sexta-feira, 24 de março de 2017

O péssimo hábito de não saber ouvir

Publicado por CdB em: 24/03/2017

O que se precisa é de um partido político que assuma um projeto, que mantenha atualizado um programa. Que saiba que o poder emana do povo e que é com esse povo que se deve, obrigatoriamente dialogar. Isso é, falar e ouvir

Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro

O golpe de 1964 foi planejado por muitos, tomado o cuidado de deixar-se à conta dos militares a façanha inglória. Mas o golpe foi político, tramado com a orientação e o financiamento das elites nacionais. A partir do momento em que a conspiração tomou corpo, foi necessário criar novos instrumentos. Monta-se um esquema de marketing político. Em 1961 foi criado o IPES – Instituto de Pesquisas Sociais, iniciativa de um grupo de empresários. O IPES elaborou o seu discurso, pretendendo que ele estivesse baseado em dois documentos contemporâneos: a encíclica Mater et Magistra e o programa da “Aliança para o Progresso”.

Maria Fernanda Arruda é colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras

Apresentava-se como agremiação sem cores partidárias, com finalidades educacionais e cívicas, pretendendo defender a democracia, contra os extremos de direita e de esquerda. O IPES mostrava-se defensor de reformas, o que implicou em considerável número de estudos e projetos, preparados com a colaboração de intelectuais e técnicos. Foram assinados convênios com a Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo, em Campinas e depois no Rio de Janeiro. Criou-se o GPE – Grupo de Publicações/Editorial, com a participação de Wilson Figueiredo, Augusto Frederico Schmidt, Odylo Costa Filho e Raquel de Queiroz.

Arquitetura organizada

As suas publicações contavam com apoio de editoras como O Cruzeiro, Agir, Saraiva e Editora Nacional. Formou-se ainda o GOP – Grupo de Opinião Pública, com Jose Sette Câmara e Augusto Frederico Schmidt, secretariados por Nelida Piñon. A programação de cursos e seminários, que teria sido idealizada por Golbery do Couto e Silva, obteve repercussão e sucesso. Houve grande empenho para que ela se apresentasse como esforço competente para compreensão da realidade brasileira. Por isso mesmo, contou com a colaboração de intelectuais de diversas tendências.

Convencidos de que, em 1985, a Democracia nos fora devolvida, três anos depois fazendo-se a “Constituição Cidadã”, caminhamos livres, sem lenço nem documento. O presidente metalúrgico dava ao Brasil o otimismo dos que podiam comer e estudar. Caminhávamos distraídos, dispostos a não enxergar os sinais, prontos à satisfação daquele slogan: “nunca antes, na história desse país …”. E, no entanto, novamente foi se compondo uma arquitetura muito bem planejada, organizada, composta e operada por homens de importância maior.

Doações ao golpe

Em 2005 foi criado o Instituto Millenium, propondo-se a disseminar uma visão de mundo baseada no liberalismo econômico (ou uma visão de “direita moderna”). Conta com o apoio de importantes grupos empresariais e meios de comunicação de massa. Busca influenciar a sociedade brasileira através da divulgação das ideias de seus representantes, especialistas e colunistas. O que foi criado: um partido político, acima dos demais, sem qualquer respeito ao Estado de Direito e à Constituição.

Reconhecido legalmente como instituição de interesse público, o Instituto Millenium tornou-se apto à “receber doações dedutíveis de Imposto de Renda de pessoas jurídicas de até 2%”. Enquanto os que são reconhecidos formalmente como partidos políticos não podem mais receber doações de pessoas jurídicas, esse super-partido é sustentado por doações da Rede Globo, Grupo Abril, Grupo OESP, a ABERT, por grupos industriais, como Gerdau e Suzano.

Saber ouvir

O Millenium chegou para tentar sustentar teoricamente a luta dos que ainda defendem o neoliberalismo à brasileira. Não lembra o IPES e o IBAD por acaso. O Millenium acompanha uma tradição golpista existente no Brasil. Uma tradição golpista da nossa velha mídia inclusive. Não aceita, não engole um governo que, pela via democrática, e com parâmetros distintos do neoliberalismo, estava mudando o Brasil. E faz de tudo para derrotar esse projeto.

Conta com a orientação de homens como: Alexandre Schwartsman, Armínio Fraga, Gustavo Franco, Ives Gandra, João Roberto Marinho, Jorge Gerdau Johannpeter, Ricardo Diniz, entre vários outros. O gestor do Fundo Patrimonial é ninguém menos do que Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, mas ao seu lado está Henrique Meirelles.

Entre os “membros convidados”: Ali Kamel, André Franco Montoro Filho, Carlos Alberto Di Franco e Carlos Alberto Sardenberg. Ainda, Cláudia Costin, Eugênio Bucci, Demétrio Magnoli, Denis Rosenfield, Guilherme Fiúza, Gustavo Franco, José Padilha, José Roberto Guzzo. Mailson da Nóbrega, Marcos Cintra, Merval Pereira, Nelson Motta,Paulo Brossard e Pedro Malan. Especialistas colaboradores: Arnaldo Niskier, Bolivar Lamounier, Hélio Beltrão, Jose Neumanne Pinto, José Álvaro Moisés, Leôncio Martins Rodrigues, Roberto Da Matta. Ainda, Rodrigo Constantino, Rolf Kuntz e Salomon Schwartzman. Este último possui notória competência junto ao sistema financeiro.

‘Tíbia, acorvadada’

E os empresários souberam agir, de forma coordenada, assumindo o controle absoluto dos meios de comunicação, de pressão e de exercício do lobby. Controlam o Poder Executivo, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Seguem assentados nas poltronas confortáveis do Supremo Tribunal Federal. Manipulam o Tribunal Superior Eleitoral, com a figura lastimável de Gilmar Mendes. E transformaram o Tribunal de Contas da União em câmara de uma nova Santa Inquisição.

A tentativa de regulação da mídia, quando foi feita, foi tímida e reservada. Não se discute conteúdo. O que se discute então? Agora, quem sabe, o tamanho do fracasso do PT será o alvo da discussão. O poder de fogo concentrado pelo Instituto Millenium foi, hoje se constata, um desperdício. Poderia ter sido menor, diante da fraqueza tíbia, acovardada, de um Poder Executivo que se desejava derrubar. Não demonstrou competência e nem mesmo vontade de sustentar-se. Culpemos os outros, os que impediram Dilma Rousseff de governar: eles tiveram vontade e competência para cometer o crime.

E uma última observação: derrotado o PT, não foram as “esquerdas” as derrotadas. Nem Lula e nem o PT jamais foram forças de esquerda. Hoje, exatamente, o que se precisa é de um partido político que assuma um projeto, que mantenha atualizado um programa. Que saiba que o poder emana do povo e que é com esse povo que se deve, obrigatoriamente dialogar. Isso é, falar e ouvir.

Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil.

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