliveira, técnico do Botafogo), Caio Júnior, Felipão, Parreira, que estimo muito, Paulo Autuori, que foi meu técnico no Catar e é um baita profissional. O treinador tem suas convicções, mas é um aprendizado constante. O importante é ter boas referências. Trabalhei com quase todos os melhores treinadores do Brasil. Quando me perguntam se não me preparei para ser técnico, digo que fiz o curso na prática.

Após a derrota para o Palmeiras você disse ser um péssimo perdedor. Mas não o vi alterar o tom de voz ou procurar desculpas. Como extravasa essa raiva pela derrota?
Sou péssimo perdedor porque gosto de ganhar. Desde pequeno aprendi que o futebol só tem espaço para o vencedor. Um grande trabalho até é reconhecido, mas só se consolida com a conquista. Eu não queria perder treino coletivo, joguinho de botão para meu irmão. Extravaso conversando com pessoas em quem confio, ficando nervoso quando é preciso. A derrota serve para crescer e assimilar erros. E trocar isso com o grupo, com honestidade, por mais que essa palavra seja difícil no futebol.
Rcardinho foi acusado de ser 'traíra' no Corinthians (Foto: agência Gazeta Press)

Você viu muita desonestidade no futebol?
Vi. Muita. Desonestidade e dificuldade em ter esclarecimento, uma discussão em alto nível. É muito mais fácil iludir quem não presta atenção nas coisas. Os que prestam pagam um preço maior. É difícil no futebol ter discussões, pontos de vista, personalidade, saber se posicionar.

Quando você foi vítima dessa desonestidade?
Em algumas situações porque o cara não consegue me enganar dando uma desculpa que não existe. Vou apontar que não é correto. É mais fácil você aceitar o sistema, mesmo errado, do que apontar ou tentar discutir para corrigir.

Então a desonestidade vem dos dirigentes?
De jogadores também. Muito. Existem os caras que ajudam e tem o boleirão...

Disseram que você foi boicotado no São Paulo porque ganhava muito. É verdade?
Mentira. Eu tinha amigos e companheiros, mais afinidade com algumas pessoas. Foi assim no São Paulo, no Corinthians... É que sempre existe a desculpa para justificar uma vitória ou uma derrota. Nunca vivi, senti ou percebi isso, em quase dois anos de convivência diária.
Eu reivindicava as coisas para o time porque os outros atletas não tinham articulação para discutir premiação. É esclarecimento. Quem não tem, acha que o contato com dirigentes é para expor os companheiros"
Ricardinho, sobre a fama de 'traíra'

E você também ficou com a fama de traíra na carreira...
Os jogadores que falaram isso, com certeza eram os mesmos que quando o salário ou o bicho atrasava, falavam: “Pô, Ricardo, tem que falar com os caras!”. O Ricardo falava com os dirigentes e depois o Ricardo é que levava as coisas. Eu reivindicava as coisas para o time porque os outros jogadores não tinham articulação para discutir premiação. Como capitão, fiz em vários clubes. É esclarecimento. Quem não tem, acha que o contato com dirigentes é para expor os companheiros. Já aconteceu de um dirigente chamar a mim e mais alguns jogadores, e dizer que não tinha dinheiro para pagar o salário de todo mundo, mas ia pagar os nossos. E eu disse que ou pagava todos ou nenhum. O dia que eu estiver errado, a primeira coisa que vou fazer é reparar. Se existe uma coisa que me deixa satisfeito é ter vencido no futebol com essa conduta, procurando correção.

Como técnico, de que maneira pretende evitar que esse tipo de problema aconteça?
Se eu tiver jogadores de nível, que discutem, vou achar ótimo. Desde que me retribuam essa confiança em campo. Vou criar situações para que participem, se posicionem, isso é extremamente positivo. Agora sou comandante e posso conduzir como eu imagino.

Quem é o melhor técnico do mundo?
Mourinho é um grande treinador, estrategista. Identifica bem qualidades e defeitos do adversário e de sua equipe. E sobre Guardiola, parto da opinião que um time regular bem treinado fica bom. Um time bom, bem treinado, fica muito bom. E um time muito bom, que é o caso do Barcelona, bem treinado, vira referência do futebol.
Ricardinho diz querer trabalhar com 'jogadores de nível' (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)

Acha que pode ter, como treinador, o mesmo sucesso que alcançou jogando?
Não sou tão exigente, pelo menos no início. Pelo menos publicamente (risos). Se eu conseguir a metade, está bom. Tenho autocrítica e me cobro muito. Às vezes sou chato, estou procurando mudar. Perfeccionismo demais não ajuda.
Não vou ficar correndo atrás de jogador. Se ele for direito, terá sempre o meu crédito. Se não for, o sistema tira"
Ricardinho

Do que você não sente falta da carreira de jogador?
Concentração. Em muitos momentos acho que concentrei sem necessidade. Ela é necessária para se alimentar, descansar e jogar. Quando excede isso se torna cansativa e reflete no rendimento do jogador. Como técnico, concentro o necessário. Os jogadores têm que se encontrar nesse sistema, entender o lugar deles e a obrigação como profissionais. E eu entendo que a melhor situação de descanso é na sua casa. Se você fez uma grande matéria, vai ao hotel para descansar? Ou vai fazer outra? Não, vai para casa! Não vou ficar correndo atrás de jogador. Se ele for direito, terá sempre meu crédito. Se não for, o sistema tira. Eles são jovens, querem sair, ter vida fora do futebol, e acho que têm que aproveitar a juventude, desde que não prejudique a carreira. Sempre discuti isso e agora posso praticar.

Hoje o melhor jogador do Brasil curte a noite, namoradas, tem compromissos, mas voa em campo. O Neymar pode se tornar um exemplo para mudar esse perfil de concentração atual?
Tomara. A gente fala tanto de exemplos, tomara que ele possa curtir a juventude dele, como curte, cumpra seus compromissos, mas na quarta e no domingo o Muricy conte com ele para resolver os problemas do time. Escutei o Muricy dizendo que gostaria de tirar a concentração em alguns jogos. Puxa, se chegou a um alto índice de responsabilidade e troca, que ele sentiu isso, é ideal. O dia em que você tiver essa resposta do jogador será benéfico demais para o futebol.

Como o técnico Ricardinho analisa o momento da Seleção Brasileira e o trabalho do Mano Menezes?
Tenho minha opinião como torcedor, mas estando hoje na mesma função do Mano, me coloco no lugar dele e não gostaria de ver tanta gente palpitando. A Seleção está se formando, tem jogadores jovens, vive um momento que não é dos melhores, mas eu não gostaria que um treinador fizesse colocações sobre o trabalho. Tem de deixar o Mano trabalhar, ele tem competência, está lá por mérito.

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